Quem visita a Índia fica-se sobretudo pelos Estados do Norte, ou vai a Goa e visita os templos do Sul. A costa Oeste, nomeadamente a do Estado de Orissa, continua a receber mais turistas indianos do que estrangeiros nas suas praias e centros de peregrinação. Um roteiro de viagem a Orissa, a Índia desconhecida.
Retrato de Orissa
Da meia dúzia de vezes que estive na Índia, país-continente do qual se diz suscitar uma atracção irresistível ou uma repulsa definitiva, poucas vezes revisitei lugares que não sejam as cidades onde aterram os aviões, como Nova Deli ou Bombaim. Uma honrosa excepção foi Varanasi, onde ainda me imagino a voltar mais uma vez.
Mas é o Estado de Orissa que me povoa os sonhos indianos de regresso à terra do caril e do incenso. A sua costa, que conheci num trecho breve entre Bubaneshwar e Puri, não perdeu a candura da Índia profunda, onde ainda podemos partilhar as areias brancas das praias com os pescadores e os templos ornamentados com os peregrinos.
Depois de um breve período de “fama” entre a comunidade hippie dos anos 60 e 70, que acorreu à zona quando descobriu que havia lojas autorizadas de haxixe, a costa de Orissa regressou ao seu papel de estância de veraneio para os bengaleses de Calcutá, que aqui gostam de passar férias.
Os estrangeiros continuam a chegar, instalando-se em alguns luxuosos resorts e hotéis que foram crescendo ao longo das praias, aproveitando a areia branca e o mar quente. Mas o Orissa nunca será a Tailândia: em Puri podemos encontrar belas praias, mas também encontramos um dos mais fortes bastiões do hinduísmo, e o templo de Jagannath constitui um verdadeiro íman para milhões de peregrinos que aqui se deslocam todos os anos, sobretudo durante o festival de Rath Yatra.
Logo depois da costa começa a planície de arrozais que se estende até a um interior mais montanhoso e igualmente verde, que escondeu até há relativamente pouco tempo a existência de sessenta e duas tribos, algumas vivendo na Idade do Ferro. Neste momento o turismo e a desflorestação já começaram a erodir estas culturas, os seus têxteis e cerâmicas já são vendidos como artesanato, as suas danças podem ser vistas em centros culturais de Bubaneshwar, a capital do Estado.
E com uma autorização oficial fornecida por uma agência já se faz visitas guiadas a algumas aldeias indígenas, sobretudo em dias de mercado. Mas também há grandes Parques Naturais que protegem um extenso grupo faunístico, que inclui o tigre de Bengala, leopardos, crocodilos e elefantes selvagens, e o Parque de Simlipal é considerado um dos mais belos da Índia.
O contraste é grande com a capital, Bubaneshwar, que tem o ar de uma cidade que cresceu depressa demais e de forma caótica. Trânsito e peões atropelam-se nas ruas poeirentas onde é difícil encontrar um restaurante.
O centro, Bindu Sagar, fica junto aos templos e é bem mais interessante, embora partilhe a confusão do resto da cidade, aumentado ainda pela profusão de peregrinos que entram e saem dos lugares sagrados. Ao contrário do que é comum na maior parte dos templos hindus do Sul, os não-hindus também podem entrar, mediante um donativo.
A arquitectura é diferente de tudo o resto que podemos encontrar na Índia, e apesar de “só” restarem uns quinhentos templos dos cerca de sete mil originais, construídos entre os séculos VII e XIII em redor ou nas proximidades do grande tanque de Bindusagar, o complexo continua impressionante. As torres mais altas, construídas em pedra cinzenta, têm a forma de garrafas de refrigerante gigantescas, cápsula incluída, mas estão finamente trabalhadas de cima a baixo com motivos geométricos, florais e humanos.
Oferece-se grinaldas de flores junto às imagens dos deuses e as abluções rituais são feitas no grande tanque, ao mesmo tempo que se lava a roupa ou se rapa o cabelo, ao som suave de sininhos e vozes que ecoam no recinto.
O Templo do Sol indiano
A apenas sessenta e cinco quilómetros de distância fica Konarak, vila indiana indistinta de tantas outras não fora o justamente famoso e protegido pela UNESCO Templo do Sol, apontado como o supra-sumo da arquitectura e técnicas decorativas de Orissa. Foi construído no século XIII pelo rei Narasimhadeva e, se já não atrai peregrinos religiosos, continua a atrair muitos dos que peregrinam por amor à arte e à história.
A viagem de Bubaneshwar faz-se em pouco mais de uma hora e não tem história a nível de paisagens avistadas da janela do autocarro, mas pode ser mais um bom momento de convívio com o povo indiano; instalados aos vinte e cinco numa carrinha de quinze lugares, aprendemos as alegrias da comunicação com os parceiros que se sentam em cima de nós.
Está sempre a acontecer na Índia, mas não consigo habituar-me e manter-me séria quando que me sinto transformada numa atracção turística, com perguntas em catadupas e contínuos pedidos de poses para fotos. O Templo do Sol foi um desses lugares, e os meus amáveis companheiros de viagem não me deram muito tempo a sós com as pedras.
O templo está anunciado por um pórtico impressionante decorado por dois leões laterais em pose de ataque que esmagam dois elefantes, que por sua vez calcam dois humanos. Não se trata de um monumento que impressione pelo tamanho desmesurado; é uma pirâmide de calcário e granito escuro relativamente pequena e de aspecto compacto, cuja magia reside na concepção e na arte dos escultores, que não deixaram um centímetro de pedra sem um relevo.
O edifício principal tem o desenho de uma das grandes carruagens cobertas usadas ainda hoje em grandes festivais religiosos, como o Rath Yatra de Puri, reproduzindo a carruagem onde se desloca o Rei-Sol pelo firmamento, conduzido por sete cavalos (só um está intacto), simbolizando os sete dias da semana, e suportado por doze rodas finamente trabalhadas, que são os doze meses do ano.
Tudo criado em pedra, com encaixes perfeitos que não requerem a ajuda de qualquer argamassa, as paredes cobertas de flores e desenhos abstractos, mas sobretudo de figuras divinas – e outras nem tanto, como dançarinas e casais em acrobáticas poses amorosas saídas directamente do Kama Sutra.
Esteve coberto por vegetação e areia durante séculos, até ser recuperado pelos ingleses, mas apesar de se encontrar parcialmente arruinado continua impressionante. Situado à beira-mar na altura da construção, o templo fica agora a uns três quilómetros da costa, numa área de colinas bem arborizadas.
A costa de Orissa
Puri fica apenas a trinta e cinco quilómetros de Konarak, e possui uma praia extensa onde os pescadores continuam a chegar com os seus barcos artesanais de velas em forma de barbatanas de tubarão. A qualquer hora do dia, as velas são às dezenas na linha do horizonte e há centenas de pescadores na praia puxando os barcos feitos com três troncos grossos de madeira para fora da água; a avaliar pelo esforço, parece impossível que consigam flutuar.
Os pescadores descarregam depois o peixe e as mulheres encarregam-se de o separar em montes. Infelizmente certas zonas do areal também são as latrinas das casas de folha de coqueiro que se estendem junto à água, e o cheiro pode ser nauseabundo.
Ao chegar, descobri que o autocarro parava bastante longe da praia, obrigando a um transporte suplementar até lá; um riquexó levou-me então mais próximo da costa, onde fica a maioria dos hotéis e restaurantes. As primeiras impressões são as de um areal imenso onde turistas indianos, os homens de camisola interior e calças arregaçadas, as mulheres de sari, apreciavam as vistas e tiravam fotos aos pescadores como se tivessem vindo do outro lado do mundo.
Também se encontra turistas do outro lado do mundo, bastante mais despidos, mas a curiosidade provocada pela falta de hábito de ver gente “nua” acaba por levar os estrangeiros a serem mais discretos, mantendo-se geralmente dentro dos recintos dos hotéis.
Come-se bem em Puri, a atmosfera é relaxante e a praia enorme – daí a sua fama como estância de férias. E para os interessados, indianos ou não, ainda oferece o bónus de ser um dos lugares de peregrinação mais importantes do país: o Templo de Jagannath.
Esta é uma das mais populares transfigurações de Krishna, até porque a seus olhos as castas não existem – e estamos num estado em que a conversão de membros das castas mais baixas ao cristianismo já levou a assassínios e manifestações violentas por parte de fundamentalistas hindus.
O ambiente em volta do templo é hipnotizante, tal a quantidade de gente e actividades fora do comum para olhos europeus: um coro de mendigos sacudia as suas marmitas na frente de todos os que passavam, uma enorme vaca preta era afagada e alimentada por peregrinos vestidos de branco, sacerdotes descalços e com ”tilaks” coloridos na testa ofereceram-nos doces junto à entrada, mas informaram-nos que o interior estava vedado a não-hindus.
As ruas estão carregadas de quinquilharia sagrada, como em qualquer santuário religioso, mas os edifícios em volta mantêm-se a custo de pé desde o tempo dos ingleses. O cenário é colorido, vibrante, em constante mudança, e embebe-nos numa sensação de intemporalidade, que é um dos segredos deste país; de algum modo, por alguma razão, sabemos que o que vemos hoje já era assim há muitas centenas de anos e vai concerteza continuar imutável.
Guia de viagens a Orissa
Este é um guia prático para viagens a Orissa, na Índia, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região de Bubaneshwar.
Sobre Orissa
Orissa é um Estado da Índia, situado na zona Leste do subcontinente, na Baía de Bengala. A estreita tira de terra que antecede o mar é muito fértil e sustenta praticamente os 37,7 milhões de habitantes do Estado. Cerca de 85% da população vive em aldeias e apesar de terem uma língua oficial, o oriya, são menos de 60% os alfabetizados.
É um dos Estados indianos onde vivem mais tribos indígenas (cerca de 25% dos habitantes), sobretudo nas montanhas, preservadas de algum modo por várias áreas designadas como de protecção da natureza, como por exemplo no Lago Chilka, que também é um dos maiores da Ásia e o maior lago costeiro do país. Os cristãos, que são apenas cerca de 2,4 %, têm sido acusados de conversão ao cristianismo das castas mais baixas, o que já levou a várias acções violentas por parte de fundamentalistas hindus, que incluíram assassínios e destruição de casas e lojas.
Quando ir
É melhor programar a viagem para o Inverno, a partir de Outubro. Os melhores meses são Janeiro e Fevereiro, quando o calor abranda e a chuva também. Situado a Sul do Trópico de Câncer, este Estado é muito quente e frequentemente afectado por tempestades tropicais, sobretudo entre Junho e Setembro.
Como chegar a Bubaneshwar
Voar para Bubaneshwar, a capital, não é possível sem duas paragens: uma em Paris, com um voo da Air France, e outra em Mumbai (Bombaim) para mudar para o voo interno de uma companhia local. O preço deverá rondar os 950 Euros. A zona é mais acessível, em termos económicos e geográficos, se estiver de visita ao Sul do país e apanhar um comboio, por exemplo entre Chennai (Madrasta) e Bubaneshwar.
Onde ficar
Bubaneshwar: se as suas exigências se ficarem pela higiene, o Hotel Pushpak, em Kalpana Square, é bom e está bem localizado, perto da estação ferroviária e não muito longe do aeroporto. Os preços rondam os 15 a 30 euros, dependendo do conforto do quarto. Também tem restaurante, o que resolve o problema de andar à procura de um pela cidade. Se procura mais luxos, como internet ou uma piscina para se refrescar, o Trident Hilton pode ser uma boa opção. Fica a 6 quilómetros da cidade, integrado num jardim, e um duplo começa nos 200 euros. Pode fazer base em Bubaneshwar para visitas de um dia a Puri e Konarak, mas se quiser passar uns dias na praia, pode ficar num dos muitos hotéis que têm vindo a nascer junto à costa. O Hotel Derby, ou o Z Hotel, na CT Road Area, têm boas referências na relação qualidade-preço e também possuem pequenos restaurantes.
Pesquisar hotéis em Bubaneshwar
Gastronomia
Os restaurantes são sempre mais voláteis que os hotéis; o melhor será confiar nos restaurantes do local onde está alojado. Em Bubaneshwar pode experimentar o Khana Khazana, em Kalpana Square, para provar a cozinha local indiana. Em Puri, recomenda-se o restaurante Achha, por exemplo, que tem comida vegetariana e peixe; na zona de CT Road encontra desde uma pizzaria a comida chinesa.
A comida é geralmente muito picante para o palato português, sobretudo nos restaurantes mais populares, mas vale a pena experimentar: esta é uma das melhores e mais ricas gastronomias do mundo e, se o Estado de Bengala, mesmo ao lado, é a pátria das doçarias, o de Orissa é conhecido pelas suas especialidades de peixe e marisco. Não esqueça as regras básicas da higiene: mãos muito bem lavadas, nada de frutas com casca ou qualquer tipo de comida crua, como saladas. Água, só engarrafada ou desinfectada.
Informações úteis
É necessário pedir um visto no Consulado da Índia, Rua Pêro da Covilhã 16, em Lisboa (tel. 213041090). Um euro vale aproximadamente 67 Rupias Indianas e a Índia é, realmente, um país muito barato, a nível de alimentação, dormida e transportes. Existem ATMs em todas as cidades. A língua de comunicação é o inglês, falada a nível básico por grande parte da população – pelo menos por aquela parte que frequentou a escola ou que está ligada aos serviços turísticos. Aconselha-se também um forte repelente de mosquitos e protector solar de nível máximo.
Seguro de viagem
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