Numa das mais fascinantes capitais do Norte da Europa, Edimburgo, saltitámos entre a história e simbolismo do Castelo de Edimburgo e dos closes da Royal Mile, e a modernidade e controvérsia de edifícios como o Novo Parlamento da Escócia. E tivemos ainda tempo de provar a mais tradicional de todas as iguarias gastronómicas, o haggis, cuja descrição nada tem de apelativo mas é verdadeiramente delicioso. Sejam bem-vindos a Edimburgo, Escócia.
Aterrei em Edimburgo ciente de que as condições climatéricas na Escócia se alteram muito depressa. Num minuto, um sol radioso aquece a pele exposta em busca de Verão; no seguinte, a chuva impiedosa exige um impermeável outonal; num segundo, um vento cortante e seco traz o frio para a nossa companhia; no seguinte, uma calmaria primaveril ilumina o dia e alimenta o espírito de um viajante com doses de alegria e boa disposição. As Terras Altas da Escócia são as terras das quatro estações. No mesmo dia, na mesma hora.
Mark Szczuka estava à minha espera no aeroporto. Cinco anos atrás, Mark pedira para se alojar em minha casa, através de uma rede de viajantes chamada Hospitality Club, mas os seus planos mudaram à última hora e acabou por não visitar a cidade onde então morava.
Mantivemos, ainda assim, contactos esporádicos e, quando lhe disse que viajaria para Edimburgo daí a uns dias, prontamente disponibilizou um pequeno quarto da sua nova casa num bairro simples mas elegante dos arredores de Edimburgo. Todas as casas eram térreas ou de dois pisos, com um pequeno jardim à frente, sem muros, e havia parques infantis comunitários para as traquinices das crianças.
Pousei a mochila em sua casa e, num ápice, estava no interior de um carro a caminho da Capela Rosslyn. Mark queria mostrar-me a mais recente atracção turística da região, muito procurada desde que fora referenciada na última parte do livro «O Código Da Vinci», o best-seller mundial que o escritor norte-americano Dan Brown editou em 2003. “Há cruzeiros que atracam no porto de Edimburgo e trazem directamente os turistas para verem a capela Rosslyn”, garantiu Mark, enquanto circundávamos a capela pela parte exterior do muro com gradeamentos de ferro.
Antes de regressar a casa, e dado que a noite estava prestes a cair, sugeri jantarmos em algum lugar aconselhado por Mark, com a única condição de provar algo da gastronomia tradicional escocesa. “Haggis”, disse Mark, “tens que provar haggis”. Haggis é porventura o elemento mais típico de toda a culinária escocesa, o prato nacional por excelência, mas a descrição do mesmo afasta qualquer comensal estrangeiro no seu perfeito juízo de o provar.
É confeccionado com vísceras de carneiro (coração, fígado e pulmão) picadas com cebola, farinha de aveia e gordura retirada dos rins do carneiro, tudo temperado com sal e especiarias e apurado num caldo de carne. Essa mistura é então cozida durante cerca de três horas no interior do estômago do próprio carneiro, e pode ser servida à mesa assim mesmo, estômago incluído.
Foi haggis que pedi à simpática empregada do restaurante, juntamente com uma pint – meio litro de cerveja local. Seria servido com puré de batata e abóbora, informou-me a jovem loira num sotaque imperceptível que Mark, entre risos, decifrou. “Vais ver como falam no interior”, avisou-me, referindo-se ao cerrado sotaque inglês dos habitantes da Escócia rural, quase impossível de entender pelo comum dos viajantes.
Enquanto aguardávamos pelo repasto, Mark insistiu que haggis era delicioso – mas não pude deixar de reparar que o seu pedido fora um normal bife com batatas fritas. Na verdade, pude confirmar um pouco mais tarde, haggis é uma iguaria verdadeiramente agradável. Mark tinha razão.
A Milha Real de Edimburgo
Edimburgo não tem cara de capital, ritmo de capital. Parece que herdou as coisas boas de uma grande cidade europeia – oferta cultural, arquitectura marcante, diversidade étnica, um centro histórico agradável -, escapulindo-se com mestria às coisas más – trânsito caótico, confusão nas ruas, violência desmedida, poluição – e acrescentando a melhor de todas as virtudes, normalmente presente em locais de menor dimensão: qualidade de vida.
Não por acaso, ao início da manhã e no fim da tarde, centenas de pessoas rumam ao Holyrood Park, elevação localizada tão perto e tão longe do centro da cidade e onde está instalado um despretensioso parque desportivo. Vão correr, andar de bicicleta, brincar ou passear antes ou depois dos empregos, de headphones nos ouvidos ou conversando em família, fazendo exercício, exercitando o corpo e relaxando a mente. E duas palavras, vivendo melhor.
Acresce que Edimburgo está classificada pela UNESCO como Património Mundial e é uma cidade que se percorre com indisfarçável prazer. As ruas são povoadas por uma mescla heterogénea de personagens, que vai das mulheres de negócios vestindo conjuntos de designers internacionais até homens envergando kilts de tecidos aos quadrados em tons de azul e verde na cintura, dos jovens góticos com piercings na face e negro total nas roupas até aos turistas em tons caqui e chapéus ridículos deambulando pelo centro histórico.
Mark tinha apontado para uma rua desenhada num mapa de Edimburgo, no exacto local onde se lia: “Royal Mile” – a Milha Real. “Encontramo-nos à hora de almoço no fim da Royal Mile, no Novo Parlamento da Escócia”, disse-me enquanto tomávamos o pequeno-almoço, uma grande chávena de leite com cereais, croissants, compotas e fruta.
Royal Mile é o nome turístico dado a uma longa avenida que vai mudando de designação enquanto desce para oeste – Castlehill, Lawnmarket, High Street, depois Canongate – e que se impõe no coração medieval de Edimburgo, aproximando o magnífico Castelo de Edimburgo, principal atracção turística da cidade, do controverso Novo Parlamento da Escócia, ex-líbris da moderna arquitectura em terras de Sua Majestade. Pareceu-me um plano perfeito: unir o passado ao presente numa manhã em Edimburgo. Chovia quando entrei num autocarro rumo ao centro de Edimburgo, durante a viagem o sol apareceu, a seguir veio uma tromba de água, depois fez calor. Foi aí que deixei de me importar com o tempo.
Esperei pela abertura das pesadas portas de madeira do Castelo de Edimburgo defronte delas, com o objectivo de visitar o mais concorrido dos locais turísticos logo pela manhã e, dessa forma, evitar os autocarros dos turistas de excursão, japoneses e outros, com suas máquinas de filmar em riste e olhar esbugalhado. É um local com grande relevância histórica para a própria existência da Escócia, e um dos mais bem preservados castelos da região.
Caminhei pelas ruelas empedradas dentro das muralhas, entrei em cada uma das salas transformadas em museus, admirei os aposentos da realeza, esperei na capela que a chuva passasse e, quando por fim atravessei a grossa porta de madeira em direcção à Royal Mile, ainda se andava com razoável à-vontade no interior das muralhas.
À medida que caminhava pela Royal Mile, com o castelo pelas costas, notei claramente que o número de lojas de bugigangas e souvenirs e cafés tipo Starbucks ia diminuindo. Reparei na fachada trabalhada da casa do religioso John Knox, com quinhentos anos de existência; num ou noutro café minimalista de bom gosto como o Chocolat Soup; e não pude deixar de entrar no complexo da igreja Canongate, extremamente bela e de formas arredondadas.
Mas o que mais me chamou a atenção em todo o percurso foram as inúmeras e circunspectas close. São vielas estreitas perpendiculares à Royal Mile que, quando olhadas da rua principal, parecem pouco mais que becos imundos: o tipo de lugares onde os marginais confraternizam e os turistas aflitos urinam.
A realidade, porém, é radicalmente distinta. As close são a alma da Edimburgo de outrora. Passagens estreitas que unem ruas paralelas afastadas pelos quarteirões megalómanos que bordejam a Royal Mile, criando microcosmos com especificidades próprias, o mais famoso dos quais dá pelo nome de Mary King’s Close e encontra-se actualmente turisticamente aproveitado.
Mas há dezenas de outras ruelas a descobrir, com nomes como Gullan’s Close, Advocates’s Close, Fleshmarket Close ou Writer’s Close. Assim haja tempo e vontade.
O Novo Parlamento da Escócia
Descia o último troço da Royal Mile quando avistei pela primeira vez o tão falado edifício do Parlamento escocês. Observando a fachada daquele ângulo oblíquo, com as janelas deliciosamente assimétricas, vieram-me involuntariamente à memória as formas do Museu Guggenheim de Bilbau, o genial edifício do arquitecto de origem canadiana Frank Gehry. Na realidade, o Novo Parlamento da Escócia nada tem a ver com a obra-prima de Gehry, com ele competindo, porventura, em originalidade e audácia.
Durante anos, o projecto do Novo Parlamento da Escócia fora o pomo da discórdia no país, com acusações de megalomania, os custos a ultrapassarem em muito o inicialmente previsto, e muitas dúvidas sobre as formas estrambólicas da estrutura, pejada de simbolismos patrióticos de difícil percepção. Para adensar a controvérsia, o arquitecto escolhido para conceber o edifício não era escocês – chamava-se Enric Miralles, era espanhol e, ironicamente, não viveu o suficiente para ver a sua obra concluída.
Esperei alguns minutos à porta, interrogando-me sobre o que poderá levar um turista a visitar o Novo Parlamento da Escócia, até que Mark chegou. Tinha um amigo que trabalhava no parlamento, Simon, de maneira que me ia mostrar pessoalmente o interior do edifício.
Simon era um jovem enérgico de aspecto escandinavo, alto, loiro, de olhos profundamente azuis, e num instante andávamos pelo interior do hemiciclo do Parlamento equipado com a mais recente tecnologia, nas salas minimalistas das comissões parlamentares, nos despretensiosos gabinetes dos deputados – cada um com um banco de madeira encostado a uma janela, sob um tecto arredondado com vista para os jardins, para que os eleitos pelo povo possam relaxar, ler, pensar tranquilamente e, espera-se, melhor legislar. Simon tudo me explicou com a eficiência de um profissional, e logo nos despedimos.
Enquanto almoçava no bar envidraçado do rés-do-chão, pensei que tinha sido uma visita turística verdadeiramente invulgar, mas deveras interessante.
Pode-se passar uma semana a visitar Edimburgo, que há sempre coisas diferentes para fazer, novas experiências para vivenciar. Entre as coisas que não fiz, destacam-se as muito populares ghost tours, umas visitas fantasmagóricas que têm lugar à noite nas profundezas (literalmente) de Edimburgo, cujo objectivo implícito é assustar os turistas com encenações de terror o mais verosímil possível.
Não vi interesse em pagar para tal actividade, mas é algo deveras popular entre os viajantes de mochila às costas que visitam Edimburgo. Preferi subir os 287 degraus do Monumento Scott, edifício gótico construído em honra do escritor Sir Walter Scott após a sua morte, em 1832, e no topo do qual se tem uma vista soberba sobre o Castelo de Edimburgo, a Princes Street, principal avenida comercial da cidade, e os adjacentes e homónimos jardins.
Decidi também aproveitar a gratuitidade da extraordinária Nacional Galery of Scotland e apreciar todo o seu acervo. Deliciei-me com a vista a partir da Calton Hill, uma colina no enfiamento da Princes Street com vista panorâmica para o centro histórico de Edimburgo. E caminhei, caminhei bastante pela “cidade velha” até que, quando os pés clamaram por descanso, combinei com Mark um encontro num dos muitos pubs da praceta Grassmarket para beber uma cerveja e brindar à despedida. Cheers!
Guia prático
Quando ir
Os meses de Agosto a Outubro são estatisticamente os mais secos, pelo que podem ser uma boa aposta para desfrutar de condições meteorológicas menos instáveis. De meados de Agosto ao primeiro sábado de Setembro decorre o Festival Internacional de Edimburgo – maior e mais famoso acontecimento cultural do país, dedicado à música, ópera, teatro e dança -, o que significa mais turistas na cidade e escassez de alojamento.
Como chegar a Edimburgo
A forma mais barata de chegar à Escócia é utilizar combinações de voos low cost das companhias Ryanair e EasyJet, embora isso por vezes implique esperas demasiado longas em aeroportos de ligação. Alternativamente, um voo de ida e volta entre Lisboa e Edimburgo com a British Airways, via Londres, pode actualmente custar pouco mais que 220 €.
Onde ficar
Regra geral, os quartos em casas Bed & Breakfast são a aposta económica mais vantajosa na maioria das localidades escocesas. Proporcionam estadias confortáveis, pequenos-almoços deliciosos e um contacto mais estreito com os habitantes locais. Os preços rondam os 50-60 euros por quarto, para duas pessoas. Noutro segmento, o quatro estrelas Radisson SAS Edinburgh fica em plena Royal Mile e tem, por isso, uma localização perfeita para explorar Edimburgo. Se pretender visitar Edimburgo durante o concorrido Festival (de meados de Agosto até aos primeiros dias de Setembro), reserve os hotéis com antecedência superior a seis meses.
Gastronomia escocesa
A gastronomia escocesa tem no suspeito Haggis o seu elemento mais tradicional. É confeccionado com vísceras de carneiro (coração, fígado e pulmão) picadas com cebola, farinha de aveia e gordura retirada dos rins do carneiro, tudo temperado com sal e especiarias e apurado num caldo de carne, tudo cozido durante três horas no interior do estômago do próprio carneiro. Apesar da pouco entusiasmante descrição, vale a pena provar.
O que comprar
Ao contrário do que se imagina, o whisky de malte escocês é muito caro se comprado na Escócia, fruto de impostos elevadíssimos – a vantagem reside na vasta oferta e não no preço, pelo que se sugere que aproveite para comprar marcas que não encontra em Portugal.
Informações úteis
Apesar do Reino Unido não fazer parte do Espaço Schengen, aos cidadãos portugueses basta serem portadores de um passaporte ou bilhete de identidade válido. Apesar da desvalorização recente da Libra Esterlina, não se pode dizer que a Escócia seja ainda um destino barato.
Seguro de viagem
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