Peregrinos vagueiam por Darchen, uma aldeia no sopé do monte que jamais foi escalado. Efectuam a kora à volta da sagrada montanha, espiam os seus pecados. Imóvel e mágico, é o Monte Kailas que permite o acesso directo ao Nirvana. Um olhar sobre o fascinante Tibete.
A caminho do Monte Kailas
Todo o caminho até ao sopé do Kailas merece o nome de peregrinação. Cada quilómetro através das montanhas do Tibete nos vai preparando para a visão impressionante do monte sagrado, que sobressai na cordilheira desde longe, um cone branco sobre uma base negra. Símbolo do axis mundi, parece um diamante em bruto, tão rude e agreste como o próprio planalto de onde se levanta. Ou as gentes que o habitam.
A maior parte dos tibetanos que vivem neste far west – na verdadeira acepção da palavra – continua a abrigar-se em tendas, pelo menos durante o Verão, quando as neves derretem e a abundância de água cobre as montanhas pardas de um verde vivo. São grandes os rebanhos de carneiros e iaques que vamos vendo pelas poeirentas estradas de terra.
Connosco atravessam a vau os rios, sem se afastarem muito das tendas escuras de lã, discretamente afastadas umas das outras centenas de metros. As poucas aldeias de pedra são habitadas por todos, durante os Invernos extremos que a altitude proporciona.
Avistamos pastores, tão surpreendidos como nós, alguns ocupados a fiar enquanto percorrem montes áridos e pedregosos que antecedem vales verdes, por onde correm regatos de água gelada. Vemos kyangs (burros tibetanos) listados, que fogem aos zurros, gazelas da Mongólia, marmotas, para além dos iaques e das suas combinações com bois, os dzos. A luz é mágica, iluminando pastagens, dunas de areia branca, picos nevados e lagos turquesa, com focos de intensidade variada, que furam um céu geralmente escuro.
Finalmente, Darchen, a 4.880 metros de altitude. Esta é a aldeia que precede o caminho que circunda o monte sagrado. Repetida cento e oito vezes, esta kora em redor do monte dá acesso directo ao Nirvana, segundo os budistas; mas uma vez basta, se quisermos apenas lavar os pecados de uma vida. Os peregrinos indianos, nepaleses, tibetanos e alguns ocidentais, fazem também a kora do Lago Manarasovar, que fica a meia centena de quilómetros e que demora igualmente três dias a completar. Outros circundam a montanha com prostrações, medindo com o corpo os cinquenta e oito quilómetros da base.
O alpinismo é completamente interdito e jamais a montanha foi escalada. Aliás, o mais próximo que se pode chegar é ao secreto nangkor, um circuito mais aproximado, reservado aos que completaram a kora treze vezes. Apesar da sujidade que um grupo exagerado de pessoas sempre faz, o ar é límpido e a poluição turística ainda não chegou. Avista-se até longe, com o monte Nemo Nanyi a fechar a paisagem.
Grupos de peregrinos rondam pela aldeia, enfeitada por bandeiras de oração e mantras gravados em pedras, crânios e cornos de iaque. As províncias de onde vêm reflectem-se nos fatos, com as mulheres do Kham a ganharem o prémio da garridice, graças aos rebuscados penteados de trancinhas e enormes turquesas. Monjas fazem as últimas prostrações à chegada à aldeia, com a satisfação de quem terminou um sacrifício meritório.
Mais acima, no Mosteiro de Gyangdrak, monges ordenham e tosquiam um punhado de ovelhas e cabras, enquanto no horizonte se estende a mancha azul do Lago Rakshas Tal, gémeo do Manarasovar. A vida continua como noutra aldeia tibetana qualquer, com a excepção dos enormes acampamentos que se aglomeram junto às casas – sempre há mais movimento nas ruelas de terra, mais negócio para o aluguer de iaques de carga e para as lojas miniaturais que vendem de tudo, de massas instantâneas a pilhas para lanterna.
Os peregrinos, esses chegam e partem com as suas trouxas embrulhadas em panos garridos, empilhados nas caixas dos enormes camiões chineses Dong Feng, que parecem nunca avariar.
O Kailas está mesmo ali, por trás de uma colina, velando por todos nós embrulhado em nuvens brancas. Penetramos no vale em direcção a Darboche, onde um grande mastro de bandeiras de oração é mudado em cada dia da Iluminação de Buda, na Lua Cheia de Abril ou Maio. Antes de partirem, camiões carregados de peregrinos dão três voltas em seu redor, à vista do cume branco da Preciosa Jóia de Neve, um dos nomes populares do monte sagrado.
Com uma visão intacta sobre o seu lado sul fica o Mosteiro de Chuku, empoleirado numa falésia escura. Este é apenas um dos muitos mosteiros, chortens (monumentos em forma de cone ou pirâmide, que representam o Universo), pedras de mani gravadas com mantras (fórmulas sagradas) e outros símbolos religiosos estreitamente ligados ao budismo. De costas para Darchen, avançamos pelo vale numa peregrinação sublime, que nos leva de encontro aos mistérios profundos de um país. Imóvel e mágico, o Kailas atrai-nos como um íman.
Guia de viagens ao Tibete
Este é um guia prático para viagens no Tibete, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades no país.
Sobre o Tibete
Antes de mais, o viajante deve saber que as informações constantes deste guia, no respeitante às possibilidades de deslocação em território tibetano, já devem estar ultrapassadas. Mais do que em qualquer outra província chinesa, o Tibete está sujeito a enormes variações na abertura e facilidades em relação aos turistas; o que hoje é verdade, amanhã já não é. Exemplo: bastou sair de Lhasa pouco mais de vinte dias, para encontrarmos muitas das pequenas agências pertencentes a tibetanos – como a que contratámos, por exemplo – fechadas. O motivo parece ter sido a mudança do chefe do PSB (uma espécie de polícia à paisana que se ocupa dos estrangeiros, e dos locais que connosco têm contactos). Antes de chegarmos, era proibido ficar mais de três dias em Lhasa mas, aparentemente, a regra foi abolida e passámos mais de uma semana sem problemas.
Quando ir
No Inverno e no Verão, o único problema é a facilidade com que as estradas de terra desaparecem debaixo de lama (Verão), ou gelo (Inverno), quando as temperaturas atingem alguns graus negativos. Mas é possível visitar a área de Lhasa – Xighatse todo o ano.
Como chegar a Lhasa
Duas hipóteses: ou voar para Lhasa de uma das capitais de província (Pequim e Chengdu são as mais populares), ou chegar por terra de Golmud. Os preços aumentam de ano para ano, e os estrangeiros costumam pagar mais ou menos o dobro dos chineses. O voo de Chengdu e a viagem de camioneta têm preços parecidos. Uma vez no Tibete, deve informar-se sobre os lugares que pode visitar de transporte público, mas a distância máxima costuma ser as cidades de Xighatse e Gyantse. Para ir mais longe tem de contratar uma agência, que tratará das autorizações especiais, jipes e/ou camiões com condutor e guia obrigatório.
Hotéis em Lhasa
Limitamo-nos a Lhasa, porque nos outros lugares terá de se contentar com o que há, e com o que está aberto aos estrangeiros. Os mais populares e simpáticos são a Kyirie Guest House e o Yak Hotel, próximos um do outro na East Dekyi Iam, com preços que rondam os 120 yuans com banho, e 60 com banho comum. Em Darchen, ponto de partida para o Kailas, havia alguns quartos básicos e uma grande (e suja) área de campismo.
Restaurantes
Já há mais restaurantes chineses do que tibetanos. Na rua Dekyi Iam há vários de uns e de outros, mas recomendamos o tibetano Tashi, no pátio da Kyirie G.H., e Tashi I, em Mentsikhang Iam, próximo do excelente, mas caro, Snowland Restaurant.
Seguro de viagem
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