Ir a Samarcanda, no Uzbequistão, é uma viagem ao tempo da Rota da Seda, sugerida por uma arquitectura única e personagens de outras épocas, que passeiam por ruas e mercados.
Samarcanda, na Rota da Seda
A paisagem é desértica, atravessada pelo ocasional rio de pouco caudal, encanado e dirigido por aquedutos até locais de cultura, geralmente campos de algodão. Aqui e ali aparecem alguns rebanhos de cabras e ovelhas. Dos grandiosos monumentos de Tamerlão, só vislumbrámos pedaços azuis de cúpulas por entre as primeiras ramadas de árvores que anunciam a cidade. Ao contrário do que é costume, no Uzbequistão as cidades é que são os espaços verdes – o resto é o Deserto Vermelho (Kyzylkum), que se estende sem interrupção do moribundo Mar de Aral até Tashkent, a capital.
Chegámos da única maneira que conseguimos: com reserva de hotéis, visto e título de transporte para o país seguinte – a Rússia – sem os quais não seria possível obter o visto usbeque.
O próprio hotel era mais um vestígio da presença russa, cheio de cortinas e laçarotes, alcatifas e almofadões, a esconderem canos rotos, vidros partidos e camas desconjuntadas.
A simpática recepcionista parecia saída da “Carmen”, com um vistoso e decotado vestido vermelho a combinar com o excesso de maquilhagem. Só falava russo e tajique – a língua da etnia maioritária -, mas conseguiu apontar-nos a direcção do centro histórico da cidade, e escrever o número do trólei que para lá ia. Mas antes que pudéssemos escapar apareceu Andrei, o guia que nos tinham atribuído, um russo franzino que falava inglês.
Fomos então enfiados numa carrinha de seis lugares e passeados pelos lugares mais importantes da cidade, acompanhados pelas intermináveis explicações do Andrei, que tinha tiradas próprias de cidadão privilegiado, recentemente despromovido a minoria étnica: “O nosso povo é muito humilde e hospitaleiro”, dizia dos usbeques; e mais adiante: “Perderam o gosto pela cultura à força de serem conquistados – só se interessam por negócios e dinheiro”
Saindo das largas avenidas de prédios decadentes, entramos na cidade antiga, que possui uma arquitectura simples e equilibrada, de onde despontam minaretes e cúpulas de um azul quase verde. O seu único e elaborado luxo são os delicados trabalhos em mosaico e majólica que decoram mesquitas e mausoléus. Guri Amir, o túmulo de Timur Lang – Timur, o Coxo, a quem chamamos Tamerlão – é um belo exemplo desta arte turco-tártara: um edifício cor de terra de onde se destaca o brilho dos mosaicos.
Ali perto fica a magnífica Praça de Registan, “lugar arenoso”, em tajique, o coração de qualquer cidade centro-asiática. Enquadrada por duas magníficas madrassas (escolas corânicas), é famosa pelos desenhos de animais que decoram uma delas, violação clara do tabu islâmico sobre a representação de seres vivos.
Mas o mais impressionante é a harmonia que exala do conjunto de edifícios, únicos na arte e na atmosfera que recriam. Aqui esperamos mesmo ver caravanas de camelos carregados de rolos de seda e incenso – sem fechar os olhos estamos nas Mil e Uma Noites.
Nos pátios das madrassas, por trás das mesquitas, o que eram as salas de aula e quartinhos dos estudantes são agora – sinais dos tempos – lojinhas de artesanato bem abastecidas nos bordados típicos de grandes florões, conhecidos por suzané. E não há como as mulheres para o negócio.
De lenço amarrado na cabeça e vestido garrido sobre umas calças largas, as usbeques são figuras inevitáveis onde quer que haja comércio. No bazar de Siab, são elas que chamam o cliente, enfiando-lhe nas mãos um punhado de pistáchios ou damascos, para convencer. Outras recrutam estranhos para partilharem o almoço no pátio da casa, a troco de um preço que convém indagar primeiro, para evitar surpresas desagradáveis…
Os traços físicos são uma bonita combinação de olhos rasgados à oriental e tez mediterrânica. Algumas mulheres ainda usam um traço negro a unir as duas sobrancelhas, e os dentes cobertos de ouro são um sinal de riqueza. Há homens, sobretudo os mais idosos, que parecem saídos de outras épocas: barbichas pontiagudas, casaco pelo joelho, botas altas e adaga presa à cinta por uma faixa garrida. Um par de olhos claros e rasgados fixam-nos com uma curiosidade altiva, e os sorrisos não são logo correspondidos. No entanto, saímos do mercado com uvas, pêssegos e um punhado de confeitos oferecidos por vendedores, agradecidos por algumas fotografias e uma dose extra de atenção.
Esta foi a “nossa” Samarcanda, a que visitámos sem guias durante o resto do tempo, transportados num daqueles tróleis caquécticos que nos deixavam junto à estátua de Tamerlão. Revisitámos Bibi Khanym, que foi a maior mesquita do mundo antes do terramoto de 1897. Com um arco de entrada de 35 metros e um gigantesco Corão de mármore, destinado a ser lido do alto do minarete, continua a ser um dos monumentos mais imponentes da cidade.
Mas nada se compara à rua de túmulos de Shahi Zinda, onde repousam algumas das mulheres e capitães de Tamerlão. Ao fim do dia, é comum um grupo de peregrinos vir prestar homenagem no mausoléu de um dos primos de Maomé. Há quem entoe cânticos que ressoam na viela estreita, ecoando nos magníficos jazigos cobertos de arabescos, enquanto o sol doura as suas cúpulas – os cenários de Xerazade ainda são habitados por algumas das suas personagens.
Os cenários de Xerazade
A maior parte dos monumentos de Samarcanda são reconstruções de edifícios dos séculos XIV e XV, que constituem alguns dos mais belos exemplos da arquitectura e artes decorativas islâmicas da Ásia Central. Só aqui se encontram exemplos dos três tipos de edifícios religiosos muçulmanos (mesquitas, madrassas e mausoléus), elaborados num estilo que em mais lado nenhum lado floresceu desta maneira.
Com a invasão das hordas de Gengiscão, desapareceram quase todas as marcas da arte árabe pré-islâmica. Tamerlão iniciou a reconstrução de Samarcanda com a mão-de-obra de artistas e artesãos dos quatro cantos dos territórios conquistados. Foi desta fusão de estilos do mundo árabe, persa, do Cáucaso e da Índia, que nasceram as linhas únicas da sua arquitectura, hoje protegidas pela UNESCO.
A sua característica mais visível é a inevitável cúpula – por vezes mais que uma – de um azul-turquesa inconfundível. Revestidas a azulejos, chegam a atingir tamanhos impressionantes, assim como os portais de entrada, formados por grandes arcos decorados geralmente com motivos florais ou geométricos, que aligeiram as proporções dos monumentos. Reforçando a harmonia, as cores repetem-se: muitos azuis e verdes, menos amarelos e vermelhos.
Na Praça de Registan, no centro da cidade e a pouca distância de todos os outros pontos de interesse, encontramos um conjunto de madrassas e mesquitas que exemplifica a grandeza e delicadeza do estilo. Os edifícios são uma orgia de azulejos, mosaicos e majólica, trabalho que consiste em formar desenhos com pedaços de azulejo.
Fachadas, pátios centrais, falsos minaretes e cúpulas, tudo está coberto por milhares de bocadinhos reluzentes e coloridos de cerâmica. Não fora a delicadeza dos motivos e este horror aos espaços vazios poderia tornar-se cansativo. Os dois grandes tigres amarelos, que aparecem sobre o portal de uma das madrassas, são um elemento contraditório e tardio, que não está muito bem explicado.
Um local disse-nos que a proibição da representação de seres vivos era “só para os xiitas, e nós somos sunitas”. Seja qual for o motivo, a “madrassa do tigre” é das mais exemplares construções da época, provavelmente no mundo inteiro.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens a Samarcanda, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.
Como chegar a Samarcanda
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Onde ficar
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Informações úteis
A embaixada do Uzbequistão mais próxima parece continuar a ser a de Paris, por isso, o melhor é tratar de tudo através de uma agência de viagens. O inglês é a língua estrangeira mais falada, embora ainda o seja por poucos.
A água é muito duvidosa, mas há garrafas de água pura à venda, e pode sempre levar comprimidos purificadores. Também os produtos lácteos não costumam ser pasteurizados, pelo que devem ser evitados. Os polícias são outra das ameaças “à saude” – pelo menos mental – do viajante. Têm o desagradável hábito de pedir os documentos aos estrangeiros e tentar descobrir qualquer coisa de “errado” para extorquir dinheiro. Conselho: anuncie que deixou o passaporte no hotel e desloque-se com o guarda até lá, para o poder mostrar em frente ao máximo de testemunhas que puder.
Seguro de viagem
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Boas a todos os portugueses! Recomendo a todos visitar o Samarcande – cidade histórica e cultural- cidade em que vivo e nasci. Se houver alguma pergunta pode me escrever no facebook – Шамсия Бону.