Gadgets em viagem, uma história ficcionada (mas não muito)

Por Filipe Morato Gomes
Gadgets em viagem - World Press Photo
Foto vencedora do World Press Photo 2014 na categoria de “Assuntos contemporâneos” ©John Stanmeyery

Um viajante aterra no aeroporto, liga imediatamente o seu smartphone e procura wi-fi gratuito. Talvez já tenha instalada alguma aplicação no iPad que lhe indica o que fazer para chegar ao centro da cidade, caso contrário consulta o Google Maps *, introduz a morada do seu hostel e num ápice descobre como chegar e quanto custa. O balcão de informações do aeroporto está vazio.

Antes de sair do aeroporto, segue em direção ao ATM mais próximo para levantar dinheiro mas, como viajante bem prevenido, já verificou o câmbio atual da moeda na app do Oanda ou Xe para saber quanto dinheiro levantar e não ter surpresas na hora de pagar as contas dos restaurantes, bares, mercearias e atrações turísticas nos dias seguintes.

Enquanto aguarda pelo transporte, talvez se esqueça de olhar o céu, mas abre a aplicação do Accuweather e verifica as condições meteorológicas previstas para o resto do dia – e para os dias seguintes.

Depois de sair do transporte, chega ao hostel com a ajuda da bússola do iPhone ou da app Google Maps; mostra o smartphone com a reserva e faz o check-in praticamente sem ter que falar com o rapaz da receção. Antes de voltar a sair, aproveita para relaxar um pouco; abre o iPad na sala comum, cheia de outros viajantes olhando para os ecrãs dos seus gadgets, e consulta a versão pdf do Lonely Planet e uns quantos sites sobre a cidade à procura do que fazer nos próximos dias.

Com a hora de almoço a chegar, o viajante consulta o Tripadvisor para pesquisar os restaurantes bons e baratos existentes nas proximidades. Escolhe um e faz-se à rua, porventura consultando o mapa da cidade no Google Maps – que, entretanto, já “carregou” no iPhone – para não se enganar no caminho. Enquanto caminha, os auriculares estão nos ouvidos debitando as suas músicas prediletas. Havendo dúvidas no trajeto, não pergunta e prefere voltar a olhar para o Google Maps.

Enquanto almoça, e como o restaurante tem wi-fi gratuito para os clientes, tira uma foto da comida ou do espaço, muito agradável por sinal, e envia de imediato para o Instagram que, por sua vez, coloca automaticamente a fotografia no mural do Facebook. Começam a chegar comentários simpáticos, aos quais o viajante vai respondendo entre garfadas, garantindo que está tudo ótimo, que a cidade é maravilhosa e a comida deliciosa. Não reparou no casal simpático da mesa ao lado porventura simpatiquíssimos e profundos conhecedores da cidade, mas os comentários a sugerir uma “inveja saudável” por parte de quem ficou recebem likes.

À tarde, o processo repete-se: guia em pdf ou alguma aplicação de planeamento de viagem para decidir o que fazer; Google Maps para ajudar a tirar as dúvidas no caminho; Tripadvisor para os restaurantes e cafés (se tiverem wi-fi tanto melhor).

Enquanto visita a cidade, o viajante fotografa os monumentos e os pequenos detalhes típicos e, sempre que vê uma pessoa mais “exótica”, não consegue resistir, aponta a máquina fotográfica digital e regista o momento; não sabe o nome da pessoa, a sua história ou por que razão ela está ali, mas a imagem, essa, já ninguém a tira. Há de ir parar ao Facebook…

Depara-se com um improvisado concerto de rua e nem precisa de olhar para os artistas; os seus braços levantam-se e os olhos viram-se para o ecrã do gadget, lá em cima, para filmar tudo e partilhar.

O dia chega ao fim e o viajante não conheceu um único habitante local; não falou com ninguém para além do jovem simpático que o atendeu na receção do hostel e dos empregados dos restaurantes a quem pediu as refeições; nem sequer interagiu com outros viajantes absorvendo as suas experiências. Talvez esteja farto da conversa do backpacker, mas não foi por isso que não socializou – estava absorto na tecnologia porque, de facto, ela ajuda a resolver a maioria das dificuldades da viagem.

Antes de dormir, a sala comum chama pelo viajante. Ainda não é tarde e tem tempo para ler as notícias do seu país no seu gadget preferido e publicar um post no seu blog a contar o primeiro dia de viagem. E responder aos comentários dos amigos que ficaram em casa. O bar do hostel até tem um punhado gente alegre com quem poderia conversar, mas o post demora mais tempo do que previsto a escrever e, como sabem, escolher as fotografias não é nada fácil.

Quando por fim termina, já é tarde e o viajante está cansado. Amanhã será outro dia…

Nota: Esta história é ficcionada de forma um pouco caricatural, mas temo bem que pudesse ser real. Sou a favor do uso da tecnologia em viagem, porque facilita imenso a tarefa do viajante (e até tenho um smartphone que utilizo nas minhas viagens), mas há de haver um meio-termo. Porque nada substitui as relações humanas!

* substituir cada app referida pela sua preferida :)

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

6 comentários em “Gadgets em viagem, uma história ficcionada (mas não muito)”

  1. Tristemente revi-me completamente nesse dia-a-dia, mas felizmente decidi que posso recusar-me a fazê-lo nas próximas viagens. Vou mesmo tentar. Bjs

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  2. É um excelente relato do que se passa hoje em dia, não só em viagens, mas mesmo no nosso quotidiano. Eu, que aos 27 anos ainda tenho um telemóvel velhinho, daqueles tipo “carapaça” que só dão para chamadas e sms, já me sinto super excluída quando tenho de estar em sítios com outras pessoas e estas estão todas de cabeça baixa a mexer nos seus telemóveis e eu a olhar para o que me rodeia :) mas recentemente ofereceram-me um tablet, que levei para a minha última viagem (2 semanas nos EUA) e deu-me bastante jeito! Como todos os sítios tinham wi-fi, não gastei nada de roaming para ir dando notícias aos meus pais. Fui sempre vendo a previsão do tempo e os horários das coisas no dia-a-dia, nas viagens de autocarro entre cidades podia ir seguindo pelo Google Maps o trajecto que estávamos a fazer e ir vendo os nomes das terras por onde passávamos. Deu para ir partilhando algumas fotos com a família e os amigos… no entanto, só o usava quando estava em casa, de manhã ou à noite, durante o dia andava livre para apenas aproveitar aquilo que ia vendo e conhecendo :)

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  3. Olá! Este texto tem muita relação com o nosso quotidiano também. E com viagens, evidentemente. Aqui em São Paulo ando fugindo das grandes e badaladas exposições de arte… não vejo mal nas pessoas fotografarem o momento, registar aquela fagulha de alegria, mas está um pouco demais… mal se consegue ver as obra, pela lotação e pelas fotos sendo feitas a todo momento. Recentemente fui para uma das regiões menos habitadas do Brasil. Tenho um celular e um tablet, mas os deixei desligados. Vi minhas fotos na volta. Ninguém sabia que eu estava lá enquanto estava lá. Ao passo que vi algumas pessoas meio que desesperadas por ficarem sem sinal de celular e com wi-fi fraco. Adoro fotografar, fotografo muito, mas estou chegando a conclusão (válida para mim) que existem momentos na vida que não se deve ter o registo em foto ou vídeo. Ele deve ficar em você…

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  4. Não acho que esteja ficcionada. De cada vez que parto é isto que vejo, muito embora não faça, felizmente, parte desta tribo. Para mim as viagens são as pessoas.
    Saudades de quando viajar era difícil e num bloquinho se tomavam notas de outros sítios e se anotavam moradas de outras pessoas, para onde se escrevia um postal no regresso a casa.
    Saudades…

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  5. Espetacular. Já posso enviar aos meus amigos quando perguntarem porque não tenho fotos das viagens.
    Acompanho o blog há algum tempo e sempre recomendo, parabéns man.

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  6. Olá, encontrei teu blog ao procurar informações sobre viajar em Portugal, para onde pretendo ir em Julho por 2 semanas. Me deparei com algo mais que isso. Amei. Eu trabalho numa organização humanitária, agora na África e escrevo um blog bem mais modesto sobre minhas experiencias de viagem internas e externas, sou praticamente minha única leitora, mas às vezes tenho simplesmente vontade de escrever e é por isso que ele existe. Enfim, espero logo logo escrever sobre minha viagem em Portugal. E continuar acompanhando as viagens que descobri neste blog.

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