Estando em Belfast, é impossível ignorar o conflito que opõe católicos e protestantes. Ele entra pelos olhos do visitante a cada esquina. Influencia o ambiente, como um “elefante na sala” da capital norte-irlandesa.
Das bandeiras do Reino Unido nos bairros protestantes, passando pelas cancelas fechadas que continuam a separar os bairros católicos dos protestantes e pelos ataques esporádicos que ainda hoje acontecem, é impossível ignorar que a ferida está muito longe de ficar cicatrizada.
E o pior de tudo é que, ao que parece, as pessoas têm medo. Pelo que me foi dado a entender durante a minha curta visita – demasiado curta para ter opiniões definitivas, assumo! -, a minoria católica continua a ter muitas razões de queixa. Mas vamos por partes.
De que se trata, então, o conflito na Irlanda do Norte conhecido por The Troubles?
Conflito na Irlanda do Norte: uma breve explicação
Não sou historiador e, para ser honesto, nem sempre estudar História me motiva; mas, vou tentar explicar o sucedido. De uma forma simplista, o conflito conhecido como The Troubles foi – e continua a ser – um conflito pelo estatuto político da Irlanda do Norte.
De um lado, os lealistas; a maioria protestante que defende a manutenção dos laços políticos com a vizinha ilha da Grã-Bretanha, igualmente protestante, e a consequente manutenção da Irlanda do Norte no seio do Reino Unido.
Do outro, os integracionistas; a minoria católica que advoga a integração da “província” na República da Irlanda, predominantemente católica, com quem partilha o território da ilha. Exigem também a igualdade religiosa, nomeadamente a não discriminação da minoria católica no acesso a cargos públicos ou empregos.
Os católicos sentem-se, pois, uma minoria marginalizada, com direitos diminuidos face à maioria protestante. E isso alimenta um compreensível mas perigoso sentimento de revolta.
Foi nesse contexto que entrou em cena o grupo paramilitar católico IRA – Exército Republicano Irlandês. Lutou pela separação da Irlanda do Norte do Reino Unido (defendia a anexação à República da Irlanda) recorrendo a métodos terroristas, incluindo ataques bombistas e emboscadas com armas de fogo contra alvos protestantes – de políticos unionistas (protestantes) a representantes do governo britânico.
A violência mais extrema durou desde os anos 1960 até finais da década de 1990, altura em que foi assinado o chamado Acordo de Belfast (ou Acordo da Sexta-Feira Santa), que estabeleceu as bases para um governo de poder partilhado entre católicos e protestantes. Mas nem isso resolveu as feridas entretanto abertas.
Na verdade, os problemas nunca foram totalmente eliminados. Mantêm-se enraizados profundos sentimentos de medo e de ódio – com esporádicos episódios de violência – que, segundo me foi dado a conhecer, o recente advento do Brexit ajudou a acicatar.
Em suma, com católicos e protestantes a defenderem soluções mutuamente exclusivas (ser parte do Reino Unido ou pertencer à República da Irlanda), torna-se difícil encontrar um denominador comum que permita resolver definitivamente o conflito.
Foi neste contexto que decidi visitar os Muros da Paz de Belfast, para ver com os meus próprios olhos e tentar compreender um pouco melhor o problema.
Visitar os Muros da Paz: a minha experiência
Na receção da guesthouse havia uns folhetos sobre um tour aos Muros da Paz que me foi muito recomendado. Não sendo possível nem aconselhável ir sozinho, aceitei a sugestão e reservei o passeio.
À hora combinada, Marty apareceu à porta da guesthouse, no Bairro de Queens, num táxi preto tipicamente britânico. Apresentou-se como católico, mas prometeu mostrar-me o conflito da forma mais imparcial possível.
Começámos por visitar um bairro protestante na área de Shankill Road onde – confesso – me senti amedrontado. Ninguém me dirigiu a palavra, vi pouca gente; mas sentia-se uma tensão invisível que não consigo explicar.
Marty ia dizendo que os católicos já “seguiram em frente” e eliminaram boa parte dos murais; ao contrário dos protestantes, em cujos bairros ainda existem muitos murais intimidatórios. Mostrou-me vários desses murais, calmamente, enquanto garantia que não havia problema. Mas havia algo intangível que não me deixava confortável naquele bairro protestante.
Muro da Paz
Seguimos então para o ex-líbris do tour: os Muros da Paz. Marty levou-me a uma das secções mais famosas entre os 48 muros existentes em Belfast. A contabilidade é de Marty, que garantiu que antes do acordo – que teoricamente levaria à eliminação dos muros – havia “apenas 44”.
Lá chegados, parou o táxi e disse para eu ir caminhar junto ao muro “sem me afastar muito”. Havia mais três ou quatro táxis com turistas e uma camioneta com um grupo sénior. Estávamos do lado protestante da divisória.
Aos meus olhos, tudo aquilo me parecia estranho. Parecia o muro de uma prisão, mas no meio da cidade. Estava completamente coberto com graffiti e esculturas; com milhares de assinaturas e mensagens de cidadãos – apesar dos pedidos das autoridades para que se evite fazê-lo.
O céu cinzento e respetivos chuviscos em nada ajudaram a encarar aquele momento com boa disposição. Estava incomodado, confuso, não sei explicar. Do outro lado do muro ficava Bombay Street.
Bombay Street
Atravessámos uma cancela (que divide católicos e protestantes e que, a partir das 22:00, é encerrada) e seguimos então para Bombay Street, o local onde se diz que os problemas modernos começaram, a 14 de agosto de 1969, quando habitantes protestantes terão incendiado as casas da população católica. Foi também ali que o IRA nasceu, contou Marty.
Ainda hoje os protestantes atiram pedras para o lado católico. Apenas dois dias antes, dois turistas australianos estavam com Marty naquele mesmo local quando começaram a “chover” pedras. Não por acaso, as casas de Bombay Street coladas ao muro (do lado católico) têm enormes grades para se protegerem das pedras. Vi esses gradeamentos com os meus olhos – duas décadas depois do Acordo de Paz ter sido assinado.
Marty levou-me ainda ao edifício sede do Sinn Fein, muitas vezes descrito como o braço político do IRA, em cuja parede lateral foi pintado o icónico mural de Bobby Sands, um membro do exército revolucionário que morreu no decorrer de uma greve de fome levada a cabo na prisão.
O tour aos Muros da Paz estava prestes a terminar; mas, ao contrário do previsto, não acabaria ali.
The Eileen Hickey Irish Republican History Museum
Não sei se foi por eu estar verdadeiramente interessado em entender o conflito que assola a Irlanda do Norte mas, às tantas, Marty disse: “não costuma fazer parte do tour, mas vou-te levar a um sítio”. Ou talvez o faça a toda a gente.
Mostrei-me preocupado com as horas (tinha autocarro ao início da tarde direto para o aeroporto de Dublin), mas ele tranquilizou-me: “não te preocupes, é um museu pequeno”. E assim fomos visitar o museu The Eileen Hickey.
O museu afirma ter por missão “preservar e promover, através da arte e do artesanato, a história das lutas republicanas pela liberdade irlandesa”. Exibe um pequeno repositório de artefactos de guerra, objetos usados na prisão, muitas fotografias e alguns painéis explicativos sobre o conflito. Foi-me mostrado pela irmã de Eileen Hickey, cicerone da última paragem deste tour aos Muros da Paz.
Confesso que pouco acrescentou ao que tinha até aí absorvido. Ou então foi o cansaço mental que não me deixou ver tudo com a devida atenção. Mais do que a retórica, valeu pela visualização de algumas fotografias da época; pela curiosidade de alguns artefactos (como uma máquina fotográfica minúscula usada na prisão).
A manhã estava a terminar e Marty deixou-me na estação de autocarros. Estava com o cérebro a mil, algures entre o feliz e o consternado, a processar toda a informação das últimas horas.
Deixei Belfast pensativo. Com uma simpatia maior por um dos lados do conflito, é certo, mas pensativo!
O tour aos Muros da Paz é seguro?
Numa palavra: sim. E o motivo é muito simples: tal como acontece com as máfias italianas, também em Belfast os operadores turísticos pagam pela proteção. Que é como quem diz, para não serem incomodados pelas chefias dos bairros protestantes.
O ambiente é pesado e os passageiros podem não se sentir confortáveis; mas, salvo alguma altercação momentânea, é razoavelmente seguro visitar os Muros da Paz. Siga as instruções do guia e comporte-se com bom senso.
Guia prático
Como chegar
Não há voos diretos de Portugal para a Irlanda do Norte. Apesar de haver ligações aéreas até Belfast (com escalas), o que eu recomendo é voar para o aeroporto de Dublin e, de lá, apanhar um autocarro direto até ao centro de Belfast. A Aircoach oferece esse serviço, e a viagem demora quase duas horas (12€).
Se essa for a sua opção, a TAP tem voos diretos de Lisboa para Dublin – foi o que eu usei nesta viagem. A Ryanair, uma das companhias low cost a operar em Portugal, voa do Porto para Dublin em alguns dias da semana; pode ser uma alternativa interessante para quem vive no norte de Portugal.
Se preferir pesquisar voos para Belfast, use o link abaixo.
Como organizar a visita aos muros
Eu fui com a muito elogiada Cab Tours Belfast e junto-me agora ao coro de elogios. É uma companhia detida em conjunto por um protestante e um católico, facto que a deixa “numa posição privilegiada para fornecer aos clientes um tour justo e imparcial, durante o qual ouvirá ambos os lados da história a que chamamos The Troubles“. As palavras são dos próprios.
Para os interessados em conhecer os muros de Belfast sem ser de táxi, saiba que há um tour a pé muito elogiado. Não o fiz, mas as opiniões são incrivelmente positivas.
Onde ficar
Para informações mais detalhadas, veja o texto sobre onde ficar em Belfast. Em resumo, bem no centro da cidade, o Jurys Inn e o The Flint são dois dos hotéis de Belfast com melhor relação qualidade/preço.
Eu prefiro, no entanto, o Bairro de Queens, onde ficam guesthouses mais baratas como The Crescent Townhouse; e hostels como o muito elogiado Vagabonds. Se puder pagar um pouco mais, pondere pernoitar nos fantásticos Dukes At Queens ou Tara Lodge.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.