Ao viajar no Bangladesh, parece-nos que há mais água que terra neste país de rios e mar: as estradas são constantemente atravessadas por rios e, em muito do seu território, os rios são as próprias estradas. Um roteiro de viagem ao Bangladesh, por onde se viaja de barco, jangada ou navio.
Tal como em todo o mundo – e em países pobres muito mais – a capital é um mundo à parte, diferente do resto. Dhaka, com uma população de cerca de doze milhões, ruas pouco asfaltadas e prédios geralmente baixos, é apenas mais uma cidade asiática, sem monumentos de grande interesse que sirvam de chamariz turístico. O verdadeiro monumento, aquilo que atrai e distrai na cidade – e no país – são os cerca de duzentos mil riquexós coloridos, que lhe dão uma nota única graças às suas pinturas naif e à música contínua das suas campainhas. Pintados com pinceladas garridas que reproduzem estrelas de filmes indianos, mesquitas e mesmo o Taj Mahal, depressa se tornam o ex-líbris do país.
Na partilha política que deu origem ao Bangladesh, os monumentos ficaram todos na Índia, à excepção de um punhado espalhado pelo Paquistão. E também o grande porto de Calcutá, que facilitaria a exportação das maiores, embora parcas, produções nacionais – juta, couros e chá – ficou do lado indiano, juntamente com um outro símbolo cultural: o Prémio Nobel da Literatura Rabindranath Tagore, grande poeta e contador da vida no Bengala.
A língua e, sobretudo, a política e o muro silencioso da religião, com hindus de um lado e muçulmanos do outro, acabaram por dividir muito mais do que factores geográficos como rios ou cadeias de montanhas.
Para quem visita o país, o encanto vem da população e das suas manifestações tipicamente A.T. (Antes do Turismo): os transeuntes dão cotoveladas à nossa passagem, os riquexós chocam com os da frente de tanto torcerem o pescoço de espanto. Mudar o rolo de uma máquina na rua é motivo de tumultos à nossa volta, e parar para comprar fruta ou entrar numa loja ocasiona uma procissão de homens a espreitar com curiosidade.
No centro da capital, onde a urbanidade e a internacionalização são mais evidentes, com as multinacionais da comida rápida a fazerem-se representar em peso, a multidão é mais impessoal e as abordagens menos frequentes.
Mas nas ruelas estreitas ao longo do rio, onde se escondem mesquitas, mercados e lojas de pérolas rosadas de água doce, somos tratados como indígenas no meio de um grupo de turistas, sensação que qualquer ocidental devia experimentar para ter uma pequena ideia do que andamos a fazer aos outros. E para estar sozinho, só mesmo fechando-se no hotel: o país já ultrapassou os cento e quinze milhões de almas numa área que não chega ao dobro de Portugal…
País de rios
Como o Bangladesh é um país de rios, um dos principais meios de transporte são os barcos e a água serve de estrada. Existem de todos os géneros, desde o barco com um remo na popa, manobrado pelo barqueiro com a ajuda dos braços e de uma perna, e que geralmente servem de táxi, até aos barcos com uma roda lateral, tipo azenha, que servem de autocarros de longa distância. E como a altitude máxima em noventa por cento do território não ultrapassa os dez metros, as longas viagens de barco permitem-nos chegar a aldeias e cidades, algumas bem recônditas, e ver grande parte do território, constituído pelo que parece ser um grande delta de ilhotas e rios.
Percebe-se bem porque é que qualquer subida do nível das águas – e todos sabemos que nesta zona as monções são fortíssimas e os ciclones frequentes – origina a desgraça mais profunda, milhares de mortos e colheitas perdidas, como aconteceu nos anos 70, época em que se realizou o tristemente famoso Concerto para o Bangladesh, que ajudou as vítimas das inundações.
Mas para nós, visitantes curiosos, aqueles quilómetros quadrados de arrozais e coqueiros, as casas palafitas com muitos metros de altura, as crianças que correm ao longo da margem a acenar ao barco como se este fosse um autocarro, nada nos fala de miséria ou de desgraças, antes de beleza e paz. E ao pôr-do-sol desenha-se no céu a bandeira nacional, uma grande bola vermelha numa paisagem toda verde, que só desaparece com a noite.
Tufos de coqueiros, palhotas, vacas, mulheres de roupas coloridas e campos de todas as tonalidades de verdes e castanhos desfilaram durante horas, até chegarmos a Barisal. O interesse da viagem era, sobretudo, visitar a mesquita de Sat Gombad, que se diz ter setenta e sete cúpulas e que fica perto da aldeia de Bagherat.
O caminho até Sat Gombad atravessa um emaranhado de coqueiros e bananeiras pontuado por tanques de água cobertos de nenúfares cor-de-rosa. E numa zona aberta fica o edifício de tijolo vermelho da mesquita e um mausoléu, ambos baixos e modestos, apesar da vetusta idade de seis séculos. Valeu pelo sossego, o chilrear dos pássaros, o azul-metálico dos martins-pescadores e a simpatia de alguns grupos de turistas locais, que se deliciaram a posar para fotos connosco.
Antes disso tinha sido preciso fazer a viagem entre Barisal e Bagherat, que demonstrou mais uma vez que o país parece ter mais água que terra: cerca de quatro horas numa espécie de traineira sobrecarregada, quinze minutos de riquexó até ao próximo barco – este, a remos – que em cinco minutos nos pôs numa paragem de autocarro.
Uma hora de autocarro e dez minutos de ferry mais tarde chegámos ao último riquexó, que nos deixou numa pensão onde foi preciso manter as janelas fechadas, para não ter a aldeia em peso debruçada no parapeito a mirar os nossos gestos.
De Norte a Sul, a população demonstrou sempre uma boa-vontade extrema, abandonando postos de trabalho para nos levar a qualquer lado, encontrar alguém que falasse duas palavras de inglês – chegámos a ser levados a uma esquadra da polícia! -, oferecendo-nos chá e fruta com o doce sabor da generosidade, num país tão carenciado de tudo. O único senão foi a falta de privacidade, a impressão de sermos seguidos e vigiados por mil olhos, que não se deve a nada mais do que à pura curiosidade e à surpresa de ver estrangeiros.
Os cinco estrangeiros que encontrámos em três semanas estavam todos em Dhaka, e só um – japonês – é que estava ali em turismo, todos os outros eram cooperantes ou estavam em viagem de negócios. Como é normal, foram incontáveis as vezes que nos perguntaram o que andávamos ali a fazer, e ao respondermos que queríamos conhecer um pouco o país, a surpresa e a alegria de algumas pessoas chegou a raiar a comoção. Houve mesmo quem deixasse cair um thank you que acabou por nos comover a nós…
Sylhet, a zona “montanhosa” do Bangladesh
Sylhet é um lugar um pouco diferente do resto do país. Pelo menos é vagamente colinoso – é considerada a zona “montanhosa” do Bangladesh -, com os tufos bem aparados dos arbustos do chá a atapetarem as pendentes suaves que rodeiam a cidade. Chá em socalcos, plantações de ananases e laranjas e uma densa selva tropical são os cartões de visita deste território fronteiriço à Índia, onde o calor parece amainar por causa da “altitude”.
O centro é mais calmo do que nas outras cidades do país e ainda sobrevive alguma arquitectura colonial inglesa. Os mercados do peixe e dos legumes são grandes e, como de costume, muito bem arranjados: o arroz, vendido a granel, está separado por tipos de grão; os pepinos formam grandes flores verdes, as beringelas foram esfregadas com um pano até ficarem brilhantes, as couves-flor estavam dispostas em cestos, formando círculos concêntricos.
Mas basta levantar a máquina para fotografar e é a loucura, com os vendedores a quererem todos ficar na fotografia, compradores a agitarem na nossa frente as galinhas que acabaram de adquirir, e um ou dois mais compreensivos a afastarem as pessoas para podermos fotografar em paz…
Viagem ao extremo sul do Bangladesh
No outro extremo do país, a Sul, fica a zona onde é mais difícil distinguir a terra da água: Sundarbans, cerca de trinta e nove mil quilómetros de mangal – o mais extenso do mundo – que abriga, entre outra fauna selvagem, algumas centenas de tigres de Bengala.
Assentámos praça no porto de Mongla, que apesar a sua importância não deixa de ter um simpático ar de aldeia. Ao fim da tarde, os costureiros instalavam-se na rua à sombra, com as suas máquinas a pedal, à espera de trabalho, enquanto ovelhas e galinhas passeavam por ali.
A primeira floresta que vimos foi a de barcos, uma imensidão de navios e paquetes de grande porte atracados por ali, espalhados na extensa mancha cor de barro da água do rio. Junto ao cais local, os barquitos típicos têm algo de gôndola veneziana, com uma proa fina levantada e linhas estreitas.
Os mangais de Sundarbans começam um pouco mais longe, na aldeia de Dhangmari, onde fica uma das sedes dos guardas-florestais, e as visitas efectuam-se com autorização especial. Pudemos percorrer uma ínfima parte da área num barco alugado, com a condição de não pôr pé em terra. Não é que houvesse muita; ao princípio ainda aparecem nas margens as palhotas habituais, feitas de folha de coqueiro, mas depois, a “bela floresta” fecha-se sobre si mesma, tornando-se densa e de aspecto impenetrável, parecendo sair directamente da água.
Mulheres e crianças arrastam redes mergulhadas na água até à cintura, apanhando tudo o que podem e metendo em vasilhas de metal. As árvores são baixas e povoadas de pássaros e nas margens correm uns minúsculos caranguejos vermelhos. Mas tigres e veados só lá bem no fundo, onde não chega o mar…de gente de que é feito este país.
A terra dos bangla
Fica entre a Índia e Myanmar (antiga Birmânia), no golfo de Bengala, e tem uma área de cento e quarenta e quatro mil quilómetros quadrados. Com uma população em permanente crescimento, o Bangladesh já ultrapassou os cento e quinze milhões de habitantes e é o país mais densamente povoado do mundo.
À excepção de duas áreas junto a estas fronteiras, todo o território é constituído por planícies de aluvião recortadas por grandes rios, dos quais o mais conhecido é o Ganges, sagrado para os hindus, que aqui se chama Padma. Devido também às constantes inundações e mudanças de leito dos rios, o solo é extremamente rico, permitindo duas e mesmo três colheitas de arroz por ano.
Nas zonas de colinas o clima é propício à produção de fruta e da maior exportação do país, o chá. E dez por cento do território ainda é constituído por floresta, com a respectiva fauna selvagem, que inclui chitas, leopardos e panteras, assim como alguns elefantes e muitas serpentes. Em alguns rios, golfinhos, tartarugas e crocodilos fazem as suas aparições.
A constituição proclama que o país é laico, e a religião maioritária é a muçulmana, com cerca de dezasseis por cento de hindus e um punhado de cristãos e budistas. O analfabetismo atinge cerca de setenta por cento da população e oitenta por cento dos bangla ainda vive abaixo dos níveis de pobreza.
Bangladesh – história de uma jovem nação
Como nação independente, o Bangladesh tem menos de quarenta anos – a sua última luta contra o Paquistão terminou em finais de 1971, e em 1972 foi finalmente reconhecido pela maioria dos países do mundo.
O território fazia parte da Índia britânica, e passou pelas mesmas peripécias históricas que o estado a que pertencia, o Bengala: fez parte do império Maurya a partir do século VI A.C., do império Gupta a partir do século IV, tendo sido palco de guerras tribais entre as duas dinastias. Os Palas e os Senas reinaram depois até à chegada do islão no século XII, que quase arrasou as duas religiões predominantes na zona, o budismo e o hinduísmo.
Nos séculos que se seguiram, com o contínuo fluxo de muçulmanos da Ásia Central e Pérsia, o Bengala desenvolveu-se e prosperou. No século XVI o império Mogul controlava praticamente toda a Índia, e assim continuou até ao estabelecimento definitivo dos europeus; depois de os portugueses terem negociado a partir de postos que foram criando no século XV, foi a vez da britânica East India Company se estabelecer em Calcutá, dando início a uma exploração comercial que, mais tarde, estaria sob o controlo da coroa britânica, que aí estabeleceria a capital do império – o Raj.
O Raj foi uma benção para os hindus, mas uma praga para os muçulmanos, maioritários no Bengala, uma vez que os primeiros sempre foram beneficiados em detrimento da maioria. No final do século XIX, o vice-rei da Índia determinou a divisão do estado em dois, seguindo a linha dos rios Bramaputra e Padma, ficando Dhaka como capital do estado de Novo Bengala e Assam. Ao mesmo tempo, a capital mudou-se para Deli. Com a independência, os conflitos entre muçulmanos e hindus agudizaram-se e generalizaram-se em todo o território.
Em 1947 foi criado o Paquistão, um estado muçulmano formado por dois territórios separados: Paquistão Ocidental e Oriental, os actuais Paquistão e Bangladesh. Mas as diferenças culturais e económicas foram muito mais fortes do que a união religiosa: se a Ocidente se come mais carne, se fala sobretudo urdu, a densidade populacional é mais baixa e a geografia apresenta extensas áreas de montanha, a Oriente fala-se o bangla, come-se peixe e arroz e vive-se com os pés na água.
Para mais, o país era governado a partir da sua parte ocidental, quando a maior parte da produção económica vinha do oriente. A gota de água foi a declaração governamental de que a língua nacional seria apenas o urdu. As manifestações reprimidas com violência sucederam-se, e depois do ciclone que em 1970 lançou o território na fome e também no reconhecimento e ajuda internacional, o governo pareceu pouco fazer. A guerra civil foi inevitável e a Índia entrou a apoiar o Bangladesh até à rendição do Paquistão.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens ao Bangladesh, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de atividades em Dhaka e restante território.
Quando viajar para o Bangladesh
A estação das chuvas e dos ciclones vai de Junho a Outubro e é absolutamente a evitar. O melhor é visitar o país durante o Inverno, entre Outubro e Fevereiro, antes dos grandes calores da pré-monção.
Como chegar a Dhaka
À data de escrita, a melhor opção é viajar de avião via Londres, com ligações feitas pela British Airways ou pela Biman Bangladesh Airlines.
Onde ficar
Como o turismo internacional no país é praticamente inexistente, fora de Dhaka terá de investigar o que há, e muitas vezes sujeitar-se a níveis de qualidade muito baixos. Na capital, além de mais escolha, tem alguns dos grandes hotéis internacionais, como o Hotel Dhaka Sheraton, na Minto Road.
Informações úteis
Os cidadãos portugueses podem ficar no país quinze dias, mas não é difícil obter uma extensão deste período. A moeda é a Taka e a cotação é muito variável e sempre muito favorável em relação ao Euro; o nível de vida é muito baixo e os preços acompanham-no.
O aspecto mais complicado é a saúde: além dos cuidados básicos a ter sempre nesta zona do planeta (não beber água da torneira nem gelo, não consumir vegetais crus nem frutas com casca, ter cuidados redobrados com a higiene pessoal por causa do calor húmido, lavar as mãos frequentemente, etc.), o pior de tudo é a malária, endémica na região. O repelente de mosquitos e o mosquiteiro são essenciais. Aconselha-se ainda, como medida “amigável” em relação à população, não usar roupa muito justa nem mostrar as pernas ou os ombros.
Seguro de viagem
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Ultimamente tenho andado pelas ruas de Daca em Bangladesh. E prefiro áreas mais afastadas do centro. Quanto mais ando mais reflexivo fico. A um só passo parece que eu poderia dizer milhões de coisas e não dizer nada. Se de lá eu vou imediatamente para uma Toronto no Canadá, minha reflexão endoida de vez. Graças a Deus por Deus, graças à metafísica dos fins últimos do projeto humano da transitoriedade , suportabilidade e desfecho escatológico que a todos surpreenderão. Os humanos foram feitos para quebrar o deserto do universo, criaturas magníficas que terão as devidas compensações no fim da jornada de cada um…chiquérrimo demais!…voltarei a andar pelas ruas de Daca se Deus quiser…