Quinta de Santo António, um lugar com histórias

Por Ana Isabel Mineiro

Se no Minho são comuns as longas histórias contadas à lareira, a Quinta de Santo António, esplendidamente posicionada em Monção com vista sobre serras de Espanha, proporciona-nos a ocasião de ficarmos alojados no cenário de uma delas. Relato de uma agradável visita à casa de turismo rural Quinta de Santo António.

Quinta de Santo António

“O nome era Eido de Santa Luzia, mas só soube quando fui registar a Quinta como de Santo António, por causa dos quatro António que aqui viveram”, diz-nos Judite Ranhada Alves Moreira, proprietária da Quinta. Não se sabe a data da sua construção; o documento mais antigo é de 1830, mas a casa principal já existia bem antes, tendo sido construções posteriores a chamada Casa do Padeiro e os palheiros. Pertencia a um certo cambista com negócios na Galiza, de nome António Luís Marques que, nesse início do século XIX, e como era comum na época, trouxe consigo, para servir como criada, uma das filhas de uma família galega onde costumava albergar-se.

Para abreviar a saborosa história, digamos que dos amores com o filho do patrão (como também era comum na época) nasceram uma filha, que a mãe conseguiu registar como legítima quando o pai estava às portas da morte, e um filho, que nasceu já depois da morte do pai e, como tal, ilegítimo e sem direito a herança, emigrou para o Brasil em busca de fortuna – outra coisa muito comum na época.

Em 1885, no regresso triunfante de António Luís Marques – tal como no romance Cem Anos de Solidão, nesta família os homens tomam sempre o nome do pai e do avô -, o filho pródigo compra a casa à herdeira, sua irmã, e inicia as intervenções arquitetónicas “à brasileira”: da casa original fez nascer uma verdadeira mansão em granito, com um sótão que se salienta na curva do telhado. A casa foi estucada por fora e por dentro, e à volta das janelas pintou-se uma barra de pedra fingida. Como era moda, o teto e as paredes interiores receberam profusas decorações em gesso, como as duas mãos unidas à cabeceira da cama ou as seis cabeças que decoram uma casa de banho, e as portas interiores, em madeira de castanho, foram pintadas de modo a imitar pinho; “fazia-se isso com rabos de bacalhau”, explica a proprietária. A adega e a cozinha, com a sua coluna central em granito, ficaram intactas. Construiu-se, no socalco superior, palheiros e arrecadações de material agrícola e, contígua à casa principal e à eira, onde pontifica um canastro (“aqui ninguém lhes chama espigueiros!”), nasceu a chamada Casa do Padeiro, por causa do seu forno interior, que na verdade era o local de trabalho do alfaiate do brasileiro.

Estamos portanto – quem diria! – frente a uma casa de emigrante. Talvez por isso, na altura de restaurar, houve algum trabalho a fazer: antes de mais, despir as paredes. “Quis ver se as paredes de granito tinham sido feitas para estar nuas, e tinham: a pedra era certinha e bonita. Infelizmente, a minha tia tinha mandado desfazer dois fornos na entrada da cozinha, um para carnes e outro para pão, para construir uma casa de banho”, diz a herdeira da quinta.

O alçapão da cozinha, por onde se atirava comida aos porcos, desapareceu debaixo de tijoleira – e com ele foram os porcos: a parte de baixo da casa tem agora uma sala com garrafeira e uma suite. Os palheiros arderam por ocasião de um dos longos serões minhotos onde se juntavam os vizinhos em convívio, chegando armados de fachoqueiras (tochas de palha). O novo edifício, totalmente reconstruído em blocos de granito, é maior do que o original e possui dois quartos no lugar do alambique, com mobília simples que não desdenha a antiguidade do local.

Do lado esquerdo, uma pequena placa de azulejos anuncia a Sala Melgaço, onde é servido o pequeno-almoço ou a ocasional refeição encomendada. Na parte de trás, o quinteiro foi aproveitado para fazer mais um apartamento, e outros dois nasceram na parte de cima dos palheiros, todos equipados com uma pequena cozinha adjacente às suites. Toque final é a piscina aberta no centro deste grupo de casas, que refresca e ilumina o granito que a cerca.

Verde Minho” não é uma expressão feita para o turismo; mesmo em ano de seca, a província é verde a perder de vista, com casinhas espalhadas pelas encostas e fragas a anunciarem-se nos cumes; o próprio Rio Minho, que corre no fundo do vale onde se alinham Valença, Monção e Melgaço, é de um verde plácido. A Quinta de Santo António fica no sopé das serranias do Gerês – uma das entradas do Parque Nacional, a de Lamas de Mouro, fica a vinte quilómetros -, em Sá, entre Monção e Melgaço, a uns meros cento e cinquenta quilómetros do Porto.

A paisagem que se avista dos apartamentos do Palheiro, sobre a piscina, o vale e as serras de Espanha, está pintada ora de verde, ora com o amarelo e branco das maias e dos codeços, e o amarelo do tojo mistura-se com o roxo das urzes entre os pinhais, nas zonas que não estão ocupadas por vinhas de Alvarinho. Para que os mais ativos possam explorar a natureza, a Quinta estabeleceu parcerias com entidades que organizam, rafting, caminhadas, cicloturismo, etc. E a poucos quilómetros, junto à capela da Senhora da Cabeça, foi inaugurada uma ecopista que permite um agradável passeio pedestre até Valença, pelos trilhos desativados do comboio.

E como é que este magnífico recanto do Alto Minho veio parar às mãos de Judite Ranhada? Pois bem, esta história de época não acabou com o regresso do brasileiro. Querendo casar, este cobiçou uma jovem de uma aldeia próxima, que mantinha namoro com o (futuro) avô de Judite, a trabalhar em Lisboa. O pai, ao comparar as riquezas dos dois pretendentes, não teve dúvidas em forçar a filha a fazer o casamento. E anos mais tarde – voltas do destino – um filho do casal, do qual é desnecessário repetir o nome, veio a casar com uma filha do seu avô “rejeitado”, que entretanto também tinha tomado esposa. Essa tia materna, de nome Aurora, que “sempre teve uma preferência especial por mim”, nunca teve filhos e deixou-lhe a propriedade em herança depois de viver os últimos anos na sua casa do Porto: palheiros, casas, cortes de animais, alambique, adega e quinteiro, cerca de um hectare de terreno no total.

Os interiores, à medida que foram restaurados ou reconstruídos, foram sendo decorados com as peças que aí se encontravam: do tempo do primeiro dono, o cambista, podemos ainda encontrar um banco e uma mesa na sala de jogos, assim como um crucifixo dos séculos XVII/XVIII; do “brasileiro”, podemos ver o alambique, um antigo pote de três pernas, algum mobiliário e mesmo um dos seus baús de viagem, que o terá acompanhado no Brasil e ainda tem as suas iniciais. Ainda existe também o piano da sua mulher e um tapete tecido por esta, numa das paredes da Casa do Padeiro, para além de objectos de tecelagem. A pia da fonte, na pequena rampa que leva à casa principal, era onde a comida caía aos porcos pelo alçapão da cozinha…

Neste momento é uma filha de Judite, Deborah, quem dirige a Quinta, e foi graças ao conselho de uma cunhada sua que este património foi aberto ao turismo, em 1986. Diz a proprietária: “Tenho três filhos; tinha pensado refazer os palheiros, que estavam em ruínas, para um deles; a Casa do Padeiro para outro e arranjar a casa principal para o terceiro, para poderem fazer férias todos juntos…” Actualmente, a casa principal é ocupada pela família, sendo o resto dedicado inteiramente ao turismo. Os terrenos estão plantados com Alvarinho, e os socalcos mais próximos têm frutas da época que os hóspedes são autorizados a saborear, e ainda são utilizados para fazer deliciosas compotas e doces caseiros, servidos ao pequeno-almoço e vendidos no local. E enquanto repousamos rodeados de granito e verde, saboreando estes frutos da terra, aguardamos mais episódios da já longa história da Quinta de Santo António, que certamente serão aditados ao livrinho com a história da casa, que aguarda cada visitante na privacidade do seu quarto.

Reservar Quinta de Santo António

Guia prático

Este é um pequeno guia com informação prática para planear a sua estadia na casa de turismo rural Quinta de Santo António.

Como chegar à Quinta de Santo António

Do Porto siga a autoestrada A3 em direção a Valença, a partir de onde deverá seguir pela N101 em direção a Monção e Melgaço. Doze quilómetros depois de Melgaço, na localidade em Penso, encontrará uma placa a indicar a Quinta de Santo António – vire e 150 metros adiante chegará à antiga estrada Monção – Melgaço, onde deve virar à direita e continuar seguindo a indicações das placas.

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Ana Isabel Mineiro

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