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Do Castanho do Deserto ao Branco do Sal (VM #51)

Por Filipe Morato Gomes | Volta ao Mundo América do Sul Chile San Pedro de Atacama
Atualizado em 22.07.2017 | Tempo de leitura: 6 minutos

Viagens: Deserto de Atacama, Chile - Volta ao Mundo

Entro nas paisagens tristes do Deserto de Atacama, no norte do Chile, onde tudo é seco e castanho. Visito lagoas deslumbrantes nos planaltos dos Andes, cavalgo pelas areias do deserto, aqueço-me em campos geotérmicos e fico maravilhado com o voo de graciosos flamingos. Até que o branco toma conta da paisagem, num prenúncio do que encontrarei nas planícies de sal bolivianas.

Igreja na praça central de San Pedro de Atacama, norte do Chile
Igreja na praça central de San Pedro de Atacama, norte do Chile

Deserto. Para um dicionário de língua portuguesa é uma “região extremamente seca, com vegetação xerófila, rudimentar e reduzida”. Para mim, vindo da zona central do Chile, Atacama é muito mais do que isso. É uma descomunal mudança de paisagem, uma nova sensação, uma lufada de ar gélido. Acabei de entrar num dos mais secos pedaços de planeta a que chamam deserto e o assombro não poderia ser maior.

Da janela do autocarro que me transportava para norte, as paisagens avistadas eram de uma beleza desoladora. Tudo era castanho, quase imutável, triste mas comovente, a sugerir a superfície lunar que não conheço. A terra encontrava-se totalmente quebrada em pedaços devido à escassez de água pluvial. Dizem, aliás, que nunca chove no Deserto de Atacama. Não custa a acreditar. Uma das excepções, San Pedro de Atacama, é uma pequena povoação que funciona como porta de entrada para as atracções naturais da região. Um oásis no meio da desolação. Literalmente.

San Pedro fica situada numa zona pintalgada de verde, envolvida pelo tal castanho por todos os flancos. As casas são de adobe, o que confere um charme especial às ruas da localidade. O ritmo de vida é lento, preguiçoso, ideal para uns dias de pausa no trajecto sul-americano de viajantes de todo o mundo. É um daqueles pequenos locais onde, apesar das diferenças, um viajante se sente confortável, como que de férias durante a própria viagem. Há alguns lugares assim espalhados pelo mundo. Yangshuo, na província chinesa de Guangxí, e Pai, no norte da Tailândia, são exemplos similares por onde passei meses atrás.

Reserva Nacional dos Flamingos, Chile
Flamingos em pleno voo na Reserva Nacional dos Flamingos, Chile

Apesar da pacatez, existe um paradoxo extraordinário em San Pedro de Atacama. Por um lado, o sustento da povoação advém maioritariamente do turismo. Pousadas, restaurantes, lugares de acesso à internet e agências de viagem pululam nas suas ruelas, disputando a atenção dos viajantes. Por outro lado, dizem-me que os atacameños – os naturais da região -, orgulhosos da sua origem, não convivem harmoniosamente com os forasteiros que para lá se mudam. “Vivo cá há sete anos e ainda hoje sou vista como uma estranha; em algumas lojas, ainda olham de lado para pessoas como eu”, contou uma trabalhadora chilena do Hostal La Ruca. Xavier, condutor e guia turístico, confirmou a discriminação. “Sou engenheiro, de Santiago, e quando perdi o emprego vim para cá. Sou um estrangeiro em Atacama”, asseverou.

É provável que essa contradição tenha origens históricas. Numa prelecção durante uma visita à região, Xavier explicava: “Os atacameños tentaram resistir ao avanço dos Incas quando estes, no seu processo de expansão territorial, chegaram a Atacama. Colaboraram inclusive com os espanhóis, julgando ser o segundo invasor mais propício à preservação da sua cultura”. Ter-se-ão enganado sobre as intenções espanholas. “As marcas do processo de aculturação de que os autóctones foram alvo faz com que, ainda hoje, apresentem fortes resistências perante os forasteiros”, concluiu. Algo que não se manifesta, no entanto, na cordial relação que mantêm com os turistas.

Durante um par de dias, prossegui a visita às regiões envolventes. O que me foi dado a observar era espantoso. Dias mergulhado nos caprichos com que a Natureza brindou Atacama. Os Geysers de Taito, por exemplo, campo geotérmico situado a 4.200 metros de altitude, impressionavam pelo exotismo visual. Fumarolas lutavam para aquecer o ar glacial e rarefeito de uma madrugada nas alturas. Ao lusco-fusco, os céus iluminavam os contornos montanhosos com uma coloração branca fluorescente que não vi em nenhum outro lugar.

Lagoa Miñiques, altiplanos andinos, Chile
Lagoa Miñiques, altiplanos andinos

Uma cavalgada pelas paisagens desérticas revelou-se uma excelente forma de me embrenhar na desolação castanha do deserto. Uma viagem até às lagoas Miñiques e Miscanti, localizadas nos planaltos andinos, foram um deleite para os sentidos, apesar das dificuldades respiratórias que a altitude provocava. Numa outra lagoa, situada na denominada Reserva Nacional dos Flamingos, pude apreciar a elegância sincronizada do voo dessas criaturas rosadas. E a igreja de adobe da minúscula povoação de Machuca, branca, simples, bonita, no sopé de uma colina, foi uma visão magnífica. A Quebrada de Jerez, por seu turno, uma radical alteração na paisagem, onde encostas pedregosas escondiam uma depressão fértil, com água a correr com relativa abundância num mediano riacho. Por fim, uma incursão até ao Salar de Atacama – a terceira maior superfície de sal do planeta – revelou nova e fascinante monocromia. Deixei o castanho tristonho do deserto para penetrar no branco luminoso do sal. O mesmo branco que me espera no sudoeste da Bolívia.

Esta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.

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Comentários sobre “Do castanho do deserto ao branco do sal”

Estás em Buenos Aires? hummmm, vou ficar à espera duma crónica de aprendizagem de tango! =)

Comentário enviado por MagdA em 05.JUL.2005 – 13:31

Sabes o que vai bem com esse sal todo??? um bacalhausinho à Braga e um vinho verde branco gelado ;p

Katespero

Comentário enviado por Grunho em 06.JUL.2005 – 18:53

Como vou estar por aí daqui a um mês, fiquei todo satisfeito ao ver as minhas expectativas confirmadas!
Talvez até vá usar a sugestão de alojamento em San Pedro de Atacama. Agora fico a aguardar o mais que provável relato sobre o Salar de Uyuni (e também a continuação da viagem até Buenos Aires, pois é esse o meu percurso – Atacama, Uyuni, norte da Argentina e, no final, Buenos Aires). Parece que o Filipe vai à frente a “bater o terreno”, fazendo de guia!

Comentário enviado por Paulo Gonçalves em 07.JUL.2005 – 14:38

Leio o Público online à semana e muito raro o Público impresso. Como tal, passou-me ao lado a tua fantástica viagem.
Vou ver se me ponho a par das tuas belas escritas.
Patagónia e Atacama são sublimes!
Escrevo também nos blogues “Notas perdidas de um montanheiro”, “Rotação Difusa” e mais um ou outro, como o que me fez vir aqui, ao teu travelogue.

O meu clube de montanhismo também vai estar na América do Sul, em Agosto, com o João Garcia.

Continuação do melhor sucesso para a tua portentosa viagem…

Comentário enviado por Fernando Vilarinho em 08.JUL.2005 – 13:22

É muito difícil para um comum mortal fazer comentários acerca de uma viagem desta dimensão e natureza. A situação piora quando esse comum mortal pensa: porque não? As respostas são tantas ou tão poucas que o comum mortal acaba por fazer uma viagem por ano e regressa a casa sempre a pensar onde ir a seguir. Não é que seja mau mas…
Bem, gostaria só de deixar aqui escrito o quanto admiro este homem (sem o conhecer) e o quanto as suas palavras me enchem e motivam. Estas palavras que aqui se encontram são a história do mundo, do mundo visto por alguém que, ao contrário do comum mortal, deixou o que é certo pela aventura!
Ao ler a crónica e as fotos de Atacama emocionei-me por lembrar dias tão felizes e especiais ali passados. É, de facto, algo inesquecivel.
Prefiro pensar que estas coisa são só para alguns… para uns escolhidos.
Eu cá por mim contento-me com a minha sorte e este ano faço uma viagem de 15 dias ao Egito, para voltar depois a correr a uma realidade que eu própria escolhi!
Filipe, muitos parabéns pela coragem e pela escolha, e boa sorte para tudo o que aí vem.
Beijos. Paula Pinto.

Comentário enviado por Paula Pinto em 09.AGO.2005 – 16:16

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Sobre o autor

Filipe Morato Gomes, blogger de viagens

Olá! O meu nome é Filipe Morato Gomes, vivo em Matosinhos, Portugal, sou blogger de viagens, co-autor do projeto Hotelandia e Presidente da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses.

Tenho 51 anos e muita experiência de viagem acumulada. Já dei duas voltas ao mundo, fiz dezenas de viagens independentes e fui líder de viagens de aventura.

Mais recentemente, abracei um novo desafio chamado Rostos da Aldeia, onde se contam histórias positivas sobre as aldeias de Portugal e quem nelas habita.

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