Não é difícil gostar do Sul de França e querer voltar vezes sem conta à região da Provença. Para variar, nada melhor que conhecer alguns recantos que permitem fugir à azáfama da costa e regalar os olhos em lugares bonitos, que ainda mantêm um lado selvagem e rústico. Relato de uma viagem ao coração da Provença.
Bem preservada Provença
Se é verdade que a natureza molda os caracteres, também estes costumam moldar a paisagem a seu gosto. Na Provença, a uma natureza sem sobressaltos, onde um céu quase sempre azul pontifica sobre um relevo harmonioso, sem mais dramatismos que não seja o despontar de uma fraga cinzenta numa seara, corresponde uma presença humana igualmente discreta e sem grandes surpresas.
Mas há pequenas surpresas: rios antigos que cavaram gargantas na rocha arenosa, colinas avermelhadas de ocre, aldeias feitas da mesma pedra e da mesma cor do chão de onde se levantam, construídas em lugares inexpugnáveis. E também a surpresa da água, que brota em nascentes ocultas, ou entra, salgada, pela terra dentro em canais estreitos, misturando ao verde seco do maquis o azul intenso do Mediterrâneo.
Podemos começar a descoberta pela costa. Marselha, por exemplo, para que o contraste da grande cidade com estes lugares, dos mais belos do Sul de França, realce ainda mais a pacatez e a rusticidade do interior da Provença.
Da praia para o campo e numa área relativamente pequena, passamos por alguns destinos menos conhecidos dos portugueses, mas que mantêm ainda um charme de outros tempos, aliado a uma beleza natural igualmente bem preservada.
Cassis, nome de fruto
Marselha é uma cidade costeira cheia daquele rústico latino já que anuncia a Córsega e o sul de Itália. O seu porto foi fundado por navegadores gregos em 600 a.C. e, ainda hoje, apesar de ser a segunda maior cidade de França, continua a ser conhecida por este porto – e pelos seus condutores loucos. Buliçosa e desordenada, é uma verdadeira metrópole mediterrânica cujo charme vem mais do seu forte carácter do que da sua sofisticação, como é o caso de outras cidades da costa Sul francesa. Mas fujamos dos grandes centros ruidosos e procuremos o silêncio do mato perfumado, só interrompido pelo cantar das cigarras.
Perto de Marselha fica Cassis, com as suas calanques, calhetas estreitas de um mar turquesa e transparente onde os barcos ancorados parecem planar sobre a água. A sua falésia é a mais alta da costa e, no porto, os barcos dos pescadores cederam lugar às embarcações de recreio, ressoando no ar o sotaque parisiense dos seus proprietários.
Das bagas de cassis que lhe deram o nome não vi sinais, na vegetação rala que cobre as falésias brancas de calcário, onde se escondem soberbas casas de Verão; apenas as gelatarias propõem um delicioso sorvete vermelho que nos deixa saborear o nome, tão fresco e vistoso como a povoação.
O desfile de veraneantes é contínuo e espalha-se das minúsculas praias de pedra às ruelas estreitas da vila, de aspecto tradicional mas completamente devotadas ao turismo: hotéis e pensões, cafés e restaurantes, lojas de souvenirs, montras cheias de óculos de sol, fatos de banho e chinelos de praia a condizer.
As calhetas começam logo ali. Podem visitar-se a pé, passando de uma para outra durante horas e horas, ou fazê-lo num dos barcos de aluguer que propõem percursos ao longo da costa. Algumas estão transformadas em marinas naturais, e os barcos fundeiam em duas longas filas rente a cada parede, lado a lado, como num parque de estacionamento. Outras são selvagens, e só a rocha clara e os arbustos secos assistem à entrada do mar em terra, braços de um azul-piscina ensombrado pelo verde-escuro dos pinheiros. No fim da cada calheta há sempre uma pequena praia de calhaus, onde só chega quem gosta de caminhar – uma garantia de sossego.
Cenários de filme na Provença
Esta é a primeira impressão, quando percorremos algumas das aldeias tradicionais da zona do Luberon. De Marselha chegamos a Aix-en-Provence, e daí alcançamos Pertuis, depois de atravessar o Rio Durance. Só na Provença ficam dezassete das 141 povoações classificadas como “As mais belas Aldeias de França”. E só nesta zona há uma boa meia dúzia, tão próximas umas das outras que facilmente as poderíamos visitar num dia – o que seria um grande disparate.
Passe o chamariz turístico, a recuperação de muitas delas, tenham ou não o prestigiado título, atingiu o patamar da perfeição. E claro que vários realizadores franceses se aperceberam de que qualquer uma delas constitui um cenário já pronto, para contar em filme uma história de tempos passados: são vários os filmes onde podemos reconhecer as ruas de Ménerbes ou de Ansouis, ou o castelo de Cucuron, entre outros.
As aldeias são todas razoavelmente diferentes, mas cada uma tem o seu charme, e todas pedem um agradável passeio pelas suas sombras. Apenas alguns exemplos: La Tour d’Aigues tem um castelo-museu que justifica bem o nome de “Torre de Águias”; em Ansuis existe um castelo ducal, visitável, e uma colecção de batentes, puxadores de porta, sinetas e outros objectos de ferro forjado fora do comum, que lhe dão um ar de aldeia-museu; Cucuron tem clientela garantida às horas de calor, graças a um grande e fresquíssimo lago ensombrado por fileiras de velhos plátanos.
Daí entra-se nas muralhas, que têm em pontas opostas duas torres de pedra com vistas magníficas sobre um remoinho de ruas estreitas. Lourmarin possui as mais belas fontes, e os seus habitantes gostam de, passada a hora da sesta, abrir as portadas das janelas para mostrar os vasos floridos pendurados no seu interior.
Fora da aldeia, depois dos cerejais, fica um pequeno castelo da Renascença, ajardinado e redondo, que abriga exposições e conferências. Uma após outra, as pequenas povoações de pedra formam um rosário de lugares de sonho, onde apetece comprar uma casinha e ficar por ali – e não falta quem o faça, a avaliar pelas línguas estrangeiras que se vão ouvindo pelas ruas.
A excelência da pedra
O desfile de aldeias tradicionais é apenas interrompido por uma paisagem de colinas, intercalada de casais solitários, semi-ocultos entre vinhedos e pomares. Mais do que em outras zonas, aqui é notório o domínio da pedra. Em camadas horizontais e verticais, as patelas finas de calcário formam muros, casas, pequenos armazéns, igrejas e toda a estrutura arquitectónica necessária a uma povoação. Dois verdadeiros monumentos à pedra ficam muito próximos um do outro, e demonstram a beleza que a pedra nua pode ter: a aldeia de Gordes e a Abadia de Sénanques, imagem de todos os postais, eternamente enquadrada por campos de alfazema.
Construída no século XII pela Ordem de Cister, a Abadia fica num pequeno vale, apenas a quatro quilómetros da aldeia. De linhas sóbrias e sólidas, encarna toda a nobreza da pedra, desde o telhado em “escamas” até às pequenas janelas estratégicas que perfuram as suas paredes cinzentas e severas.
Espalhados pelas redondezas, perdidos por entre azinhais, podemos também encontrar uma série de bories, construções de pedra com telhados cónicos e paredes baixas. Alguns formam mesmo uma pequena aldeia, reconstruída com fins turísticos e bilhete de entrada, mas há muitos outros espalhados pela zona, escondidos pelas giestas.
Ao limpar os campos para as actividades agrícolas, a pedra era aproveitada para construir casas, muros, currais e redis; aos poucos, desenvolveu-se uma técnica de empilhagem dos blocos que não exige madeira nem cimento para que a construção seja sólida e durável. E se é natural, nestas colinas e montes calcários, que este seja o material eleito de todas as construções, não haja dúvida que por aqui as técnicas refinaram.
Depois da Abadia de Sénanques, também a aldeia de Gordes, com as suas casas distribuídas por socalcos e separadas por muros, tem uma imagem de presépio em bruto, decorado apenas pelos penachos verdes dos ciprestes. Desde o cimo da colina rochosa onde foi construída, encimada pelo castelo, praças e ruas principais, os campos ainda são divididos por muros que usam a antiga técnica de empilhagem.
Gordes parece escorregar pela encosta até ao fundo do vale, por onde serpenteia a estrada secundária que leva à aldeia. Ao longe, as suas casas miúdas parecem pedras gigantescas; ao perto, unem-se numa muralha que lhe dá o aspecto de uma fortaleza.
Verde-água
Para onde quer que se olhe, a extensão de céu parece bem maior que a de terra, e a água traz algumas das mais belas surpresas naturais da região. Que dizer da fonte de Vaucluse, extraordinária nascente natural que atinge uma profundidade superior a trezentos metros abaixo do nível do mar? Petrarca, impressionado pelo fenómeno natural e pela extraordinária beleza da zona, passou aqui alguns períodos da sua vida, entre 1337 e 1353, e aqui escreveu alguns dos seus mais inspirados sonetos.
É verdade que hoje temos de fechar os olhos ao longo do circo de quinquilharias à venda no caminho de acesso, para só os abrir junto ao enorme poço verde da nascente. Mas mesmo assim vale a pena: a falésia que a rodeia, com mais de duzentos metros de altura, faz-nos sentir que descemos por um poço até à linha de água. E que água: de um verde especial que muda com a luz do dia, a nascente tem o ar misterioso que fica bem a um lugar que ainda não revelou todos os seus segredos.
Vaucluse não fica longe de Gordes. Mas é no sentido oposto que descobrimos um abrigo, neste solo despenteado pelo vento mistral, e mais uma vez se trata de uma criação da água: as falésias inesperadas, as estreitas gargantas de Oppedette, escondidas pela vegetação. As gargantas do Verdon, para os lados de Manosque, são famosas e imponentes demais para passarem despercebidas.
Mas as de Oppedette, pequenas e delicadas, são menos conhecidas e frequentadas, talvez por terem uma escala humana, tal como a aldeia com o mesmo nome, que mais parece um pequeno presépio provençal. O canhão estreito que se abre na rocha mantém-se oculto até chegarmos quase ao pé do precipício. Carreiros com apoios metálicos ajudam-nos a descer até à água, lá no fundo, que forma pequenas piscinas límpidas. Há sombra, água fresca, piares de pássaros e um refúgio contra o vento – o lugar ideal para um piquenique.
Depois é só subir pela parede oposta, por chaminés de rocha onde há degraus escavados e escadas metálicas, que ajudam os caminhantes a chegar de novo à aldeia.
Provença, terra de fogo
As coisas da terra sempre foram a riqueza local, sobretudo antes da chegada do turismo. Ate en Provence (Apt) é uma das cidades mais importantes da zona, e há séculos que conserva o glorioso título de “capital da fruta cristalizada”.
Para lá da fruta, do vinho e do azeite, também o ocre já foi uma indústria lucrativa, mas agora encontra-se quase reduzida ao seu interesse artístico, com um Conservatório dos Ocres e Pigmentos a oferecer visitas guiadas ao antigo centro de transformação, cursos de Verão e workshops sobre o seu uso. E nas alturas de tempestade não se deve ser apanhado nas antigas minas de ocre, que em minutos se transformam em lamaçais alaranjados, manchando irremediavelmente tudo o que tocam.
A aldeia de Roussillon possui ainda uma área de exploração, com carreiros assinalados para as visitas turísticas, quilómetros de cores intensas e formas inesperadas. Colinas e falésias, pinhais de chão cor de fogo, o verde-escuro das árvores a recortar-se nos tons dourados da terra. A própria aldeia tomou a cor do solo, tendo as suas casa a tonalidade afogueada deste pigmento natural, dos castanhos ao amarelo-torrado. Os artistas não deixaram de colaborar com este louvor a um material em desuso, e na pequena vila abundam galerias de arte com exposições permanentes e coloridas, nomeadamente na área da pintura.
Mas o lugar mais dramático é talvez Rustrel, a poucos quilómetros de Roussillon, uma outra antiga mina de ocre com trilhos assinalados. Para além de uma área maior, onde a paleta de cores vai do branco ao ruivo, há formações geológicas que chegam a ser espantosas: chaminés, torres, redemoinhos escavados no solo, cogumelos gigantes… Qualquer um dos percursos nos faz pensar que estamos noutro planeta, enquanto o pó alaranjado nos vai cobrindo as botas, e as flores brancas dos cistos enchem o ar de um perfume doce e intenso.
Um cantinho chamado Provença
Para melhor identificarmos estes recantos sossegados da Provença, convém apontarmos no mapa a zona de França onde se situam. A região tem por nome Provence-Alpes-Côte D’Azur e engloba três áreas distintas: a da Provença propriamente dita, cuja cidade principal é Avignon, a zona montanhosa dos Alpes, onde se destaca Digne, e a “Côte”, a famosa e turística costa mediterrânica, cuja entrada (nesta região) é Marselha.
À excepção da cidadezinha costeira de Cassis, o resto do nosso itinerário situa-se no “arrière-pays”, as zonas interiores onde é mais fácil fugir ao bulício nos meses de Verão. Assim, a maior parte dos lugares mencionados ficam no departamento de Vaucluse. Alguns deles, como as zonas de exploração de ocre do Roussillon e de Rustrel, assim como as aldeias típicas entre Ménerbes e Pertuis, ficam no Parque Regional do Luberon. A área é pequena e dá-nos uma excelente ideia sobre o que há de melhor na Provença.
Guia de viagens à Provença
Este é um guia prático para viagens à Provença, em França, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar e sugestões de actividades na região.
Quando ir
O clima não é um problema na Provença, mas se quiser os sítios só para si, o melhor é evitar os meses de Verão e os fins-de-semana.
Como chegar
Antes de mais, é preciso chegar a Marselha, de automóvel ou de autocarro (há ligações directas com Lisboa), uma vez que não há voos directos. Aí, para bem visitar toda a zona, o melhor é ter veículo próprio (ou alugar um carro) e um bom mapa das estradas: os lugares referidos são todos fora dos grandes centros, onde há facilidade de transportes.
Onde ficar
As cidades de Apt ou Pertuis podem constituir bons pontos de apoio para visitar esta parte de França. Os preços dos alojamentos na Provença são altos, mas não falta escolha, desde o parque de campismo municipal aos hotéis de charme ou turismo de habitação, e a maior parte das aldeias também tem alojamento para oferta. Apenas alguns exemplos: em Apt, o Relais de Roquefure; em Pertuis, o Hotel Best Western Sevan.
Restaurantes
Como estamos em França, comer nunca é problema. Um dos restaurantes mais conhecidos é o L’Olivier – Sevan (também hotel), em Pertuis, na Route de Manosque. Outro conceituado é o Restaurant Le Boulevard, em Apt, no boulevard J-B Pécout, 50.
Seguro de viagem
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