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No vale do Rio Sousa, pela Rota do Românico

Por Ana Isabel Mineiro
Vista noturna do Mosteiro de S. Pedro de Ferreira, Rota do Românico
Vista noturna do Mosteiro de S. Pedro de Ferreira, Rota do Românico

Um rosário de igrejinhas mimosas, pontes de pedra e calçadas romanas conduz-nos pelas paisagens verdes e humanizadas do vale do Sousa, de Felgueiras a Lousada e de Penafiel a Castelo de Paiva. Velhas torres e mosteiros espreitam por entre bosques e campos de vinhas num concentrado de natureza e cultura que não é fácil de encontrar. Relato de um passeio pela Rota do Românico.

A Rota do Românico

O nome Rota do Românico remete para uma sequência de igrejas e monumentos religiosos que poderia acabar numa monumental overdose de símbolos religiosos – ainda que muito antigos e valiosos. Mas os cerca de doze mil visitantes que já por aqui passaram – e regressaram, em alguns casos – não levam, de certeza, só isso na memória.

Claustro do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro
Claustro do Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro

A maioria das igrejas e mosteiros são mais delicados do que impressionantes, e podem ter apenas o papel de fio condutor para quem percorre estas estradas num luminoso dia de outono, com a folhagem avermelhada das árvores e vinhas a acrescentar um último lampejo de cor antes do inverno.

As paisagens verdes e humanizadas do vale do Rio Sousa só precisavam de um tema para atrair visitantes, e aí está ele: uma concentração de construções de inspiração românica que preenche o nosso imaginário com histórias de santos mártires, e capelinhas onde de certeza que ainda acontecem milagres.

No total são vinte e um monumentos que compõem os dois percursos oficiais da Rota, estabelecida oficialmente pela VALSOUSA (Associação de Municípios do Vale do Sousa) há cerca de dois anos: quatro mosteiros, dez igrejas, uma ermida, duas pontes, duas torres e dois monumentos funerários, dos quais só existem seis exemplares em Portugal.

Nada nos obriga a visitá-los a todos, mas só o percurso que lhes passa pelas portas já merece esta viagem, que desvenda uma das zonas do país que menos se assume como turística – sabe-se lá porquê. Falando em Lousada lembramo-nos das competições automobilísticas, de Castelo de Paiva da tragédia da ponte, e de Passos de Ferreira vêm os móveis; quanto a Felgueiras, Freamunde, Paredes e Penafiel, são ilustres desconhecidas para a maior parte dos portugueses. No entanto, todas têm os seus segredos de beleza, e bem à vista de quem chega.

Percurso Norte – Felgueiras, Lousada, Paços de Ferreira

Entre o Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro e o de S. Pedro de Ferreira, a paisagem desdobra-se num vale fértil, sem dramatismos geográficos e com um aspeto fortemente humanizado: os campos cultivados ou ocupados por vinhas só são interrompidos pelos telhados alaranjados de casas brancas, que contrastam com o verde de fundo. Há abundância de riachos, cuja existência secular é comprovada pelas pontes de Espindo e Vilela, e a Torre de Vilar comprova a riqueza da terra, que justifica a presença de uma residência senhorial fortificada dos séculos XIII-XIV. Mas a distância é sobretudo marcada pela diferença entre os dois extremos do percurso, onde fica o mais imponente dos edifícios da Rota, que é o Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, e o mimoso Mosteiro de S. Pedro de Ferreira.

Mosteiro e aqueduto de Santa Maria de Pombeiro
Mosteiro e aqueduto de Santa Maria de Pombeiro

O primeiro surge como uma miragem, o cocuruto das torres ao longe, entre árvores, e depois o resto do edifício, alto e amplo no meio de campos cultivados, escondido por ramadas altas. Inesperado encontro com o antigo mundo dos beneditinos antes da extinção das ordens religiosas, seria uma visão normal no seio de uma cidade, tendo através dos tempos agido como um íman para a fixação de gente em seu redor.

A surpresa é mesmo essa: apesar da importância que teve na sua época, o mosteiro continua entre campos e vinhas desde o século XI, e o facto de estar na intersecção de duas das principais vias da época medieval no país parece ter-se refletido apenas na grandeza do edifício, que foi sendo completamente transformado, sobretudo nos séculos XIII e XVIII. À sua volta pouco deve ter mudado, e com tempo podemos percorrer um dos trilhos pedestres assinalados na zona para o comprovar, como o “Caminhos Verdes”: entre pedaços de uma via romana, uma ponte antiquíssima e uma nora que ainda funciona de vez em quando, vamos dar a uma aldeia abandonada e intacta, onde podemos continuar a imaginar monges e agricultores cruzando-se entre os muros de granito que cercam os campos.

O segundo Mosteiro, que marca o outro extremo do percurso norte, prima, pelo contrário, pela delicadeza do recorte e por estar ali desde o século XI mas encontrando-se agora rodeado pelas casas de Ferreira. Considerado caso único no românico português, esta é uma das mais belas construções do percurso, com o seu campanário duplo e a entrada debruada a canudos de pedra que lembram a renda de um decote. Pelo caminho ficam ainda umas seis igrejinhas de pedra nua e tamanho muito humano, destinadas mais a acolher do que a impressionar. Competem entre si pela delicadeza do rendilhado dos pórticos, rosáceas, pinturas murais e demais pormenores decorativos e arquitetónicos, que as distinguem e tornam únicas.

Mas como nem só de monumentos se faz o caminho e estamos em região de vinho verde; uma merenda bem regada numa das quintas da zona anima qualquer descoberta e é uma oportunidade para provar especialidades da zona, como o queijo e o Pão-de-ló de Margaride especialidade que uma vez experimentada obriga à visita das suas origens, numa casa cheia de caráter no centro de Felgueiras. Para terminar o dia, recomenda-se um pôr-do-sol na Citânia de Sanfins, gigantesca “metrópole” da Idade do Ferro equilibrada no cimo de um monte, com vista sobre os vales do alto dos seus muros redondos.

Percurso Sul – Paredes, Penafiel, Castelo de Paiva

Rios Paiva e Douro, na Rota do Românico
Vista sobre a Ilha dos Amores, na confluência dos rios Paiva e Douro

Começa e acaba junto ao Rio Sousa, o percurso mais a sul, e abrange um troço magnífico junto à confluência dos rios Paiva e Douro, com o umbigo da Ilha dos Amores, redonda e arborizada, a marcar a união de duas águas. E se o Paiva já tem credenciais no rafting em Portugal, o Douro é aqui um espelho que convida, pelo menos, a uns passeiozinhos de bote até à ilha, um piquenique nas margens, e uma mudança de ponto de vista ao percorrer um dos caminhos pedestres da zona. No outro extremo do caminho, o Rio Sousa estreita-se numa garganta de pedra conhecida por Senhora do Salto, palco de modernas escaladas e antigas lendas, nomeadamente a do cavaleiro salvo do abismo por Nossa Senhora.

E o românico? Continua por todo o lado e apresenta algumas raridades, como dois monumentos funerários do século XIII, de um tipo que se diz ser exclusivo de Portugal: o Marmoiral de Sobrado, em Castelo de Paiva, e o Memorial da Ermida, perto de Penafiel. Ambos assinalam túmulos ou a passagem de cortejos fúnebres, e ambos são apontados como lugares de descanso do cortejo fúnebre da beata D. Mafalda, neta de D. Afonso Henriques, em direção a Arouca, onde foi sepultada. Mais antigos ainda são o menir de Luzim e as gravuras rupestres conhecidas por “pegadinhas de S. Gonçalo” que assinalam uma presença megalítica na região.

E a não perder são também mais dois exemplos de edifícios religiosos, pelo valor histórico, mas sobretudo pela sua beleza. Um deles, o Mosteiro de S. Pedro de Cête, apesar de, ao contrário de todos os outros, estar em parte completamente arruinado e ao abandono, pode ser românico em estilo, mas é sobretudo romântico pela localização, num larguinho empedrado e arborizado junto a um espigueiro, campos de lavoura e casas de granito. À porta esperam três túmulos, e no interior está um claustro intacto e tranquilo. Este deve ser um dos locais mais aprazíveis do percurso, uma das joias que justificam a visita com hora marcada, obrigatória para conhecer os interiores dos monumentos.

Aldeia preservada de Quintandona
Aldeia preservada de Quintandona

A Igreja de S. Gens de Boelhe, pelo contrário, vive mais do lado de fora. É pequenina e delicada, e fica num nível mais baixo do que a estrada, como se o peso dos anos a estivesse a afundar. O belíssimo pórtico esculpido está acompanhado por uma ara devotiva, e uma voltinha em redor mostra duas curiosidades especialmente interessantes: a concentração de pedras com as siglas (marcas) do pedreiro – como era costume na época, para depois se fazer contas com o artista – é enorme, e os cachorros decorativos, que rodeiam a zona onde o telhado encontra as paredes, apresentam uma fantástica diversidade de figurinhas, de cabeças de touro a um homem de mão no queixo, num pensamento fincado em pedra desde o século XIII.

Das belezas da zona ainda sobra muito que ver, como três igrejinhas, um mosteiro e uma ermida, a Torre do Castelo de Aguiar de Sousa, muito destruída, mas que constitui um belo miradouro sobre a região, e a aldeia preservada de Quintandona, com as suas belas casas de xisto, granito amarelo e ardósia. Vale bem a pena ficar os quatro dias propostos pela Rota do Românico para uma descoberta mais completa, organizar um percurso com caminhadas em plena natureza, encontros com a cultura, a história, e também a gastronomia regional – não esquecer que estamos em terra de Bolinhos de Amor.

O Românico em Portugal

A arquitetura românica expandiu-se durante o reinado de D. Afonso Henriques, nomeadamente através da construção da Sé de Lisboa, de Coimbra e do Porto, e do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Os principais responsáveis pela encomenda de obras são os bispos das dioceses de Braga, Coimbra, Porto, Lamego, Viseu, Lisboa e Évora. O estilo românico vai aparecer sobretudo no noroeste e centro de Portugal graças à organização do território, que aqui tem como base dioceses e paróquias; a igreja é o ponto central da vida das comunidades rurais que se estruturam em seu redor.

Originário da primeira metade do século XI na Borgonha, no Languedoc, no Auvergne e no sudoeste de França, o estilo românico chega a Portugal através da Reconquista, e caracteriza-se por ser marcadamente religioso, tendo como base fenómenos tipicamente medievais, como a vida religiosa no isolamento, o culto das relíquias e as peregrinações. No Vale do Sousa o estilo toma algumas particularidades que o distinguem de outros românicos, nomeadamente nas entradas, muitas vezes ornamentadas com esculturas geométricas, vegetalistas e animalistas, imagens que atuariam como defesa dos templos. O trabalho da pedra retoma práticas visigóticas e moçárabes, recorrendo à talha em bisel, que reforça os jogos de luz e sombra dos desenhos. A maior parte das igrejas retoma ainda modelos anteriores pré-românicos, e inspira-se na decoração das Sés de Coimbra, Porto e Braga, criando no seu todo uma corrente artística própria.

Mosteiro de S. Pedro de Ferreira
Mosteiro de S. Pedro de Ferreira
Pormenor de pórtico
A Rota do Românico no outono
A Rota do Românico no outono

Guia de viagens ao Vale do Sousa

Este é um guia prático para viagens ao Vale do Sousa, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na Rota do Românico.

Quando ir

Todo o ano, de preferência num dia seco, já que a Rota do Românico vive muito das paisagens e das visitas ao ar livre.

Como chegar

Os principais acessos são a A4/IP4 (direção Matosinhos, Valongo, Paredes, Penafiel) e a A7 (Póvoa de Varzim, Guimarães, Felgueiras), a A41/42 e a A11. Aconselha-se o uso de viatura própria ou alugada (pode alugar em Felgueiras, Passos de Ferreira ou Penafiel) para fazer os percursos, já que os transportes públicos não abundam.

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Hotéis no Vale do Sousa

Há muitos hotéis de diversas classes e estilos, mas a visita combina melhor com o turismo rural; o Hotel Rural da Quinta da Vista Alegre, por exemplo, a dois passos do centro de Freamunde, é um verdadeiro oásis com vista sobre o vale; e a Quinta de Lourosa, em Lousada, é um belo e bem situado espaço enoturístico, entre vinhedos que produzem um belíssimo vinho.

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Restaurantes

Para os apreciadores da comida regional portuguesa, o lugar indicado é o Restaurante Santa Quitéria, em Felgueiras, que para além dos pratos mais tradicionais com cabrito e bacalhau, também se mostra capaz de fazer frente a vegetarianos. Há muitas mais opções espalhadas pela Rota, e ainda resistem muitas tabernas populares onde se pode petiscar com uma caneca de vinho da casa na frente; a Adega Sporting, em Castelo de Paiva, é uma delas, e fica mesmo no centro da vila.

Informações úteis

A região abrangida pela Rota do Românico fica a leste do Porto, com o Percurso do Norte (11 monumentos) e o do Sul (10 monumentos) a tomarem o nome lógico em relação à sua localização. Uma visita independente é perfeitamente possível, uma vez que os percursos e monumentos estão muito bem assinalados; no entanto, para visitar os interiores de igrejas e mosteiros e ter explicações suplementares sobre os locais, terá de marcar com três dias de antecedência através dos telefones 255 610 706 ou 918 116 488, pelo correio eletrónico rrvs@valsousa.pt, ou pessoalmente, na sede da Rota, sita na Praça D. António Meireles 45, em Lousada. Existem quatro Centros de Informação da Rota do Românico com técnicos intérpretes do património, localizados no Mosteiro de Pombeiro, na Torre de Vilar, em S. Pedro de Ferreira e no Mosteiro de Paço de Sousa. A abertura dos edifícios a visitar não é paga, mas é cobrada uma taxa de serviço que ronda os 4€.

O Guia da Rota do Românico, à venda nos Postos de Turismo, tem tudo o que é preciso saber sobre a Rota e usufruir da região, incluindo mapas e muitas fotos.

O site oficial é riquíssimo em informações práticas e teóricas, e permite fazer download de percursos de um, dois e quatro dias na região, ou criar o seu próprio percurso; pode consultá-lo em www.rotadoromanico.com.

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Ana Isabel Mineiro

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