Depois de uma fulgurante ascensão e de uma queda abrupta, que marcaram fortemente o seu longo passado, Galway surge com um novo alento, protagonizado por alguns dos movimentos artísticos e intelectuais mais vanguardistas da Irlanda. A prova está na música, que brota em cada esquina interpretada por jovens talentos, ou nas originais peças de teatro, a que assistem centenas de universitários orgulhosos das suas raízes gaélicas. Tudo isto numa cidade arco-íris, considerada o coração cultural da Irlanda.
Mesmo a passo lento, não é difícil percorrermos todas as suas estreitas ruas num só dia. O que é difícil, talvez mesmo impossível, é conseguir, em apenas vinte e quatro horas, beber todo o sumo que se encerra nesta aconchegada e animada polpa urbana.
Galway está carregada de pequenos tesouros que se escondem atrás de portas coloridas, debaixo do solo, em caves insuspeitas, ou ao cimo das escadas, num sótão aparentemente normal. Os restaurantes, por exemplo, crescem no interior das casas mais exíguas, distribuindo-se por diversos compartimentos, que não disfarçam um passado de habitação particular.
Isso não impede que seja precisamente aí, mais do que em qualquer recente e espaçosa sala da cidade, que se sirvam os pratos mais deliciosos e melhor confecionados de uma cozinha internacional: chineses, indianos, mexicanos, italianos, vegetarianos, há-os para todos os gostos… de paladar e de decoração. A maior parte são geridos por jovens dinâmicos e imaginativos que vieram inicialmente para estudar na universidade local, mas que depois acabaram por lançar aqui as raízes como empresários, refugiando-se do marasmo das suas localidades natais.
A rivalizar com a popularidade destes estabelecimentos, devido às refeições ligeiras que também servem, aparecem os bares de música trendy, com fachadas garridas, onde param muitos dos jovens artistas que impulsionam o renascimento de Galway.
Os mais velhos ficam-se pelos bancos e cadeiras dos típicos pubs irlandeses, onde o barman os trata pelo nome e lhes serve a habitual quantidade de Guinness ou Murphy’s – duas das cervejas pretas (stouts) mais pedidas na Irlanda.
Mas os dias de Galway nem sempre foram assim tão animados. Depois de um começo feliz que remonta há mais de quinhentos anos, a cidade foi assaltada por uma vaga de desgraças, condenando-a a um progressivo declínio que se arrastou até recentemente.
No princípio, tudo se resumia a um pequeno grupo de pescadores que viviam em casas com telhados de colmo, situadas em Claddagh, junto à foz do rio Corrib. A chegada dos anglo-normandos, em 1234, veio modificar a pacatez do povoado, transformando-o aos poucos num próspero porto comercial. À frente dos destinos da cidade e com poderes reforçados por um foral do monarca britânico da altura – Richard II -, estiveram, durante vários séculos, as catorze famílias de comerciantes originárias da Inglaterra, incluindo os membros da poderosa prole dos Lynch, que conduziram Galway (Gaillimh, em gaélico) a um tráfego de mercadorias que chegou a rivalizar com Bristol e Londres.
A maior parte dos navios que desembarcavam no cais a sua carga de vinho, sal e especiarias, vinha de Espanha – que sempre teve uma relação estreita com este porto da costa Oeste irlandesa – mas, nos registos históricos da cidade também se fala de embarcações portuguesas que aqui chegavam com o mesmo tipo de produtos.
Como seria de esperar, mais cedo ou mais tarde, o sucesso comercial de Galway acabaria por chamar atenções indesejadas, dando início à fase mais negra da história da cidade. Já depois de um incêndio que destruiu a maior parte das casas, chegava a estas águas o militar britânico e acérrimo defensor do protestantismo Oliver Cromwell – um dos maiores carrascos do povo irlandês -, que em abril de 1652 conquistava a cidade, após um apertado cerco de nove meses.
Esta foi a primeira má opção dos habitantes de Galway que, mantendo-se fieis à coroa britânica, sofreram na pele a violência de Cromwell. Cerca de quarenta anos mais tarde, a viver já uma acentuada crise, a população errava de novo no julgamento da situação; ao tomar o partido contrário ao do rei William, este invadiu e destruiu o que restava da cidade.
Hoje, quando passeamos pelas ruas estreitas, entre fachadas vermelho-vivo ou azul turquesa, é quase por milagre que ainda podemos ver alguns dos monumentos que sobreviveram à fúria dos invasores.
A casa dos Lynch, originalmente construída no século XIV, reduz-se agora a uma torre de pedra onde funciona um banco. As paredes exteriores exibem ainda alguns interessantes detalhes – como o brasão de Henrique VII – e outros mais raros – como as diabólicas gárgulas – que fazem desta construção medieval o mais belo exemplar de todas as casas senhoriais irlandesas.
Aqui viveram sucessivas gerações da lendária família Lynch, cujos membros foram nomeados governadores de Galway, nada mais, nada menos do que oitenta vezes, entre 1480 e 1650. James Lynch, um dos que ocupou o cargo, ficou célebre por condenar e executar o seu próprio filho, acusado de ter morto um jovem espanhol. Com um sentido de justiça inabalável e uma vez que não havia carrasco que o enforcasse, o próprio pai abriu o alçapão sob os pés do filho. O palco desta assombrosa execução foi o átrio da igreja de St. Nicholas, em cujo interior, numa das alas laterais, repousam os restos mortais do impiedoso James.
Tal como a própria casa do antigo governador, esta igreja foi uma das escassas construções medievais que escaparam aos instintos destrutivos de Cromwell, ainda que tenha sofrido a humilhação de servir como estábulo, durante a ocupação. A mesma sorte não tiveram catorze outras igrejas da cidade, que foram totalmente arrasadas, nessa mesma época.
Um dos tesouros que Galway ainda se pode orgulhar de manter não é, no entanto, um monumento. Todos os anos, principalmente nos meses de maio e junho, milhares de salmões chegam do Atlântico para subir o rio que atravessa a cidade. Inúmeros visitantes, de várias partes da Irlanda e estrangeiros, acorrem nessa altura às três pontes, onde se debruçam para ver os infindáveis cardumes que, sob umas águas límpidas, lutam para subir os derradeiros quilómetros de uma longa viagem, em direção ao seu local de desova: o lago Corrib.
É o maior lago da república irlandesa (o lago Neagh, na Irlanda do Norte é ainda maior) e as suas águas dão origem ao rio com o mesmo nome, que vem desaguar na baía de Galway, mesmo em frente às partes mais primitivas da cidade: Claddagh, na margem direita e o cais medieval, na margem esquerda.
Tal como a maioria dos habitantes locais, é ao longo das margens do rio Corrib, no seu curso urbano, que os visitantes da cidade mais gostam de passear, com a vantagem de que para estes estão reservadas algumas das histórias mais surpreendentes de Galway.
Quem, por exemplo, imaginaria que a enorme catedral na margem direita foi, até 1992, a base do bispo católico Eamonn Casey, conhecido pela sua posição radical contra os métodos anticoncecionais e que, por ironia do destino, se viu perante o escândalo de ver aparecer uma ex-namorada e um filho de 18 anos? O sentido de humor irlandês não se fez esperar e houve de imediato quem começasse a dizer: “é melhor usar preservativo… just in Casey“.
Mais adiante, uma placa chama a atenção para um outro facto: a visita de Cristovão Colombo, uns tempos antes de ter descoberto a América. Ao que parece, Colombo veio até Galway para investigar os rumores que atribuíam a St. Brendan – um santo irlandês – o mérito de ter alcançado sozinho aquele continente, a bordo de um barco a remos.
Outras visitas, mais recentes, marcaram também a história da cidade, como foi o caso de James Joyce – talvez o mais irlandês dos escritores irlandeses – que, por duas vezes veio para visitar o número 8 da rua Bowling Green, a residência de Nora Barnacle – sua futura mulher -, e dois presidentes americanos: John F. Kennedy, em 1963 e Ronald Reagan, em 1984, este último por altura das comemorações dos quinhentos anos de Galway.
A rua que sobe desde o rio até ao parque da cidade está repleta das mais variadas lojas que espelham na perfeição o ambiente lúdico, artístico, intelectual e até sobrenatural que se vive atualmente em Galway. Os pubs são os edifícios que têm algumas das cores mais exuberantes, mas é impossível não reparar no roxo-brilhante de uma loja de astrologia ou no laranja-fluorescente de uma pensão; depois aparecem as lojas de roupa usada, os ateliers e lojas de design, os cafés e as livrarias, em cujas prateleiras se alinham centenas de obras em gaélico.
No que toca à preservação da língua original, e não só, o Druid Theatre também cumpre a sua importante função. Situado numa pacata viela, perpendicular à rua principal, mas pintado num pouco discreto azul-estridente, este teatro praticamente só apresenta peças em irlandês, o que não representa qualquer dificuldade para os habitantes, já que estamos num dos Ghaeltacht (zonas onde se fala gaélico) mais tradicionalistas de toda a costa Oeste.
Como se esta abundância de cor, divertimento e cultura não bastasse, habitantes da cidade ainda têm a sorte de se encontrarem entre duas das regiões mais belas de toda a Irlanda: a Connemara, a Oeste, com deslumbrantes cenários de baías resguardadas, lagos e montanhas e, a Sul, a região calcária do Burren onde, no meio de uma insólita paisagem lunar, florescem algumas das mais raras plantas da Europa.
Num e noutro caso, são apenas necessários pouco mais do que trinta minutos de estrada, para que possamos pisar as areias finas e brancas de uma praia isolada ou contemplar um fugaz texugo, que se refugia entre a vegetação. Há, no entanto, quem prefira viajar pela água, a bordo de um tradicional Galway Hooker – embarcações à vela, que eram utilizadas para o transporte de turfa – e, nesse caso, não será muito difícil ser acompanhado na viagem por alguns golfinhos, ou avistar uma das focas que, com frequência, cruzam a enorme Baía de Galway.
Ao que parece, tudo se conjuga para que a cidade se reencontre com a felicidade de que foi várias vezes privada, ao longo da sua história. Com os britânicos, a começar por Cromwell, os irlandeses viveram uma ocupação que insistentemente lhes tentava arrancar as raízes culturais e de que ainda hoje sobram maus exemplos, como é o caso da província do Ulster.
Mas se há uma coisa em que este povo se destaca, é no sentido de humor e na capacidade de ultrapassar momentos difíceis. Mesmo nos dias mais cinzentos e chuvosos do inverno, as fachadas coloridas que se alinham em cada rua são o testemunho de uma cidade feliz, onde a animação nunca para.
Guia de viagens a Galway
Este é um guia prático para viagens a Galway, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de atividades na região.
Quando ir
As melhores alturas são a primavera e o fim do verão, particularmente durante os meses de junho e setembro. Nesta altura do ano a temperatura média é mais agradável – cerca de 16°C -, há menos turistas e está tudo aberto. A chuva, aqui sempre imprevisível, pode aparecer em qualquer altura do ano – é melhor estar preparado. As últimas duas semanas de julho, em Galway, são muito divertidas, mas a confusão para arranjar quarto ou as intermináveis esperas para conseguir uma refeição podem estragar uma boa hipótese de férias. Se quiser fazer parte destes animados festivais, reserve com antecedência.
Onde ficar em Galway
Galway tem uma infinidade de possibilidades de alojamento; no entanto, se visitar a cidade durante o mês de julho por alturas do Galway Arts Festival e das Galway Races -, é muito provável que tenha de dormir “numa banheira ou numa mesa de snooker“, como afirma quem já viveu a experiência.
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Na Internet
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Seguro de viagem
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