Talvez nunca tenha ouvido falar da Casa Museu Fernando de Castro, no Porto. Eu desconhecia por completo, apesar de gostar de espaços que desafiam a lógica e revelam uma excentricidade criativa única e distintiva; de lugares que me surpreendem. É por isso que adoro Antoni Gaudí; foi por isso que me impressionei com a casa de Fernando de Castro, revestida interiormente a talha dourada.
Fascinam-me espaços inusitados como a catalã Casa Batlló, de Gaudí; a austríaca Casa Museu KunstHaus Wien; a Casa do Vulcão de César Manrique, em Lanzarote; ou até a mais modesta Casa dos Cacos, em Contagem, no estado brasileiro de Minas Gerais. Todos excêntricos e imprevisíveis. E isso é luz para os meus olhos de viajante curioso.
Bem sei que nunca conseguiria viver numa casa como a de Fernando de Castro. Mas isso não me impede de a admirar, de me entusiasmar com a ousadia arquitetónica e, porque não, de ficar rendido aos excessos do seu criador.
Reconheço, aliás, o trabalho, a criatividade e a originalidade decorativa da casa, numa amálgama de loucura e delírio criativo que, não raras vezes, produz obras incompreensíveis mas icónicas e carismáticas. É, parece-me, um desses casos.
E isso apesar de alguns espaços trazerem à memória as igrejas. Há, aliás, quem ali veja semelhanças com a Igreja de Santa Clara – ou até com a Igreja de São Francisco! -, ambas localizadas no Porto.
Vista de fora, porém, ninguém diria que por detrás daquela discreta fachada na rua Costa Cabral, em plena cidade do Porto, se esconde tamanho tesouro. Prepare-se, pois, para ser surpreendido. Venha daí nesta visita à Casa Museu Fernando de Castro.
Quem foi Fernando de Castro?
Socorro-me das palavras do Museu Nacional de Soares dos Reis, entidade responsável pela gestão da casa museu:
“Fernando de Castro (1889-1946) [foi] negociante, poeta, caricaturista e sobretudo colecionador. De seu pai herdou sociedade numa firma comercial, com escritórios e loja na rua das Flores, no Porto. Sem gosto pelo comércio, atividade a que naturalmente estaria destinado o seu futuro, o tempo que passava no escritório ocupava-o em grande parte a desenhar e a escrever, tendo-nos deixado um número significativo de caricaturas, desenhos humorísticos e alguns livros publicados, em verso e em prosa, e também um manuscrito. Pode dizer-se que grande parte da vida a dedicou a colecionar as peças com que decorou a sua própria casa, com o objetivo de nela criar um museu.”
E assim foi. Após o seu falecimento, e na ausência de qualquer testamento, Maria da Luz de Araújo e Castro fez por cumprir o desejo do irmão, doando ao Estado todo o espólio para que pudesse ser criada a Casa Museu Fernando de Castro.
Visita à Casa Museu Fernando de Castro
Sala Minhota ou Sala Regional
Assim que o visitante atravessa a porta de entrada e deixa a rua Costa Cabral nas suas costas, é imediatamente transportado para um outro mundo. O corredor, tão esguio quanto escuro, desvenda desde logo um pouco do que aí vem: muita talha dourada, peças sem aparente critério museológico, mais talha dourada; e um fascínio difícil de traduzir em palavras.
Mal recomposto do primeiro choque, fui conduzido à Sala Minhota, também conhecida como Sala Regional, usada para receber visitas com menor familiaridade com o dono da casa.
Adelaide Carvalho, cicerone da visita guiada, avisou logo que “não é conhecida a proveniência da maioria das peças”. É provável que, entre ofertas e aquisições, muitas delas tivessem origem no espólio de conventos e igrejas mandadas encerrar na altura. A própria talha dourada era, por isso mesmo, um material de fácil acesso; e o objetivo de Fernando de Castro seria, ao que consta, “salvaguardar da ruína esse património”.
Seja como for, a sua paixão pelas obras é evidente. Nota-se o esforço em criar encenações para as peças, tornando-as o centro das atenções – quais palcos onde os protagonistas (em forma de pinturas ou peças de cerâmica) pudessem brilhar. E a talha – sempre a talha! – tem um papel preponderante nessa mise-en-scène.
É o que acontece, de forma evidente, na sala de jantar, localizada ao fundo do corredor.
Sala de Jantar
A casa onde Fernando de Castro habitou é “uma espécie de horror ao vazio”, para usar as felizes palavras do conservador José da Costa Reis. Uma hipérbole contínua em talha dourada, tão desconexa quanto fascinante, que seguramente não deixará ninguém indiferente. É o excesso dos excessos dos excessos, bem visível na sala de jantar.
Confesso a minha incapacidade para classificar com lucidez esta divisão da casa. É como se fosse uma caverna em talha dourada, um refúgio escuro e solitário – definição incongruente com o facto de ser – lá está! – uma sala de jantar, lugar tradicionalmente dedicado ao convívio.
Tudo é pesado na sala de jantar da Casa Museu Fernando de Castro. As paredes, totalmente revestidas a talha dourada e com dezenas de esculturas figurativas; as portas, inenarráveis; o teto; o lustre no centro da mesa. Um misto de wow! e como é possível? assaltou-me a mente em simultâneo, a todo o momento, sem saber muito bem como processar o excesso de tudo, a ausência do nada, a monocromia soturna da talha dourada.
Logo a seguir, era hora de subir ao primeiro andar. Mas isto mal tinha começado…
Galeria do 1.º andar
Surpreendentemente mais leve, a galeria localizada no topo da escadaria de acesso ao primeiro andar exibe inúmeras pinturas e estatuetas, mas com muito menor densidade decorativa do que em outros espaços da Casa Museu Fernando de Castro.
Tem ainda um teto que me chamou a atenção pela beleza, pelo uso de cores mais vivas, conferindo ao espaço alguma alegria cromática. Uma espécie de transição não propositada para uma sala, digamos, diferente!
Sala Amarela
A chamada Sala Amarela (ou Sala de Baile) parece totalmente descontextualizada no espaço. É como se não pertencesse ali – ou, pelo menos, foi essa a impressão com que fiquei mal entrei numa sala luminosa e arejada, com grandes espelhos e um ambiente em tons de amarelo.
A sala exibe imensa talha dourada, é certo, mas o estilo é tão distinto (como que de um palacete senhorial se tratasse) e nem as paredes estavam integralmente preenchidas com objetos que, por momentos, me pareceu ter regressado a um mundo de alguma normalidade.
Bastou subir ao último piso, suprassumo dos excessos decorativos do colecionador, para perceber que essa sensação era puro engano. Por esta altura, já não sabia mesmo o que pensar sobre a Casa Museu Fernando de Castro. Acredite: não é fácil!
Galeria do 2.º Andar
Ali chegado, e quando pensava não poder mais ser surpreendido, eis que entrei num espaço a fazer lembrar uma igreja, onde nem um púlpito faltava. Confesso que foi o local da Casa Museu Fernando de Castro onde mais tempo me detive, tão fascinado quanto perplexo, num misto de amor-ódio transversal difícil de explicar.
Tudo é, em simultâneo, horroroso e fascinante, incompreensível e curioso. Estava imerso num universo de contradições insanáveis, numa espécie de caos harmonioso – se é que tal coisa existe!
Olhando com mais atenção, a talha – sempre a talha! – “serve de fundo ou de suporte à exposição dos objetos”, criando um ambiente quase sem espaços vazios. Lá está: as encenações de Fernando de Castro continuavam, com o “horror ao vazio” a tomar definitivamente conta da casa. No fundo, havia uma certa incongruência lógica em tudo aquilo.
Faltava-me ainda conhecer o quarto de Fernando de Castro, e – nesse momento – estava certo de que nada mais me poderia surpreender. De novo, um erro crasso.
Quarto de dormir
Wow!, exclamei uma vez mais interiormente, para logo a seguir me interrogar como é que alguém conseguiria ali dormir sem sobressaltos. O mobiliário é muito denso e escuro, há esculturas e pinturas, e até as molduras dos quadros pouco fazem para tornar o espaço leve. Ocorreu-me a palavra pesadelos em vez de sonhos.
Como é possível?
Saí do quarto tão absorto quanto fascinado, sem resistir a um último levantar de pescoço para apreciar o vitral sobre a escadaria. Estaria eu numa igreja? No universo íntimo de um louco? Na casa de uma mente genial e incrivelmente criativa?
A resposta pouco importa. Tinha acabado de descobrir um dos segredos mais bem guardados da cidade do Porto, um dos lugares mais inquietantes que visitei nos últimos tempos; e estava literalmente sem palavras.
E adoro quando isso acontece.
Guia prático
Quando visitar o Porto
Em teoria, pode visitar o Porto durante todo o ano, mas talvez a primavera (abril a junho) e o final do verão (setembro e até mesmo outubro) sejam as épocas mais bonitas. De resto, caso opte por fazer uma escapadinha à Cidade Invicta durante o inverno, tenha em mente que chove bastante no Porto. Nada que o impeça, naturalmente, de visitar museus.
Como visitar a Casa Museu Fernando de Castro (localização, horários e preços)
A Casa Museu Fernando de Castro fica na rua Costa Cabral 716, no Porto (ver localização no Google Maps). Em termos de transportes públicos, está servida por vários autocarros e pela Linha Amarela do Metro do Porto (estação dos Combatentes).
Em teoria, é possível visitar a Casa Museu Fernando de Castro em qualquer dia da semana, sensivelmente entre as 10:00 e as 17:00. O ingresso custa 2€ por pessoa, com as visitas a serem efetuadas em grupos de pequena dimensão.
Saiba, no entanto, que não adianta passar pela casa sem aviso, uma vez que é obrigatória marcação junto do Museu Nacional Soares dos Reis, que gere o espaço. Para agendar a visita guiada à Casa Museu Fernando de Castro, use o telefone (223393770) ou o email (se@mnsr.dgpc.pt); se possível, com pelo menos uma semana de antecedência.
Onde ficar
Em jeito de resumo, e centrando-me na região de Cedofeita, destaco o Gallery Hostel no segmento dos hostels. Alternativa muito boa é também a pousada Enjoy Porto Guest House; e, para quem prefere um apartamento, não poderia deixar de referir o BO – Sá de Noronha, fruto da sua qualidade e localização perfeita (para mim, as ruas perto da Praça Carlos Alberto constituem o melhor local onde ficar no Porto).
Se procura um estilo boutique hotel mais luxuoso, recomendo o Maison Albar – Le Monumental Palace, o novo hotel de 5 estrelas da Avenida dos Aliados. Trata-se de uma opção de luxo moderno, com todo o requinte e conforto. Para outras opções de alojamento no Porto, para todos os gostos e orçamentos, utilize o link abaixo.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.