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The Troubles: o conflito que nem os Muros da Paz resolveram

Por Filipe Morato Gomes
Visitar Muros da Paz, Belfast
Um dos Muros da Paz, em Belfast

Estando em Belfast, é impossível ignorar o conflito que opõe católicos e protestantes. Ele entra pelos olhos do visitante a cada esquina. Influencia o ambiente, como um “elefante na sala” da capital norte-irlandesa.

Das bandeiras do Reino Unido nos bairros protestantes, passando pelas cancelas fechadas que continuam a separar os bairros católicos dos protestantes e pelos ataques esporádicos que ainda hoje acontecem, é impossível ignorar que a ferida está muito longe de ficar cicatrizada.

E o pior de tudo é que, ao que parece, as pessoas têm medo. Pelo que me foi dado a entender durante a minha curta visita – demasiado curta para ter opiniões definitivas, assumo! -, a minoria católica continua a ter muitas razões de queixa. Mas vamos por partes.

De que se trata, então, o conflito na Irlanda do Norte conhecido por The Troubles?

Conflito na Irlanda do Norte: uma breve explicação

Bairro protestante, Belfast
Murais e bandeiras do Reino Unido enfeitam um bairro protestante, Belfast

Não sou historiador e, para ser honesto, nem sempre estudar História me motiva; mas, vou tentar explicar o sucedido. De uma forma simplista, o conflito conhecido como The Troubles foi – e continua a ser – um conflito pelo estatuto político da Irlanda do Norte.

De um lado, os lealistas; a maioria protestante que defende a manutenção dos laços políticos com a vizinha ilha da Grã-Bretanha, igualmente protestante, e a consequente manutenção da Irlanda do Norte no seio do Reino Unido.

Do outro, os integracionistas; a minoria católica que advoga a integração da “província” na República da Irlanda, predominantemente católica, com quem partilha o território da ilha. Exigem também a igualdade religiosa, nomeadamente a não discriminação da minoria católica no acesso a cargos públicos ou empregos.

Os católicos sentem-se, pois, uma minoria marginalizada, com direitos diminuidos face à maioria protestante. E isso alimenta um compreensível mas perigoso sentimento de revolta.

Foi nesse contexto que entrou em cena o grupo paramilitar católico IRA – Exército Republicano Irlandês. Lutou pela separação da Irlanda do Norte do Reino Unido (defendia a anexação à República da Irlanda) recorrendo a métodos terroristas, incluindo ataques bombistas e emboscadas com armas de fogo contra alvos protestantes – de políticos unionistas (protestantes) a representantes do governo britânico.

A violência mais extrema durou desde os anos 1960 até finais da década de 1990, altura em que foi assinado o chamado Acordo de Belfast (ou Acordo da Sexta-Feira Santa), que estabeleceu as bases para um governo de poder partilhado entre católicos e protestantes. Mas nem isso resolveu as feridas entretanto abertas.

Na verdade, os problemas nunca foram totalmente eliminados. Mantêm-se enraizados profundos sentimentos de medo e de ódio – com esporádicos episódios de violência – que, segundo me foi dado a conhecer, o recente advento do Brexit ajudou a acicatar.

Em suma, com católicos e protestantes a defenderem soluções mutuamente exclusivas (ser parte do Reino Unido ou pertencer à República da Irlanda), torna-se difícil encontrar um denominador comum que permita resolver definitivamente o conflito.

Foi neste contexto que decidi visitar os Muros da Paz de Belfast, para ver com os meus próprios olhos e tentar compreender um pouco melhor o problema.

Visitar os Muros da Paz: a minha experiência

Mural Verão de 1969
Mural sobre o verão de 1969, no início do conflito conhecido como The Troubles

Na receção da guesthouse havia uns folhetos sobre um tour aos Muros da Paz que me foi muito recomendado. Não sendo possível nem aconselhável ir sozinho, aceitei a sugestão e reservei o passeio.

À hora combinada, Marty apareceu à porta da guesthouse, no Bairro de Queens, num táxi preto tipicamente britânico. Apresentou-se como católico, mas prometeu mostrar-me o conflito da forma mais imparcial possível.

Começámos por visitar um bairro protestante na área de Shankill Road onde – confesso – me senti amedrontado. Ninguém me dirigiu a palavra, vi pouca gente; mas sentia-se uma tensão invisível que não consigo explicar.

Marty ia dizendo que os católicos já “seguiram em frente” e eliminaram boa parte dos murais; ao contrário dos protestantes, em cujos bairros ainda existem muitos murais intimidatórios. Mostrou-me vários desses murais, calmamente, enquanto garantia que não havia problema. Mas havia algo intangível que não me deixava confortável naquele bairro protestante.

Muro da Paz

Muros da Paz Belfast
Arte urbana num dos 48 Muros da Paz de Belfast

Seguimos então para o ex-líbris do tour: os Muros da Paz. Marty levou-me a uma das secções mais famosas entre os 48 muros existentes em Belfast. A contabilidade é de Marty, que garantiu que antes do acordo – que teoricamente levaria à eliminação dos muros – havia “apenas 44”.

Lá chegados, parou o táxi e disse para eu ir caminhar junto ao muro “sem me afastar muito”. Havia mais três ou quatro táxis com turistas e uma camioneta com um grupo sénior. Estávamos do lado protestante da divisória.

Aos meus olhos, tudo aquilo me parecia estranho. Parecia o muro de uma prisão, mas no meio da cidade. Estava completamente coberto com graffiti e esculturas; com milhares de assinaturas e mensagens de cidadãos – apesar dos pedidos das autoridades para que se evite fazê-lo.

O céu cinzento e respetivos chuviscos em nada ajudaram a encarar aquele momento com boa disposição. Estava incomodado, confuso, não sei explicar. Do outro lado do muro ficava Bombay Street.

Bombay Street

Memorial dos Mártires em Bombay Street
Memorial dos Mártires em Bombay Street (bairro católico na região de Falls Road)

Atravessámos uma cancela (que divide católicos e protestantes e que, a partir das 22:00, é encerrada) e seguimos então para Bombay Street, o local onde se diz que os problemas modernos começaram, a 14 de agosto de 1969, quando habitantes protestantes terão incendiado as casas da população católica. Foi também ali que o IRA nasceu, contou Marty.

Ainda hoje os protestantes atiram pedras para o lado católico. Apenas dois dias antes, dois turistas australianos estavam com Marty naquele mesmo local quando começaram a “chover” pedras. Não por acaso, as casas de Bombay Street coladas ao muro (do lado católico) têm enormes grades para se protegerem das pedras. Vi esses gradeamentos com os meus olhos – duas décadas depois do Acordo de Paz ter sido assinado.

Marty levou-me ainda ao edifício sede do Sinn Fein, muitas vezes descrito como o braço político do IRA, em cuja parede lateral foi pintado o icónico mural de Bobby Sands, um membro do exército revolucionário que morreu no decorrer de uma greve de fome levada a cabo na prisão.

O tour aos Muros da Paz estava prestes a terminar; mas, ao contrário do previsto, não acabaria ali.

The Eileen Hickey Irish Republican History Museum

Museu The Eileen Hickey
A sala principal do Museu The Eileen Hickey, Belfast

Não sei se foi por eu estar verdadeiramente interessado em entender o conflito que assola a Irlanda do Norte mas, às tantas, Marty disse: “não costuma fazer parte do tour, mas vou-te levar a um sítio”. Ou talvez o faça a toda a gente.

Mostrei-me preocupado com as horas (tinha autocarro ao início da tarde direto para o aeroporto de Dublin), mas ele tranquilizou-me: “não te preocupes, é um museu pequeno”. E assim fomos visitar o museu The Eileen Hickey.

O museu afirma ter por missão “preservar e promover, através da arte e do artesanato, a história das lutas republicanas pela liberdade irlandesa”. Exibe um pequeno repositório de artefactos de guerra, objetos usados na prisão, muitas fotografias e alguns painéis explicativos sobre o conflito. Foi-me mostrado pela irmã de Eileen Hickey, cicerone da última paragem deste tour aos Muros da Paz.

Confesso que pouco acrescentou ao que tinha até aí absorvido. Ou então foi o cansaço mental que não me deixou ver tudo com a devida atenção. Mais do que a retórica, valeu pela visualização de algumas fotografias da época; pela curiosidade de alguns artefactos (como uma máquina fotográfica minúscula usada na prisão).

A manhã estava a terminar e Marty deixou-me na estação de autocarros. Estava com o cérebro a mil, algures entre o feliz e o consternado, a processar toda a informação das últimas horas.

Deixei Belfast pensativo. Com uma simpatia maior por um dos lados do conflito, é certo, mas pensativo!

O tour aos Muros da Paz é seguro?

Numa palavra: sim. E o motivo é muito simples: tal como acontece com as máfias italianas, também em Belfast os operadores turísticos pagam pela proteção. Que é como quem diz, para não serem incomodados pelas chefias dos bairros protestantes.

O ambiente é pesado e os passageiros podem não se sentir confortáveis; mas, salvo alguma altercação momentânea, é razoavelmente seguro visitar os Muros da Paz. Siga as instruções do guia e comporte-se com bom senso.

Guia prático

Como chegar

Não há voos diretos de Portugal para a Irlanda do Norte. Apesar de haver ligações aéreas até Belfast (com escalas), o que eu recomendo é voar para o aeroporto de Dublin e, de lá, apanhar um autocarro direto até ao centro de Belfast. A Aircoach oferece esse serviço, e a viagem demora quase duas horas (12€).

Se essa for a sua opção, a TAP tem voos diretos de Lisboa para Dublin – foi o que eu usei nesta viagem. A Ryanair, uma das companhias low cost a operar em Portugal, voa do Porto para Dublin em alguns dias da semana; pode ser uma alternativa interessante para quem vive no norte de Portugal.

Se preferir pesquisar voos para Belfast, use o link abaixo.

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Como organizar a visita aos muros

Eu fui com a muito elogiada Cab Tours Belfast e junto-me agora ao coro de elogios. É uma companhia detida em conjunto por um protestante e um católico, facto que a deixa “numa posição privilegiada para fornecer aos clientes um tour justo e imparcial, durante o qual ouvirá ambos os lados da história a que chamamos The Troubles“. As palavras são dos próprios.

Para os interessados em conhecer os muros de Belfast sem ser de táxi, saiba que há um tour a pé muito elogiado. Não o fiz, mas as opiniões são incrivelmente positivas.

Onde ficar

Para informações mais detalhadas, veja o texto sobre onde ficar em Belfast. Em resumo, bem no centro da cidade, o Jurys Inn e o The Flint são dois dos hotéis de Belfast com melhor relação qualidade/preço.

Eu prefiro, no entanto, o Bairro de Queens, onde ficam guesthouses mais baratas como The Crescent Townhouse; e hostels como o muito elogiado Vagabonds. Se puder pagar um pouco mais, pondere pernoitar nos fantásticos Dukes At Queens ou Tara Lodge.

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Seguro de viagem

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.