
Água a mais de vinte graus e uma tira de areia branca a debruar a baía de água azul-turquesa, com uma pequena ilha pontiaguda a delimitar o azul do mar e o do céu. É assim Raf Raf, uma das praias “secretas” dos tunisinos, que ainda estão a salvo de resorts e entregues à população, que alegremente as enche durante o verão. E ali ao lado fica Ghar el-Mehl, um plácido passeio pela história do país.
A praia de Raf Raf
Quem não conhece as praias mediterrânicas, nem que seja apenas de fotos ou descrições? Mar temperado, areia branca, uma meteorologia quase sempre amável… e a imagem que vem a seguir é a de intermináveis hotéis e resorts exclusivos. A Tunísia não é excepção, mas na costa norte ainda há praias fantásticas onde reina o povo, e os turistas são aves raras. Raf Raf foi descoberta assim; primeiro o nome singular, escrito num guia, descrevendo-a como uma bela praia sossegada entre a capital, Tunes, e a cidade de Bizerte.
E ali próximo o mapa mostrava o porto de Ghar el-Mehl, com nada menos do que três velhos fortes otomanos assinalados, testemunhos de uma época que se prolongou até à colonização pelos franceses. Em fuga de uma capital a escaldar, rumámos a uma costa que imaginámos plena de história e sossego, à descoberta das praias que ainda escapam aos resorts que tornam o país popular entre os veraneantes europeus.
A viagem é um tal desfilar de montes e campos verdes, pomares de maçãs, ameixas, pêssegos, vinhas e meloais, que fazem esquecer os postais com praias de sonho e dunas com camelos que atraem ao país a maior parte dos turistas. E na beira da estrada esta fartura está à venda, por bom preço. Os montes que descem até ao mar estão cobertos por uma vegetação mediterrânica cerrada, feita de pinheiros mansos e arbustos perfumados que fornecem uma sombra escassa – e o casario branco de Raf Raf é uma pequena mancha entalada entre este verde e o turquesa da água, com uma ilha pontiaguda ao fundo, a demarcar a linha entre o azul do mar e o azul do céu.
A estrada desce por Raf Raf Ville e continua até Raf Raf Plage, que não tem saída; contorna casinhas sazonais de veraneio e termina num pequeno pinhal com um carreiro que dá acesso à praia. O local é francamente agradável, com os excessos de cimento e conforto, proporcionados pelos hotéis que habitualmente abundam na costa, substituídos por um grande e amplo areal debruado por uma falésia, que por sua vez se levanta num monte coberto de vegetação.
E junto à água o ambiente é animado. A praia está cheia de tunisinos e não de turistas estrangeiros, e debaixo dos guarda-sóis de aluguer, em vez dos costumeiros loiros a ler intermináveis livros, há grupos em conversa, famílias inteiras com mulheres de lenço, vestidas da cabeça aos pés. O apoio de praia aluga guarda-sóis e cadeiras, fornece bebidas frescas e shisha (cachimbo de água), que perfuma o ar com aromas de maçã. Senhoras de djellaba e lenço na cabeça entram na água e dão mergulhos, ou ficam por ali a saltar as ondas suaves – ninguém, velhos ou novos, se escusa a provar desta água morna. E como julho e agosto são os meses em que os emigrantes, radicados sobretudo em França, vêm passar algum tempo à terra”, também vão aparecendo alguns fatos de banho e biquinis, que procuram rapidamente a discrição da água.
Barcos de pesca deslocam-se lentamente ao longo do horizonte, enquanto ao longo da areia passam de vez em quando uns seres cinzentos, quais extraterrestres extraviados em busca de sol. Pareciam ter origem no fundo da praia, no lugar longínquo onde o areal acaba na montanha – nada que não se possa investigar num passeio tranquilo, com os pés metidos na água cor de piscina.
E a resposta está num buraco na parede íngreme da falésia, onde se junta um grupo de pessoas à espera de vez, para recolher em garrafas de plástico a pasta de argila que ali se forma naturalmente. Rapazes e raparigas aplicam-na em todo o corpo, incluindo o cabelo, transformando-se assim naqueles seres acinzentados que vemos passar. Só os homens adultos parecem declinar este tratamento spa gratuito.
Um jovem instruiu-me: aplica-se, deixa-se durante meia hora, e depois tira-se mergulhando na água do mar. “E faz bem a quê?”, perguntei. “A tudo. Deus fez-nos com argila, não foi? Por isso a argila faz bem a tudo”. E lá regressei eu ao areal com a cara pintada com aquele cinzento refrescante que depois seca, e se transforma numa máscara que nos impede de mexer a boca – até irmos à água, e se dar o milagre do riso e da fala.
A mesquita está tão próxima que quase faz sombra na areia, e não é o marulhar deste mar suave que cobre o apelo à oração. O muezzin faz as vezes do sino de uma igreja, e quem assim entende sabe que está na altura de rezar; meia hora mais tarde, um punhado de homens sai da mesquita pintada de um amarelo fresco, despedindo-se dos amigos e colocando os seus grandes chapéus de palha na cabeça antes de seguir caminho.
Um passeio pela história da Tunísia
Mas a praia também cansa, mesmo quando é quase perfeita. Depois de um almoço na sombra de uma esplanada tranquila – coisa simples, composta de pão tabouna e salada mechouia – rumámos ao tranquilo porto de Ghar el-Mehl pelas estradinhas da costa, bem assinaladas e com vista para o mar. Ali esperam há séculos os três fortes otomanos, agora recuperados e abertos a visitas. Já acolheram escravos, viram ancorar enormes galeões, e o porto não deixa de lembrar um cenário para um filme de piratas, com as suas arcadas de pedra e os canhões apontados para o mar. Mas agora só os barquinhos dos pescadores balançam nas águas calmas, ao lado dos emaranhados verdes das redes de pesca.
Os espanhóis repararam no local em 1535, quando aí se esconderam antes de atacar La Goulette; chamaram-lhe Porto Farina, e no início do século XIX chegou a ser a principal base naval de Tunes. Uma doca fortificada foi aqui construída pelos otomanos no século XVII, quando a sua lagoa era um lugar ideal para esconder os barcos das pilhagens dos piratas. Ao mesmo tempo cresceram armazéns e blocos para os escravos, com o Borj (forte) el Wustani como protecção.
Apesar de destruído pelos britânicos ainda durante o mesmo século, foi reconstruído e ganhou mais dois “irmãos”, um de cada lado: o Borj Tunes e o Borj Loutani. No seu tempo constituíram uma certa inovação arquitectónica, com as suas torres octogonais, novidade trazida por mestres construtores vindos da Andaluzia – os séculos XVI e XVII na Tunísia, foram os da invasão turca e da chegada de milhares de refugiados muçulmanos da Andaluzia.
Tunes tornou-se a capital de uma província otomana com elos longínquos de ligação à Turquia.
A ocupação otomana acabou por resultar em dinastias de beis ou regentes, e no século XVIII o bey de Tunes ainda construiu em Ghar el-Mehl um palácio (que já não existe) e protegeu o porto com uma muralha, transformando Porto Farina na maior base naval da cidade. Mas os acessos ao porto foram assoreando, e gradualmente chegou ao metro de profundidade que tem hoje, deixando de ser possível usá-lo com barcos de grande tonelagem.
A história ainda pode ser contada pelas paredes espessas dos fortes rodeados por grandes fossos, mas agora a povoação vive ao ritmo das estações do ano e do regresso dos pescadores. O verão é bastante mais agitado, graças aos veraneantes que procuram a praia de Sidi Ali el-Mekki, seis quilómetros mais adiante, ou que vão em peregrinação ao marabu (nome dado a um homem santo e o seu mausoléu) com o mesmo nome.
Uma esplanada junto à doca serve bebidas frescas a horas convenientes, ou seja, depois da sesta, que na época do calor é muito respeitada. Aqui sabe bem terminar um dia que foi de banhos, aproveitando os últimos raios de sol enquanto a paisagem doira e os barquitos entram na marina, vigiados pela estátua minúscula de um cavaleiro empoleirada no fim do muro. Depois da surpresa de uma praia animada, a costa norte da Tunísia tem também destes recantos nostálgicos, onde o mesmo mar morno onde vamos a banhos também nos conta outras histórias.
Guia de viagens a Raf Raf
Este é um guia prático para viagens a Raf Raf, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis em Raf Raf e atividades na região.
Quando ir
A zona está acessível todo o ano, e as épocas de chuva e temperaturas são similares às do sul de Portugal; o verão pode ser quente demais, com temperaturas a chegarem aos 40º (ou mais), mas ainda assim nada comparável com o escaldante sul do país.
Como chegar a Raf Raf
A Tunisair tem voos directos para Tunes uma vez por semana, no inverno, e duas durante o verão. O voo dura cerca de duas horas e um quarto, e ronda os 400 , dependendo da época. Do aeroporto para o centro da capital pode apanhar um táxi ou o autocarro nº 35, que pára junto à Avenida Bourguiba. Raf Raf e Ghar el-Mehl não são bem servidos de transportes públicos: apenas um autocarro diário para cada uma das povoações. Mas para quem tem veículo próprio, são o lugar ideal para um dia fora da capital, e é fácil sair de Tunes pela auto-estrada em direcção a Bizerte, seguindo em Utique o desvio para a pequena estrada costeira, que está bem assinalada.
Onde ficar e comer
O mais fácil é ficar em Tunes e ir passar um dia à praia; nas proximidades da medina há, pelo menos, uma dezena de hotéis económicos na zona das ruas de Barcelone e Yougoslavie, junto à Av. Bourguiba, na sua maior parte antigos e sem luxos, mas limpos. Um deles é o Omrane, na Av. Farhat Hached, onde um quarto duplo com pequeno-almoço buffet fica por cerca de 80 Dinares tunisinos (cerca de 50 ) na época alta. Para um pouco mais de luxo, pode escolher o Hotel Carlton, na Av. Bourguiba. Raf Raf tem mais casas para alugar à semana ou ao mês do que hotéis, mas pode sempre informar-se localmente sobre lugares para ficar. Comer em Raf Raf é fácil: existem vários restaurantes perto da praia a oferta é principalmente de peixe fresco e saladas.
Informações úteis
A Tunísia é o mais pequeno dos países do Magreb; tem cerca de uma vez e meia o tamanho de Portugal e sensivelmente a mesma população. A língua oficial é o árabe, mas o francês está amplamente divulgado. Para entrar no país é preciso apenas um passaporte válido. A moeda é o Dinar, e 1 vale cerca de 1,70 Dinares. O nível de vida em geral é mais baixo do que em Portugal, com preços bastante mais acessíveis, sobretudo na restauração e nos transportes.
O site oficial do Turismo da Tunísia no Reino Unido oferece informação atualizada sobre os principais pontos turísticos do país, incluindo, naturalmente, sobre a região de Raf Raf.
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