Há pouco mais de 700 gorilas de montanha em todo o mundo e mais de metade habitam a Floresta Impenetrável de Bwindi, no sudoeste do Uganda. Caminhei, suei, escorreguei e cai na peugada da família Shongi, com quem privei no coração da floresta. Um privilégio inolvidável.
A manhã não podia ter começado de forma menos promissora. Steven, o ranger da Uganda Wildlife Authority responsável por liderar a minha visita aos gorilas de montanha, avisou mal cheguei à entrada do parque natural da Floresta Impenetrável de Bwindi, habitat de boa parte dos poucos gorilas de montanha ainda existentes no planeta: “Vamos começar mais cedo, os gorilas estão em movimento”. Mau sinal, pensei, vai ser um dia longo e extenuante: se os gorilas se estão a afastar, espera-nos uma longa e penosa caminhada no seu encalço.
Dois dias antes, em Kabale, tinha estado com um grupo de viajantes eslovenos no seu regresso de Bwindi; uns tinham encontrado os gorilas após quatro horas de caminhada, outros por volta das 13:00, e os menos afortunados só bem perto das 16:00, quase oito horas depois de terem começado a caminhar.
Estava, por isso, preparado para o pior cenário. Na mochila, além de todo o equipamento fotográfico, um polar e um pequeno impermeável, carregava um rolex (omeleta enrolada num chapatti) e uma sanduíche, várias barras de cereais, chocolates, fruta e uns bons 3,5 litros de água e sumos. Eram 7:30 da manhã e Steven anunciou a partida.
À frente da coluna com sete estrangeiros – seis australianos a meio de uma viagem terrestre por África, e eu próprio -, Steven e a sua faca de mato iam abrindo caminho na “floresta impenetrável”; na retaguarda, um guarda armado para qualquer eventualidade. “Os elefantes são os animais mais perigosos que há em Bwindi”, aclarou Steven.
A humidade era intensa, das árvores e arbustos caiam pingas grossas do orvalho matinal, o piso estava lamacento e extremamente escorregadio. Andava numa espécie de montanha-russa pela Floresta Impenetrável de Bwindi, subindo e descendo e caindo nas colinas do parque – terei caído umas cinco ou seis vezes na primeira hora e meia de caminhada, apesar do walking stick –, enquanto os primeiros raios de sol tentavam furar a vegetação que, à medida que ia penetrando na floresta, se ia tornando cada vez mais densa.
Vi inúmeras espécies de pássaros, as temidas formigas “safari” (Dorylus), minhocas gigantescas; ouvi chinfrineira provocada por um grupo de chimpanzés que não consegui vislumbrar (“são muito tímidos”, justificou Steven); e até um trilho perigosamente recente deixado pela passagem de um elefante – por pouco não nos cruzámos com ele.
Os batedores comunicavam frequentemente com Steven a propósito das movimentações do grupo de gorilas Shongi, o nosso objectivo final. Acompanhavam o grupo desde muito cedo, monitorizando a sua localização e transmitindo-a aos rangers. Certa vez, depois de Steven parar um minuto e falar ao walkie-talkie com os batedores pela enésima vez, inquiri: “Então, boas ou más notícias?”. “Boas notícias”, respondeu, sem mais detalhes. Fiquei mais entusiasmado, sem saber no entanto se a resposta era sincera ou uma táctica para manter a grupo animado.
Mais tarde percebi. Ouvimos uns barulhos de animais a pouca distância, Steven parou no meio da floresta e pediu uns minutos: “esperem aqui, vou ver que animais andam por ali”. Provavelmente já sabia a resposta; nós não. Minutos depois, voltou impávido e sereno e, sem qualquer excitação visível na sua face, anunciou com uma certa formalidade: “tenho-vos a anunciar que os gorilas estão aqui”. Naquele instante, senti o nervoso miudinho dos grandes momentos, aquele que antecede algo imprevisível e arriscado mas seguramente marcante: tinha finalmente alcançado os gorilas de montanha.
Antes de prosseguirmos, Steven explicou o que tinha entretanto acontecido: os batedores reportaram que os gorilas estavam, de facto, a afastar-se, mas posteriormente inverteram a marcha em direcção ao local onde tinham dormido na noite anterior, porque ali havia uns pequenos frutos vermelhos que os gorilas adoravam; era exactamente onde estávamos naquele momento. E relembrou as regras: “só podem ficar na companhia dos gorilas durante uma hora, devem manter uma distância nunca inferior a sete metros, não coloquem as mochilas no chão, devem falar baixo e esconder os bastões e, muito importante, caso um gorila corra na vossa direcção nunca, mas nunca corram: abaixem-se, mantenham-se quietos e não olhem o gorila nos olhos”. E concretizou o perigo: “se correrem, serão considerados suspeitos, uma ameaça, e atacados pelos gorilas”. Faltavam poucos minutos para as dez da manhã. A excitação aumentava.
Estava Steven a dar as últimas indicações quando avistei o primeiro gorila descendo uma árvore a vinte metros de distância. Rejubilei. Instintivamente, apontei e avisei os companheiros de caminhada, ao que Steven ordenou: “vamos ter com eles!”
O grupo Shongi é formado por 10 elementos, entre os quais um silverback – o macho dominante, de costas prateadas – e alguns machos jovens. Não há crias na família, mas Steven assegurou que há fêmeas grávidas. “Os gorilas só têm um filho de cinco em cinco anos, porque os bebés precisam dos cuidados das mães durante muito tempo”, informou o ranger.
Era hora de refeição. Os gorilas estavam no chão da floresta, ocupados a alimentarem-se de folhas de pequenos arbustos. Havia muitos ramos partidos pelo chão, e de vez em quando batiam as mãos no peito com força, fazendo um barulho seco e bem audível, enquanto vocalizavam sons intimidatórios.
Quando o imponente silverback subiu a uma árvore para se alimentar dos seus frutos vermelhos, três outros elementos do grupo seguiram-no árvore acima. “Vamos esperar que eles desçam, não queremos importunar a sua alimentação agora”, disse Steven. Os gorilas partiam ramos da árvore para chegarem aos frutos mais maduros, e os ramos acabavam invariavelmente por ser atirados ao chão bem perto de onde me encontrava. Terão passado uns bons 20 minutos de alimentação e muitos gases – para risota geral – até que o macho dominante desceu, seguido pelo resto do grupo.
Já com os gorilas todos de volta ao solo, às tantas, um jovem macho dirigiu-se com ar ameaçador em direcção a uma companheira de viagem. Ela ficou petrificada. Eu estava logo atrás, na direcção do gorila, agachei-me como mandam as regras e, por instantes, quedei-me como que anestesiado a ver o meu antepassado arreganhar os dentes em direcção a nós. Talvez o tenhamos olhado nos olhos – é difícil ser racional e não o fazer num momento de tensão como aquele -, porque o que se seguiu foi um momento curioso e inesperado: o gorila aproximou-se ainda mais e deu-lhe uma palmada no rabo, antes de se afastar passando a meio metro de distância de mim. A viajante australiana ficou com as lágrimas nos olhos, não sei se de medo ou da emoção: “Está a testar se és ou não uma ameaça para o grupo”, explicou-lhe Steven.
Pouco depois (o tempo voa quando estamos bem!), a indicação indesejada: “faltam poucos minutos para deixarmos os gorilas, tirem as últimas fotos ao silverback que temos de ir embora”.
Estava imensamente deslumbrado. O que começou com a previsão de uma longa e duríssima jornada em busca de um grupo de gorilas em movimento terminou sendo, afinal, um dia afortunado: “Vocês tiveram muita sorte; nunca tinha encontrado os gorilas tão cedo, e ainda os conseguiram ver a alimentarem-se tanto no chão como nas árvores”, resumiu Steven no regresso. Esperavam-me ainda duas horas de caminhada até à entrada do parque que a UNESCO classificou como Património Mundial, mas entretanto o solo tinha secado ligeiramente e estava menos lamacento, tornando a progressão menos custosa. Além disso, após o objectivo concretizado eu estava já totalmente descomprimido.
Na minha cabeça ecoava a palavra “sorte”. Pela rapidez com que encontrámos os primatas, é verdade, mas principalmente pelo privilégio que foram aqueles 60 minutos de contacto com os gorilas. Só há cerca de 700 gorilas de montanha em todo o mundo e eu tinha acabado de estar com meia dúzia desses primatas ameaçados. Um privilégio inolvidável.
Habituação de gorilas
Há, desde há várias décadas, grupos de gorilas de montanha habituados à presença do homem, inicialmente para fins científicos (investigação sobre os seus hábitos e comportamentos), e atualmente também para fins turísticos.
O processo de habituação dos gorilas é um processo lento e complexo, que envolve a exposição gradual dos primatas à presença humana ao longo de dois a três anos. Os rangers passam diariamente tempo com os gorilas, mimetizam o seu comportamento simulando alimentarem-se da mesma forma e fazendo idênticos sons, até eventualmente ganharem a confiança do grupo.
O objetivo último é que os gorilas passem a olhar o homem com alguma indiferença e, como tal, dispensem a agressividade própria de quem defende o seu território ou família de potenciais inimigos. Só assim é possível a visita dos turistas – uma forma importante de obtenção de rendimentos que potenciem a conservação da espécie e dos seus habitats.
Apesar as dúvidas éticas (há quem defenda que a habituação interfere com o comportamento animal, além da possibilidade de transmissão de doenças dos humanos para os primatas), uma coisa parece ser muito provável: sem a criação dos parques naturais e sem o dinheiro proveniente do turismo, há muito que os gorilas teriam desaparecido às mãos dos caçadores ilegais.
Guia de viagens a Bwindi
Este é um guia prático para trekkings aos gorilas de montanha de Bwindi, no Uganda, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, os melhores hotéis e sugestões de atividades na região.
Como chegar
Não há voos diretos entre Portugal e o Uganda ou Ruanda, mas várias companhias aéreas, incluindo a KLM, a British Airways, a Emirates e a Turkish Airlines voam de Lisboa para Entebbe (aeroporto que serve Kampala) ou Kigali, por preços mínimos atualmente a rondar os 800-900€, ida e volta.
A partir de Kampala, há vários autocarros que fazem a ligação a Kabale, alguns dos quais continuam até Kisoro. Partem normalmente entre as 7:00 e as 8:00, com preços a rondar os 25.000 shillings ugandeses (cerca de 7€, 8 horas de viagem), e há várias companhias a operar a rota; recomendamos a Post Bus, que sai do edifício principal dos correios ugandeses, na Kampala Rd (convém comprar bilhete na véspera, ou chegar por volta das 6:30).
Tendo por objetivo combinar o Ruanda com uma visita à região sudoeste do Uganda, aterrar em Kigali é uma opção a considerar. A partir de Kigali, no Ruanda, a viagem de autocarro para Kabale é mais rápida mas implica atravessar a fronteira terrestre em Katuna ou Cyanika e pagar dois vistos (Uganda e Ruanda – sendo que este último não pode ser obtido no aeroporto).
Para chegar de Kabale ou Kisoro até o ponto de partida das caminhadas, na Floresta Impenetrável de Bwindi, as coisas são mais complicadas.
Como organizar a visita aos gorilas
Se comprou um pacote a um operador local – como a Adventure Travellers -, é muito provável que o mesmo inclua a autorização emitida pela Uganda Wildlife Authority (UWA) para visitar os gorilas, o alojamento e o transporte até à Floresta Impenetrável de Bwindi, pelo que não terá grandes preocupações com qualquer destes itens.
Caso opte por visitar Bwindi de forma independente, os procedimentos são mais complexos. É sobre esses que convém escrever com mais detalhe.
Antes de mais, é preciso obter a autorização – o que deve ser feito com meses de antecedência caso queira visitar um grupo específico de gorilas num dia específico da época alta (julho e agosto). Custa USD500 e, teoricamente, pode ser obtida a partir do estrangeiro junto da UWA com a ajuda de uma transferência bancária internacional, mas a verdade é que o pessoal da UWA nem sempre responde aos emails, inviabilizando todo o processo. Alternativamente, algumas companhias ugandesas reservam as autorizações e vendem-nas mediante o pagamento adicional de USD20 ou USD30. Em último caso, à chegada a Kampala, Kisoro ou Kabale visite os escritórios da UWA, averigúe os lugares disponíveis e compre no local (pagamento apenas em dólares norte-americanos).
Sobre o transporte, a partir de Kisoro ou Kabale, a forma mais confortável é pagar um carro (“special hire”) que o leve até ao ponto de partida da caminhada, espere as horas necessárias e depois retorne à cidade. O problema desta opção é o custo que, no mínimo, pode chegar ao equivalente a USD100, pelo que é conveniente encontrar outros viajantes que vão nas mesmas datas para a mesma entrada em Bwindi – o que nem sempre é fácil. Alternativamente, o mesmo pode ser feito numa boda boda (motorizada) por cerca de metade do preço, mas é uma opção demasiado desconfortável dada a distância e o péssimo estado das estradas.
Se o dinheiro não for problema, a melhor opção é, indubitavelmente, dormir num dos lodges existentes junto às diferentes entradas de Bwindi.
Nota: não conseguindo autorização para visitar os gorilas em Bwindi, é também possível observar gorilas de montanha no Parque Nacional Mgahinga Gorilla, no Uganda, no Parque Nacional dos Virungas, na República Democrática do Congo (USD450; convém verificar as condições de segurança antes de se aventurar no antigo Zaire), e no Parque Nacional dos Vulcões, no Ruanda (USD750).
Floresta Impenetrável de Bwindi: guia de sobrevivência
Uma vez que o terreno é difícil, as condições climatéricas inconstantes e a duração da caminhada imprevisível, é fundamental estar preparado para o pior dos cenários. Leve, por isso, botas de montanha, calças leves (equipamento de trekking, por exemplo), meias compridas para colocar por fora das calças (por causa das formigas “safari”, cujas picadas são dolorosas) e camisola com mangas compridas, além de um casaco impermeável.
No que toca à alimentação, convém levar bastantes líquidos, nomeadamente água e sumos (ou complexos vitamínicos solúveis em água), além de barras de cereais, chocolates, amendoins ou outras fontes de energia, e um par de sanduíches, ovos cozidos e/ou fruta para um almoço frugal a meio da caminhada.
Embora a maioria dos viajantes não o faça, caso prefira o conforto de não carregar peso às suas costas pode contratar a ajuda de carregadores para transportarem a sua mochila.
Por último, não rejeite o bastão de madeira fornecido pelos rangers no início da caminhada: vai precisar dele! E lembre-se: não está num jardim zoológico. Os batedores fazem tudo ao seu alcance para que encontre os gorilas o mais rapidamente possível, mas a experiência tanto pode durar cinco como dez horas, ser razoavelmente acessível ou absolutamente extenuante. É melhor estar prevenido para o pior dos cenários.
Onde ficar
A não ser que disponham de tendas próprias, os viajantes menos endinheirados costumam optar por dormir nas cidades de Kabale ou Kisoro, por oposição aos lodges localizados nas imediações do parque. A desvantagem é que, como convém estar no parque por volta das 7:00, é preciso sair entre as 5:00 e as 5:30 do hotel.
Em Kabale, as opções mais populares no segmento económico são os hostels Home of Edirisa e Kabale Backpackers, situados praticamente lado a lado no centro da cidade.
Em Kisoro, o famoso Travelers Rest Hotel, onde a primatóloga Dian Fossey se alojava com frequência, é o hotel mais requisitado; opções mais económicas incluem a Golden Monkey Guesthouse e o Hotel Virunga, localizados no coração de Kisoro.
Junto ao parque, opte por se alojar próximo do ponto de partida da caminhada até ao grupo de gorilas que vai visitar (há 5 locais diferentes, pelo que convém ter a certeza absoluta do local correto).
Gastronomia do Uganda
O Uganda não é propriamente conhecido pela sua diversidade gastronómica, tendo como uma das poucas especialidades verdadeiramente ugandesas o chamado rolex, uma omeleta enrolada em chapatti muito popular nos vendedores de rua. De resto, a comida local é muito simples e inclui frequentemente arroz, feijões, matoke (uma espécie de puré de banana) e uma pasta de amendoim.
Dicas de viagem
Vistos: O visto do Uganda é facilmente obtido à chegada ao aeroporto de Entebbe, não sendo necessária qualquer formalidade prévia. Custa USD50, pagos na moeda norte-americana no controlo de fronteira.
Dinheiro: Apesar de haver ATM na maioria das cidades e do euro ser aceite nas casas de câmbio do Uganda (um euro vale sensivelmente 3.400 shillings), convém ainda assim transportar dólares norte-americanos em dinheiro, uma vez que o visto, alguns tours e até a permissão para visitar os gorilas de montanha em Bwindi devem ser pagos em USD. Note que, regra geral, no Uganda só se aceitam notas emitidas a partir de 2006; leve de preferência notas de USD50 ou USD100.
Para complementar o planeamento da viagem ao Uganda, visite os sites da Uganda Community Tourism Association e da Pearls of Uganda, organizações que apoiam e promovem experiências culturais com impacto positivo nas comunidades locais, de que são exemplo caminhadas guiadas pela minoria Twa (Batwa) e homestays com famílias locais.
Seguro de viagem
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