O Nanga Parbat é um dos catorze picos que se levantam a mais de oito mil metros de altitude no planeta. Mesmo para quem não pratica alpinismo, é difícil ignorar a sua presença majestosa e a cultura ancestral que se desenrola a seus pés, nos vales que separam os Himalaias da cordilheira do Karakorum, no Paquistão.
Nanga Parbat, a montanha nua
O nosso jipe era azul metálico como uma libélula, descapotável, pequeno mas espaçoso, e o condutor vestia o típico shalwar kamize, com umas igualmente tradicionais sandálias. Só um cachecol lhe dava o ar de quem se dirigia para as montanhas, tudo o resto era bem mais adequado para quem fica no calor de Gilgit, a cidade mais importante das chamadas Áreas do Norte (Northern Areas) paquistanesas. A Estrada do Karakorum, que percorríamos em direcção ao Sul, acompanha o pobre caudal do Rio Indo, no fundo da ravina. A famosa Karakorum Highway não passa de uma tira de alcatrão fino que sofre a sobrecarga diária dos transportes que por ali passam: muitos camiões carregados em direcção à fronteira chinesa e algumas furgonetas e jipes de transporte de passageiros, sobrelotados em ambos os sentidos. Às vezes a estrada desaparece sob as derrocadas de terra empurrada pela neve das montanhas, ou por um rio que renasceu, subitamente, na Primavera, levando tudo à sua passagem. O chão é ressequido, queimado pelo gelo e pela passagem de antigos glaciares, de tal maneira que às vezes a terra está transformada em areia. Só os cumes estão manchados pelo branco ofuscante da neve, e só algumas plataformas naturais no sopé dos montes estão ocupadas por aldeias, as únicas manchas verdes na paisagem. São muitos quilómetros por alguns dos mais belos cenários do mundo, nada menos que uma das pontas da cordilheira do Hindu Kush, a cordilheira do Karakorum e um dos extremos dos Himalaias, conhecido por Montanha Nua – a tradução do nome Nanga Parbat. Esta é a última prega do manto branco dos “Him Alaya” (Morada das Neves), um dos catorze cumes que ultrapassam os oito mil metros, um dos nove nesta cordilheira.
Antes de atravessar o Indo descobrimos um miradouro inestimável; alguém tinha escrito numa rocha “Nanga Parbat”, e desenhado uma seta na sua direcção. Como se fosse possível ver outra coisa que não aquela silhueta branca e maciça no horizonte… Finalmente, após quilómetros de curvas contornando as montanhas e várias pontes “provisórias” em metal instaladas pelo exército, entramos no vale de Astor. O tempo tornou-se ameaçador e a estrada também, reduzida a metade em certos lugares, ocupada por desabamentos de terra.
Tínhamos contratado os serviços do Abdul, originário de Chorit, e nessa noite fomos instalados num salão forrado com carpetes e algumas almofadas, em casa da sua família Apesar dos fios eléctricos passarem por quase todas as aldeias, esta ainda não tem electricidade. Comemos aquecidos por uma velha salamandra e à luz de um candeeiro a petróleo. Das mulheres da família (mãe e irmãs), apenas vimos as sombras fugidias. Foi o pai quem estendeu uma lona no chão, a servir de mesa, e foi trazendo talheres, copos, pratos, e uns estufados deliciosos para acompanhar com o pão quentinho e achatado, acabado de fazer no forno da casa.
No dia seguinte avançámos até Tarashing, que fica no fim do vale, aos pés do Nanga Parbat. Do monte, nem notícias. Abdul apontava a sua direcção, mas apenas conseguíamos ver uma enorme concentração de nuvens que ameaçava chuva ou, pior ainda, neve. A barreira terrosa que marca o fim da aldeia, a seguir ao grande prado onde deixamos o jipe, é nada menos que a moreia de um glaciar. Subimo-la pelo carreiro estreito que toda a gente toma, atrás das filas indianas de gente e bichos que continuam a migração. Abdul explica: “Mal a neve começa a desaparecer, as pessoas sobem o vale de Rupal e instalam-se nas aldeias de Verão; a metade de baixo pertence aos de Tarashing, a de cima aos de Chorit”. Metade de Chorit ainda faz esta transumância todos os anos, para aproveitar os novos pastos e lavrar novas terras. Famílias transportam fogões a lenha, colchões e utensílios de cozinha sobre burricos e dzos. Raparigas tocam as cabras e todos atravessam o glaciar coberto de cascalho, que sobe e desce perigosamente provocando escorregadelas acrobáticas. A azáfama é intensa. Os que já se instalaram começam de imediato a trabalhar, lavrando os campos com a ajuda dos dzos e de arados de madeira com pontas de metal. Como um pincel, o arado vai mudando a cor da terra seca nos pequenos campos de formas caprichosas, dando-lhes um tom castanho mais escuro. Outros já espalham estrume ou semeiam, de saco encostado à barriga por uma mão, enquanto a outra atira a semente.
Acampamento-base Herligkhoffer
Um prado entre uma moreia de glaciar e uma pequena montanha onde despontam as ruínas de uma casa. É aqui que vamos fazer base para caminhadas até ao glaciar e ao monte que queremos apreciar de perto.
Somos saudados por grupos de marmotas ruivas de dorso negro que se escondem entre as pedras e os arbustos de zimbro. Enquanto o acampamento é montado subimos a moreia, onde já começa a despontar uma nova floresta. A vista do cimo é absolutamente espantosa: sob o céu ameaçador estende-se um enorme glaciar coberto por uma camada de terra. As suas ondas geladas, as fendas e vales formados pelo seu movimento permanente descobrem uma textura de pedra branca e pequenos charcos azulados. À volta, todas as montanhas estão cobertas de neve, como se a moreia onde nos equilibramos fosse uma fronteira entre o prado verde e arborizado onde vivem as marmotas e este outro, onde terminam os Himalaias numa última apoteose de neve e gelo. Com um comprimento de dois mil e quinhentos quilómetros e uma largura que atinge os quatrocentos e trinta e cinco, a cordilheira dos Himalaias atravessa território indiano, butanês, nepalês, tibetano e paquistanês. A sua altitude não parou de aumentar desde há cerca de trinta e cinco milhões de anos, resultado da colisão permanente entre a placa indiana e a euro-asiática, formando um verdadeiro continente em elevação. Este é o seu extremo ocidental, antes das cordilheiras do Karakorum e do Hindu Kush, e um dos seus pontos mais altos; o Nanga Parbat tem actualmente cerca de 8.126 metros de altitude. No entanto, não é o cume do Paquistão, em cujo território se situam os 8.611 metros do K2, a segunda montanha mais alta do mundo, no vizinho Karakorum. Mas mesmo para quem não mede as montanhas aos palmos este é, certamente, o maior maciço rochoso do mundo – mas isso só constataríamos mais tarde.
A dois passos do “monstro” que continuava envolto em nuvens, desesperávamos por vê-lo de perto. Já de noite, recolhemos à tenda enregelados pela brisa que soprava do fundo do vale. Teria passado uma hora quando fomos acordados por um estrondo abafado, seguido de um silêncio suspeito; de repente, como se tivessem aberto uma porta gigantesca, rabanadas fortes de vento abanaram a tenda com violência durante algum tempo. Com uma regularidade impressionante este ruído inconfundível seguido de um sopro sucederam-se: estávamos a experimentar a força destrutiva da montanha, apesar da distância a que nos encontramos do sopé. Foram estas terríveis avalanches que deram à Montanha Nua o pouco simpático nome de Montanha Assassina. Desde do século XIX que os alpinistas tentaram o cume, que só foi atingido em 1953 pelo austríaco Hermann Buhl e, até agora, este já se tornou o cemitério de meia centena de pessoas. Antigamente os locais culpavam as fadas, os espíritos e as cobras gigantes da neve pelo desaparecimento sem rasto de dezenas de alpinistas, mas a verdade é que as vertentes a pique, onde até a neve tem dificuldade em segurar-se, e o imprevisível despenhar de toneladas de neve, transformam esta montanha numa potencial “assassina”, por vezes de grupos inteiros; em 1937, uma só avalanche matou dezasseis pessoas da mesma expedição.
Guia de viagens
Este é um guia prático para trekking em Nanga Parbat, no Paquistão, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na região.
Quando viajar para o Paquistão
A única possibilidade é o verão, de meados de junho a meados de setembro. O frio abranda, embora a visibilidade fique por vezes afectada com as nuvens da monção que reina do outro lado das montanhas.
Como chegar
Antes de voar para Islamabad, deve pedir o visto na Embaixada do Paquistão em Lisboa, na Av. da República 20-1. A British Airways voa para Islamabad. A partir daí, ficará nas mãos da agência que escolheu.
Informações úteis
Quando o interesse principal de uma visita ao Paquistão são as Áreas do Norte, o melhor é voar para a capital, Islamabad, depois de conseguir um visto na respectiva embaixada, em Lisboa. Uma vez em Islamabad, chega-se de autocarro à sua “cidade-gémea”, Rawalpindi, de onde partem furgonetas que percorrem a Estrada do Karakorum. O mais comum é que parem em Besham para pernoitar, e só sigam para Gilgit na manhã seguinte. Depois de Besham a estrada tem partes lindíssimas, e há sempre paragens para comer e tomar chá que permitem apreciar um pouco melhor a paisagem.
Em Gilgit, os lugares mais recomendados para ficar são a Horizon Guest House, de Abdul Bari, a Mountain Refuge e a Garden, as duas últimas mais no centro da cidade.
Não falta quem organize este tipo de passeios e expedições um pouco mais arrojadas, incluindo percursos em glaciares e trekkings prolongados. Pessoalmente, recomendamos os serviços de Abdul Bari, mas há concorrência em todas as pensões onde ficam estrangeiros. Não há qualquer tipo de pressão sobre os hóspedes, nem animosidade entre os que prestam serviços. A cordialidade é geral, mas convém comparar preços, regatear um bocadinho e informar-se sobre os serviços prestados que, geralmente, incluem tudo, do transporte de jipe à alimentação, alojamento e material de montanha (tendas e colchões).
É perfeitamente possível fazer esta aproximação ao Nanga Parbat sem contratar um jipe e guia, mas tem de ter tempo, paciência e disponibilidade para recolher informações e comunicar sem a ajuda de uma língua comum. Nas lojas da rua principal encontra-se alimentação “de montanha”, como enlatados, flocos de cereais, chocolates, frutos e sumos, mas se recorrer aos serviços de alguém, geralmente já está tudo incluído. Há transporte público que liga Gilgit a Astor. Quando chega uma mulher, é normal os homens saírem todos para se “arrumarem” de novo nos assentos depois da senhora estar sentada; espera-se que todos, estrangeiros ou não, homens e mulheres, respeitem a maneira como o condutor distribui os lugares. Em Astor terá de arranjar um jipe que vá até Tarashing ou, eventualmente, alugá-lo, se não houver clientes em número suficiente para o fazer seguir; localmente chamam a isto um special, serviço especial. Tanto em Astor como em Tarashing há um ou dois lugares onde comer e dormir. Em Tarashing, só tem de pegar no seu material de montanha e perguntar a direcção do vale de Rupal. Para quem está habituado a caminhar, a subida até aos 3.656 metros do acampamento-base Herligkhoffer é fácil e, de junho a setembro, é possível atravessar o glaciar Bazhin e prosseguir até ao acampamento-base Mazeno, para mais vistas sobre a magnífica Montanha Nua.
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