Partindo de Agra, pedalámos por estradas secundárias descobrindo uma Índia que pensámos inexistente: uma Índia calma. Chegámos e partimos de cidades onde a história está bem marcada, onde as nossas expectativas foram ultrapassadas, onde descobrimos locais bem pequeninos aos quais nos rendemos. Nestas duas semanas, o melhor do continente indiano rolou debaixo dos nossos pneus. Uma delícia!
O que nos separa de Agra são, neste momento, centenas de anos de história. No restaurante da guesthouse onde me encontro neste momento, consigo ver o Ganges, o mais sagrado dos rios para os hindus: nascimento e morte, num rio tão antigo como a história do mundo.
A história que temos para contar começa há uns quatrocentos anos, numa pequena cidade nas margens do Rio Yumana. O Imperador Shah Jahan viu morrer a sua esposa favorita, Mumtaz Mahal, aquando do nascimento do seu décimo quarto filho. Querendo eternizar o seu amor, mandou construir aquele que seria conhecido como o mais bonito túmulo do mundo: o Taj Mahal! Parecendo-nos mais um palácio que um túmulo, o Taj é daqueles sítios onde vale a pena ir pelo menos uma vez na vida, apesar de todo o turismo, de todo o negócio em volta, de toda a publicidade. O Taj tem uma magia própria, e foi essa magia o suficiente para que fizesse parte da nossa história. Passámos, deslumbrámo-nos, registámos na nossa memória – na real e na digital – e saimos felizes da vida!
Pedalámos “forte e feio” para longe de Agra que, apesar de se intitular a Cidade do Amor, não nos viu cair de paixão pelas suas gentes e pelas suas ruas. De todo.
A próxima história leva-nos a Orchha e aí sim, revelamos a nossa paixoneta. Não sabíamos muito bem para onde nos dirigíamos, mas tínhamos lido algures que era uma pequena cidade a sul de Agra, onde templos e túmulos e palácios surgiam no meio da selva que os engolia árvore a árvore. Ao chegarmos, tivemos a sensação que aquilo era pequeno, para uma Índia gigantesca. As pessoas não eram muito insistentes e em dez minutos estávamos já instalados numa guesthouse frente ao principal templo em atividade. Do lado esquerdo, um palácio enorme olhava-nos de soslaio, com macacos correndo pelas muralhas e uma pequena ponte em pedra atirando-nos para lá da história.
Fora o inglês básico das crianças da cidade, que não passava de money, school pen, dollar, chocolat, caramel e biscuit, os dois dias aí passados soaram-nos a muito pouco e tivéssemos nós planeado um pouco, por ali teríamos ficado uma eternidade! Orchha foi a primeira grande surpresa neste país, uma cidade onde pudemos caminhar sem ouvir buzinas, sem que ninguém nos tente vender coisas de dois em dois minutos e sem que, ao longe, vejamos mais um auto-rickshaw a tentar levar-nos a algum lado por um preço ridiculamente alto. Vimos palácios, um rio belíssimo, túmulos que mais pareciam mansões, templos e mais templos e claro, muitas vacas e cães sarnentos e cabras e búfalos e homens e mulheres a lavarem-se no rio. Índia!
Possivelmente, pensámos, que a seguir a Orchha, tudo seria mais do mesmo. Confessamos que depois de tanto tempo em viagem, a absorver tanto: igrejas, templos, mesquitas, sinagogas, grutas, caves, pirâmides, desertos, montanhas e um sem número mais de paisagens e monumentos, é já raro o local que nos surpreende. Este é o único senão de viajar durante tanto tempo, na nossa opinião.
A estrada mostrava-se pacata, sem gente, sem barulho. À nossa frente um caminho cortava campos de cultivo em duas partes, nem sempre iguais, e algumas pessoas cumprimentavam-nos com sorrisos que, até aí, tinham sido inexistentes neste país. Não era só a surpresa de ver estrangeiros por ali, era o facto de passarem junto aos locais, pois no interior dos táxis, eram às dezenas, atrás da janela que os dividia da Índia. Pedalámos assim até Khajuraho, e pelo meio fomos ficando onde era possível, fosse em gurduaras – templos sikhs – ou em daramsalas – locais existentes para albergar peregrinos. Tudo era do mais básico que existia, às vezes somente um estrado de madeira onde tínhamos de estender o nosso colchão de campismo, às vezes nem vidros nas janelas existiam, somente uma grelha nos separava de olhares curiosos, na maior parte das vezes, a eletricidade faltava mais do que o normal e as velas auxiliavam-nos a visão. Tudo era de uma simplicidade extrema.
Khajuraho é conhecido por ser casa de uma série de templos que neste momento não chegam a três dezenas mas que, há mil anos, quase chegava à centena. A culpada da construção destes templos foi a dinastia Chandela. O culpado pelo seu quase desaparecimento foi o império Mughal, muito mais conservador na sua visão sobre a vida e claro, pelo facto de serem muçulmanos e os templos serem de origem hindu. No entanto, o que ficou é hoje área protegida e pertence à lista da UNESCO, de Património Mundial da Humanidade.
O que ficou é aquilo que realmente nos faltava na Índia: o incrível trabalho humano sobre a rocha. Numa palavra: impressionante! Entrámos com as expectativas no alto. Saímos e as nossas expectativas foram superadas. Não é só o facto de conter cenas eróticas: ninfas, mulheres em poses belíssimas, sexo explícito, orgias, sexo com animais, voyerismo, algo raro em templos religiosos, mas todo um conjunto de cenas onde o quotidiano é representado na sua forma máxima, com uma naturalidade tão – perdoem-me o pleonasmo – natural! Khajuraho é de visita obrigatória, muito mais do que o Taj Mahal, na nossa modesta opinião. O ponto alto desta viagem no continente indiano!
Dali, partimos com saudades dos templos e do fantástico lassi de limão na Universal Shop, aquela tendinha onde tomámos todas as refeições, onde fizemos amigos e partilhámos comida com o Johnny, o cão da casa! Partimos por uma estrada rural, um atalho indicado por um local especialista em bicicletas e cortámos quase quarenta quilómetros à nossa conta final. Pelo caminho, somente uma etapa difícil: atravessar uma barragem, que teríamos feito sem qualquer dificuldade, não fosse do outro lado haver uma escadaria enorme em pedra, que nos obrigou a tirar tudo das bicicletas e levá-las às costas degraus acima, até ao nível da estrada. Valeu a pena. A estrada continuava a levar-nos por uma Índia rural e a cada paragem nos pequenos mercados, logo uma plateia se juntava a nós, sem que nos pusesse os nervos à flor da pele, como acontecia por todo o lado.
Chegámos a Chitrakut, onde passaríamos o Natal deste ano. A cidade conhecida por Pequena-Varanasi, pareceu-nos o local ideal para uns dias sem stress, apesar de em alguns momentos a “tampa” nos ter saltado e nos termos visto obrigados a levantar a voz a algumas pessoas que de olho bem aberto, veem já uma maneira, em terra sem turistas, de serem reis. Adoramos entrar em batalhas, mas só viramos costas quando saímos vitoriosos. É a nossa regra de combate! As ghats – nomes pelas quais são conhecidas as escadarias que descem rio abaixo – não têm a dimensão de Varanasi, nem a magia, nem sequer a popularidade mas são, confessamos, cheias de vida.
Tivemos a sorte de termos chegado um dia antes da Lua Cheia, momento comemorado com centenas de peregrinos que chegam à cidade em busca de espiritualidade, de bênção, de caminhadas em volta de montanhas sagradas, de levarem para casa tudo o que lhes possa recordar o momento. Chegámos portanto, em momento de festa e tentámos captar cada momento, cada ato, que para nós nos parecem tão fora do comum, mas que para este povo, é a coisa mais natural do mundo. Não nos é fácil explicar o que sentimos quando vemos alguém defecar ao nosso lado e lavar-se no rio, ao lado da pessoa que esfrega champô no seu cabelo, olhando para aquela que lava a roupa, enquanto a dois metros búfalos se banham nas águas. Na nossa higiene ocidental, não é fácil entender, mas neste país deixámos já de colocar questões, para bem do nosso equilíbrio mental!
Quanto à noite de Natal, estava escuro, estávamos na cama, vimos um filme do qual já nem me recordo o nome e adormecemos com um senhor a puxar um grande escarro, repetidas vezes, do mais fundo de si! Música para os nossos ouvidos. Sorrimos e sonhámos com o Pai Natal!
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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