O barulho das buzinas deu lugar ao silêncio de Goa. Entre palmeiras, água e memórias dum outro Portugal, para lá viajámos em busca de sol, praia, história e um grupo de amigos muito especial. Foi bom voltar a dar abraços a quem conhecemos, voltar a falar a mesma língua, recordar aventuras, falar do futuro. Dias passados com portugueses, no Portugal que Goa ainda é.
Com três comboios pela frente, dois deles com pelo menos catorze horas de viagem, saímos da Embaixada Portuguesa, onde fomos convidados a ficar, num táxi careiro que nos levou às três e meia da manhã até à estação de Old Delhi. A viagem era a mais curta, somente umas sete horas até Jaipur, a mítica cidade cor-de-rosa, que só o é depois de uma visita do Rei de Inglaterra no período do império britânico, altura em que, à falta de tinta amarela – a cor original – para pintar as fachadas dos edifícios, usaram a cor rosa. Hoje, por detrás de alguns edifícios, ainda se pode ver o amarelo, como no monumento mais emblemático da cidade, o Hawa Mahal.
Mas o nosso dia seria inteiramente passado em Amer, uma dezena de quilómetros depois, onde um couchsurfer nos receberia por duas noites. Amer, ou Amber, é uma pequena vila onde se situa uma das maiores atrações turísticas da região, o Amer Palace. Construída dentro de uma muralha que circunda toda a vila, Amer é um prazer para os olhos daqueles que não se ficam somente pelo palácio. Eles são uma série de monumentos protegidos, desde palácios, templos, tanques, a maior parte deles em excelente estado de conservação que podem muito bem competir com os de Jaipur mas, bem menos visitados. Para nós, no entanto, foi a escolha correta, ficar bem longe de uma cidade com mais de dois milhões de habitantes, trocando a noite pela calma e bela Amer.
Dia dois e apanhámos o autocarro para a cidade, já depois de termos passado a manhã no Amber Palace, entre elefantes e centenas, senão milhares, de turistas. Fizemos o circuito normal do turista normal, dentro do nosso orçamento de viagem, e percorremos as ruas, saltando de loja para loja, de preço para preço, chegando à conclusão que já havíamos tido: todos vendem o mesmo, começam pelo mesmo preço e, caso decidamos comprar alguma coisa, trazemos o artigo a pelo menos metade do que nos disseram e, mesmo assim, sabemos que nos levaram a mais. Fugimos para Amer.
No dia seguinte, apanhámos um autocarro para Pushkar, uma das cidades mais sagradas para os hindus. De particular, um tanque no centro da cidade que os hindus dizem sagrado e onde se banham a toda a hora; um templo Brahma, um dos únicos no mundo inteiro, apesar de ter sido ele o criador do hinduísmo; o facto de ter sido aqui um dos sítios escolhidos para serem lançadas algumas cinzas do corpo de Gandhi, o pai da nação; ser um sítio perfeito para ver peregrinos que chegam de toda a parte do país e aqui fazem as suas preces. Pushkar, acreditávamos, seria um sítio onde podíamos descansar do frenesim das grandes cidades. Ficámos duas noites, pois não tínhamos mais tempo, mas não ficaríamos mais se tivéssemos oportunidade. Encontrámos vários viajantes que nos disseram estar ali há uma semana. Não entendemos. A rua principal parece Lagos no verão: bares, cafés, lojas repetitivas, muito barulho de buzinas (que Lagos, felizmente, não tem) e mais estrangeiros por metro quadrado do que qualquer outra cidade no Rajastão.
À parte disso, esta é uma das cidades obrigatórias para israelitas na Índia. Não que tenhamos algo contra eles, nada mesmo, mas saber que se formos a algumas cidades-chave, vamos encontrar as ruas falando hebreu e o tema de conversa é só droga, então a coisa começa a cansar. Ainda não eram sete horas da manhã e já caminhávamos para a estação de autocarros, que nos levariam a Jaipur, onde apanharíamos o primeiro comboio de catorze horas. Seria o início da nossa grande jornada de transportes que nos levaria dois dias completos até Goa.
De Jaipur até Mumbai, o comboio ia vazio. Muito curioso. Viajámos só nós e uns tantos estudantes que haviam estado em visita de estudo no norte e que voltavam a casa para o Diwali, a data mais importante do ano, como o Natal para os cristãos. Pacífico. Já em Mumbai, tínhamos de esperar até às onze da noite. Chegámos às oito da manhã. Aproveitámos para visitar a cidade, caminhar até estarmos de rastos, comer e voltar a comer, beber tudo o que nos aparecia pela frente, tirar fotografias e tentar arranjar o que fazer no resto das horas que faltavam até entrarmos de novo no comboio. A estação Victoria Terminus é Património Mundial da Humanidade e, não bastasse a beleza que tem, é ainda uma verdadeira experiência passar algum tempo lá dentro, observando a quantidade de pessoas que se movimentam, que se atropelam, que a usam como se de suas casas se tratasse e que fazem dela a estação de comboios mais ativa de toda a Ásia.
Mergulhámos nas camas do comboio, depois de passarmos muito tempo à conversa com os nossos colegas de “quarto”: uma alemã, uma belga, um austríaco e um coreano que nunca se dignou a descer da sua cama, lá no alto, para trocar uma só palavra. O destino de todos era Goa: sol, praia, tempo quente, liberdade era o que todos mais procuravam. Nós, porém, procurávamos um pouco mais: história e música.
Panjim, a segunda capital do antigo Império português em Goa (depois da velha Goa) está recheada de… Portugal. Ele é na arquitetura das casas, nas ruas, no nome das lojas, nos das pessoas, no idioma que, apesar de ter sido proibido durante quase cinquenta anos, voltou a ensinar-se, tendo hoje mais de 1.500 alunos. Caminhar por Goa, mais do que para qualquer outro cidadão do mundo, é para nós um prazer. Esquecemo-nos da palavra colónia e tudo soa lindamente. Mas Goa, neste momento, significava mais para nós. Significava encontro com amigos e nós estávamos ansiosos. Depois de uns tantos contactos por telefone, encontrámo-nos quase por acaso frente à principal igreja da cidade. Abraços para aqui, beijos para acolá, mais uns tantos “não estava à espera de te ver aqui”, perguntas sobre a viagem que continuaram noite fora, dias fora. Estávamos ali, todos juntos a falar português: nós e os Deolinda e toda a equipa que faz a máquina trabalhar: técnicos, produtores e amigos. Foi um consolo para a saudade.
Com eles passámos os três dias seguintes, em festas de receção, em jantares, em encontros espontâneos nas ruas da cidade. Voltámos às salas de espetáculos, onde nos sentimos como peixes dentro de água, desta vez do lado de cá, sentados no público. Foi bom vê-los subir a palco outra vez, mais uma vez, entre aplausos vê-los cantar, entre canções sentirmo-nos a chorar. Foi bom voltar a estar com amigos, a falar a nossa língua e a falar de Portugal, do futuro, e sentir que esta viagem está quase a acabar e que, mais cedo ou mais tarde, regressaremos – para onde não sabemos.
Depois da despedida, o autocarro segue para sul. Agonda espera-nos.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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