Situada ao largo da costa moçambicana, Madagáscar é uma ilha fora do comum: a fauna e a flora são das mais ricas do planeta, com espécies que só aqui existem, e o clima vai do tropical ao árido. Podemos mergulhar de manhã num mar azul transparente, e de tarde numa floresta luxuriante e frondosa, recheada de bichos estranhos. Pelo menos no sul do país, onde tudo isto se encontra concentrado.
A ilha vermelha de Madagáscar
Os franceses, antigos colonizadores, chamaram-lhe Ilha Vermelha. Mas a cor do chão, do mar e do céu variam tanto, que depressa identificamos Madagáscar como um continente à parte encalhado no Oceano Índico – nem África, nem Ásia. A fauna e a flora são das mais ricas do planeta, nas florestas tropicais despontam gigantescos rochedos negros, e no sul o chão transforma-se em deserto onde só crescem árvores espinhosas. A costa, essa é feita de um mar azul, de enseadas calmas ou de falésias rochosas, poiso de pescadores de lagostas e cemitério de navios.
Cheguei a Fort Dauphin em fuga de Antananarivo, uma capital caótica e escaldante habitada por um formigueiro de gente. Procurava sossego em lugares mais tradicionais, mas não esperava encontrar este peculiar paraíso de praias quase desertas, ruas sossegadas de casas feitas de madeira e folhas de palmeira, rodeadas por cercas e cancelas de tabuinhas. De manhã saíam acordes de guitarra dos quintais, e filas de miúdos sorridentes vestidos de uniforme passavam para a escola, ainda pela fresca, cumprimentando a estrangeira com um bonjour madame e, às vezes, bonjour vahaza.
Depois habituei-me àquelas madrugadas, iguais em todo o país: música e movimento logo de manhã, para depois tudo se aquietar nas horas de calor e recomeçar de novo ao fim da tarde. E também me habituei a que me chamassem vahaza, estrangeira, assim de caras e sem maldade, e que me avisassem sobre os lugares a não ir, as ruas a não frequentar.
Em Fort Dauphin estava-me “interdito” subir ao atraente Pico São Luís, mesmo junto ao Lago Lanirano, ou passear na praia à noite sozinha, locais onde algum dos raros – e azarados – turistas foram assaltados. A cidade, a mais importante do extremo sul da ilha, é feita de três ou quatro ruas alcatroadas e poucas mais em terra, de um lado e de outro de uma península rochosa que entra no mar, de onde os pescadores trazem lagostas gigantescas.
Como de costume, os portugueses foram os primeiros europeus a chegar à ilha, mas não tiveram sorte; conta-se que o último grupo de sobreviventes dos ataques das tribos locais se refugiou na floresta para morrer de malária. Resta uma “Ilha dos Portugueses” com uns muros de pedra de herança discutível, provavelmente posteriores, que estão agora em propriedade privada e fechados a visitas.
Na enorme praia de areia branca os pescadores tentam a sorte à linha e o mar apetece, mas o calor e a falta de sombra empurram-nos para a frescura da floresta, que ainda por cima dá escolha: ou seca e espinhosa, com plantas únicas e inacreditáveis, troncos direitos da grossura de um braço cobertos de espinhos e folhas; ou frondosa e verde, bem tropical, onde tudo cresce até atingir tamanhos gigantescos.
Como as “orelhas de elefante”, que cercam lagos e riachos por onde sabe bem avançar de barco por dentro de túneis de vegetação. A mais próxima e acessível é a Reserva de Nahampoana, área privada onde só se entra com guia e de bilhete em punho, que esconde várias espécies de lémures. Cortada por lagos e riachos, a mata é belíssima e frondosa, uma boa amostra do que já foi a ilha, antes de a desflorestação reduzir as manchas de floresta a uns meros 10% do que existia.
O velho guia Jean-François leva a peito mostrar aos vahaza as quatro espécies de lémures que ali habitam, e depois de horas a persegui-los a pé por um labirinto verde ainda somos conduzidos de barco por um canal, em busca dos mais tímidos, que acabamos por avistar escondidos nas ramagens altas por cima da água mas sempre à espreita, curiosos, com os olhos redondos de admiração.
Sem vergonha são os de longa cauda anelada, sempre a comunicar com os miados que lhes deram o nome de “lémur-gato”, maki catta. Ou as sifakas brancas de cara escura, de pernas e braços muito longos, que descem pelos troncos e arregalam os grandes olhos na nossa direção, com um ar tão patusco que se percebe porque é que há quem os deseje ter como animais de estimação.
Sem vontade de mudar de lugar, inventei mais uma incursão pela zona, habitada sobretudo pela etnia antanosy. Um jipe de aluguer deixou-me na aldeia de Evatra, a uma hora a pé da baía de Lokaro, paraíso de água transparente e areia branca. Num dos extremos da praia fica uma pequena ilha deserta, acessível apenas na maré vaza, e uma piroga vai e vem fazendo de táxi entre a praia e a aldeia que dá o nome ao local, uma bela combinação de cubatas sobre pilares rodeadas de palmeiras, coqueiros, e muita vegetação “misteriosa”. Os pescadores andam por ali mergulhando e reparando os barcos, as mulheres passam com cestos de peixe, marisco e cocos. A vida de todos os dias, numa praia sem turistas, de areia branca e limpa, e um mar azul-céu.
Continuar viagem depois da desaceleração total, é quase um choque. Há que regressar à única estrada asfaltada que atravessa a ilha, ligando a capital às cidades de Toliara, no sul, e Diego Suarez, no norte.
Para lá chegar são pelo menos três dias de viagem, e os transportes são velhos camiões com bancos de madeira improvisados onde nos empilhamos até ultrapassar a centena.
A pista é quase inexistente, e por vezes tão má que é preciso fazer constantes desvios a corta-mato, em busca de um chão mais liso. Compartilhamos o transporte com muitas galinhas, distribuídas sobre pilhas de bagagem instalada no tejadilho, em elegantes galinheiros redondos feitos de palha e bambu, e também aninhadas por baixo dos bancos.
De vez em quando há um carneiro, ou mesmo um porco, que se junta a nós para fazer um troço da viagem sobre rodas. As paragens são curtas e espaçadas, ao ritmo da saída de alguém que chegou ao destino, da entrega de uma encomenda numa aldeia remota, do encher do depósito à mão, com recurso a bidões e funis.
Pelo caminho passamos por túmulos tradicionais, cobertos de pedras de onde saem aloalos (totens) e cornos de zebus, símbolo da riqueza do defunto. Manadas destas vacas de bossa, iguais às que encontramos na Ásia, são conduzidas por pastores da tribo antandroy, de lança em punho e cobertor chinês enrolado nos ombros, como proteção contra a poeira e a frescura das manhãs.
Até alcançar o asfalto da estrada principal atravessamos o território deste “povo dos espinhos”, uma das dezoito principais etnias da ilha, considerada uma das mais tradicionais. São admiráveis sobreviventes num mundo hostil, que sabem fazer tudo e tirar o ocasional partido do que lhes chega do “outro lado”, como os cobertores e os plásticos chineses, sem por isso se desviarem muito do que são. Continuam a fazer os seus objetos de madeira leve, as esteiras, chapéus e sacos de ráfia, os chinelos de pele, as casas de terra batida com telhados de folhelho. E acenam aos camiões que passam apoiados na sua lança, com a certeza absoluta de que o que verdadeiramente interessa é que o pasto seja suficiente para o gado e a mandioca cresça bem, assim possam vender o excesso e comprar o arroz ou o cobertor que lhes falta.
Os mercados das aldeias são um festival de cores garridas, mas quem viaja nos camiões está cada dia mais pardo, com as roupas, cabelos e pés cobertos de poeira. Os lugares para dormir são básicos – daquele básico sem duche nem eletricidade – e há quem durma por baixo do camião.
A paisagem projecta-nos até outro planeta, com as silhuetas de estranhos polvos vegetais, de tentáculos cobertos de espinhos a destacarem-se num chão seco e desértico. Já não se vê a ravinala, a palmeira de leque que guarda a água no tronco, tomando o nome de “árvore do viajante” em agradecimento dos que já salvou. Só a subida dos montes que antecedem a estrada nos leva de regresso ao verde, que anuncia os ainda mais verdes mangueirais da costa. E na cidade de Toliara voltam os grupos de miúdos a passar de manhã, a música matinal – e a difícil escolha entre o mar ou a floresta, ambos logo ali.
Era uma vez uma ilha…
Madagáscar é a ilha mais antiga do mundo e a quarta maior do planeta. Isolada durante 65 milhões de anos, desenvolveu uma biodiversidade muito própria. Há cerca de dois mil anos ainda não tinha recebido a visita dos humanos, estando completamente coberta de floresta primária e com uma variedade de espécies excecional. Os primeiros colonos chegaram da Ásia – pensa-se que vindos do que é hoje a Indonésia e o sul da Índia, provavelmente via África – e introduziram a técnica das queimadas para limpar terreno e cultivar a sua alimentação de base, o arroz.
Lentamente, o fogo foi deixando a terra nua e as chuvas tropicais foram-na “lavando” de nutrientes e desertificando o solo, que foi perdendo a terra arável. Hoje restam cerca de 10% da floresta inicial, e os esforços para proteger o que resta através da criação de reservas e parques naturais são redobrados.
Sendo um dos países mais pobres do mundo, a agricultura e a criação de gado são feitas a nível familiar e praticamente sem controlo, enquanto a maior parte da população continua a cozinhar com carvão feito ilegalmente dentro da floresta – e as árvores de madeira mais dura e de crescimento mais lento, como o raro pau-rosa ou a palissandre, um tipo de jacarandá, são das mais apetecidas.
Apesar de já serem visíveis manchas de eucaliptos e acácias, sobrevivem ainda oito famílias de plantas endémicas – algumas de grande valor medicinal, como a pervinca, utilizada no tratamento de alguns tipos de cancro -, assim como cerca de mil espécies de orquídeas e milhares de suculentas.
Tenho um primo em Madagáscar
Ainda existem mais de duzentas mil espécies de animais em Madagáscar, que vivem desde a floresta tropical às montanhas do centro, e aos desertos e mangais do sul do território. Entre as endémicas contam-se milhares de insetos, centenas de sapos e de répteis, cinco famílias de aves e cerca de duzentos mamíferos que incluem os lémures, da família dos primatas, que é como quem diz, da nossa própria família. Primos afastados – há cerca de 40 ou 50 milhões de anos que não nos víamos – são de um “modelo” antigo, que acabou sendo ultrapassado pelo moderno macaco em África, mas que aqui ainda podemos observar com grande pujança.
Existem cerca de cem espécies diferentes na cor, em tamanho e em hábitos. Há lémures noturnos, como o aye-aye, diurnos, insetívoros e vegetarianos, brancos, como a sifaka, castanhos ou ruivos, pequenos como a palma de uma mão, ou do tamanho de uma criança, como o indri.
São todos lindos, curiosos, assustadiços, e um grande íman para os turistas que demandam a ilha; se quem vai a África em safari procura ver os Big 5, daqui ninguém sai sem ver pelo menos 6 ou 7 tipos diferentes de lémures.
Não é que eles nos venham comer à mão, mas criou-se o hábito de, para além dos parques e reservas nacionais, criar também reservas privadas, o que consiste basicamente em deixar o mato crescer e os bichos em paz, e depois cobrar bilhete para entrar na floresta com um guia.
O resultado é fantástico, com os turistas a saírem sorridentes da mata e parte do dinheiro a ir diretamente para as comunidades locais. Em alguns sítios, como na Reserva de Nahampoana, os mais atrevidos começam a ficar habituados às visitas e deixam-se mesmo observar na sua vida social sem grandes sobressaltos, para grande felicidade dos primos de duas patas.
Veja 37 fotos de Madagáscar.
Guia de viagens a Madagáscar
Este é um guia prático para viagens à ilha de Madagáscar, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades em Madagáscar.
Sobre Madagáscar
Geograficamente, Madagáscar situa-se no Oceano Índico, a cerca de 400 quilómetros da costa de Moçambique. O centro da ilha é percorrido por uma cadeia montanhosa, e as costas norte e leste são de uma tropicalidade extrema, recebendo a maior parte da chuva e dos ciclones que anualmente atingem o país. A economia é essencialmente agrícola, com uma produção de arroz e mandioca que não chega para alimentar a população (os malgaxes são dos maiores consumidores de arroz per capita de todo o mundo), café, cana-de-açúcar, banana, e também criação de gado.
O extremo sul é desértico, com bolsas de floresta tropical, e o nordeste é um dos maiores produtores e exportadores mundiais de baunilha. Os primeiros europeus foram os portugueses, que aqui chegaram em 1500 mas não conseguiram estabelecer-se de maneira duradoura; a maior cidade do norte chama-se Diego Suarez, e apesar do nome ser escrito em castelhano, é uma homenagem aos dois primeiros navegadores lusos que por aqui ficaram, depois dos árabes e antes dos franceses, que acabaram por transformar a ilha em colónia em finais do século XIX.
Depois da independência, em 1960, o país passou por várias crises políticas, sendo que a última já dura há dois anos: Madagáscar continua à espera de eleições livres, constantemente adiadas depois de um golpe de estado organizado pelo Presidente da Câmara de Antananarivo, Andry Rajoelina, que se mantém no poder.
Quando viajar para Madagáscar
A época depende da zona a visitar; a menos aconselhada, quer pelo calor e pela chuva, quer pela maior probabilidade da ocorrência de tempestades tropicais, vai de fevereiro a março. O sul é a área onde chove menos e garante temperaturas agradáveis todo o ano, mesmo no inverno austral (durante o verão do hemisfério norte), de abril a novembro.
Como chegar a Antananarivo
Como não há voos diretos, o mais fácil é voar para Maputo (Moçambique) ou Joanesburgo (África do Sul) com a TAP, depois de descobrir qual a cidade que tem o voo de ligação para Antananarivo mais barato, o que depende muito da época. Os preços variam, mas será difícil ficarem muito abaixo dos 1.500€ na totalidade.
Onde ficar
Em Antananarivo, um lugar recomendado para viajantes que não procuram luxo é o pequeno Hotel Moonlight, na parte alta da cidade e próximo do centro, que tem quartos entre os 8 e os 15 . Em Fort Dauphin vale a pena ficar num pequeno complexo de bungalows junto à costa, como o Ravinala, que tem preços a partir de 18 .
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Gastronomia malgaxe
A comida tradicional nos restaurantes populares é uma pirâmide de arroz com molho de peixe ou molho de carne, à escolha. Por todo o lado, incluindo na rua, há snacks doces ou salgados (pernas de frango, pedaços de mandioca cozida, queques, peixe frito, ovos cozidos, etc.). É patente a influência da comida francesa na baguete, que é o pão mais comum, mas também na abundância de oferta de croissants e de queijo “de triângulos”. Os restaurantes melhores fogem da comida tradicional, mas pode provar alguns pratos típicos, por exemplo, no Saveur Malagasy, na Rua Tsiombiko, em Antananarivo (recomendo o ravitoto, feito de folhas de mandioca e leite de coco).
Informações gerais
O nível de vida é muito baixo, por isso, se não for muito exigente, os preços dos hotéis e restaurantes também podem ser igualmente baixos. Há que ter em conta o elevado risco de malária e de dengue, assim como de doenças intestinais, redobrando os cuidados de higiene em relação ao que se come e bebe. A moeda é o ariary, e 1 vale cerca de 2.200 Ar. Existem ATM em todas as cidades, assim como casas de câmbio e bancos – a diferença nos câmbios entre uns e outros não é relevante. A língua é o malgaxe, de origem malaio-indonésia com palavras de origem africana, sobretudo do swahili e do banto. A língua de comunicação terá de ser o francês, deixado pelo país colonizador, e qualquer pessoa que vá à escola a sabe falar. As religiões predominantes em Madagáscar são as locais, assim como o cristianismo.
Seguro de viagem
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