O chamamento dos muezins (Do Cairo a Teerão #0)

Por Filipe Morato Gomes
Mesquita em Esfahan, Irão
Uma mesquita em Esfahan, Irão

Propalado viveiro de malfeitores, o Médio Oriente é, ao invés, terra de gente boa, culta e generosa que faz da hospitalidade uma arte. Entre o Cairo e Teerão, com passagens pelos desertos, souks, mesquitas, cafés, montanhas e ruínas históricas do norte do Egito, Jordânia, Síria, Líbano, leste da Turquia e Irão, esta é uma viagem para tornar mais finos e transparentes os véus que enevoam os olhares ocidentais sobre a realidade no Médio Oriente.

Domingo à tarde. Aeroporto Francisco Sá Carneiro, Porto. Chegara o primeiro dia de uma viagem por territórios onde o Islão predomina e os fanatismos abundam. Uma das mais antigas e enigmáticas regiões do globo terrestre, terra de insanáveis divergências e conflitos recorrentes, de paixões e ódios extremados, mas também de um passado histórico incomparável, das cores e cheiros dos souks caóticos, das mesquitas e minaretes a definir o horizonte, dos chamamentos melódicos dos muezins. Três meses. O tempo exacto que levarei a percorrer por terra a distância entre o Cairo e Teerão.

É “perigoso”? Claro que não. Bem sei que os egípcios ainda não esqueceram os bombardeamentos de Dahab, centro turístico da península de Sinai, no litoral do Mar Vermelho. Que em Teerão ecoam sonoros os gritos de revolta pela morte da jovem Neda e pelo que ela representa. Que as fachadas de Beirute e o coração dos libaneses se mantêm despedaçados depois dos bombardeamentos de Israel. Que nem tudo o que o Hezbollah – o “partido de Deus” – faz são benfeitorias. Que o governo da Turquia não pode sequer ouvir a palavra “Curdistão”. Que palestinianos e israelitas não se entendem. E que os direitos das mulheres são, comparativamente, reduzidos. Mas sei também que o Médio Oriente é, muito provavelmente, a região do globo cuja perceção ocidental mais está desfasada da realidade. De lá chegam-nos, diariamente, notícias pela negativa e quase nunca sorrisos e esperança: uma bomba que explode num mercado, um apedrejamento público, liberdades cerceadas, raptos de estrangeiros, um raide aéreo, outro atentado suicida, sangue, sirenes, mortes. E o Iraque.

É o que as notícias não nos contam que vou explorar. Preciso de ver, sentir, cheirar, sentar-me em cafés, conhecer gente entre um copo de chá e uma baforada de shisha, fazer amizades, entrar nas casas daqueles que, tomando a parte pelo todo, nos habituamos a ver chamados de terroristas. Não sou ingénuo, sei que o extremismo islâmico apadrinha pontualmente atitudes abjectas e incompreensíveis aos nossos olhos. Mas anos de viagens deram-me a garantia de que as pessoas são genericamente boas, em qualquer parte do mundo. E é esse lado humano das cidades e aldeias que vou aflorar, contactando com o vendedor de rua e o taxista, com o nómada Qashqaei e o beduíno Gebelya, com egípcios, jordanos, sírios, libaneses, turcos, iranianos e viajantes sem medos.

Pretendo vivenciar o Cairo islâmico das vielas e dos mercados, percorrer a pé os trilhos montanhosos da bíblica península do Sinai, conviver com os beduínos de Wadi Rum e dormir nas suas “grutas”, embrenhar-me na reserva ecológica de Dana – exemplo de turismo sustentável -, fotografar os admiráveis mosaicos de Madaba, porventura flutuar nas águas densas do Mar Morto, visitar maravilhas da criação humana como Petra, Palmyra, Bosra ou Persépolis, deixar-me enfeitiçar pelo cosmopolitismo de Beirute ou a pacatez da milenar Byblos, cruzar-me com o Hezbollah em Balbeek, deleitar-me com a afamada gastronomia libanesa, entrar no coração da histórica Damasco, falar Aramaico em Maalula, viver com aldeões no Curdistão turco, navegar nas águas do Lago Van, dar sentido a nomes como Gazientep, Mardin ou Sanliurfa, conhecer as montanhas de Tabriz e as casas trogloditas de Kandovan, aproximar-me do Mar Cáspio na aldeia montanhosa de Masuleh, perder-me na fantástica Shiraz, no calor de Yazd e na pérola arquitetónica da cidade de Esfahan, e regressar de alma cheia e máquina fotográfica exausta. Sempre de espírito aberto e sentidos despertos, com margem de manobra para mudar a todo o instante de trajeto, ao sabor da intuição e, principalmente, da infinita hospitalidade árabe.

Era domingo à tarde e o avião da Lufthansa preparava-se para descolar do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto. Na madrugada seguinte ouvi os primeiros chamamentos dos muezins.

O projecto Cairo - Teerão foi uma viagem terrestre pelo Médio Oriente, com a duração de três meses. Teve início no Cairo, capital do Egito, e término em Teerão, capital da República Islâmica do Irão. As crónicas foram originalmente publicadas no suplemento Fugas do jornal Público.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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