Não é seguramente por falta de atractivos históricos que a Líbia, ao contrário dos seus vizinhos Tunísia e Egito, continua a ser um destino turístico pouco procurado. Das ruínas de Leptis Magna, Cyrene, Apollonia ou Sabratha, passando pela medina de Tripoli e pelas povoações berberes de Nalut e Kabaw, esta é uma viagem ao interior de um país de extraordinária beleza, com muitos tesouros arqueológicos e seguro como poucos. Venha daí nesta viagem à Tripolitânia e à Cyrenaica, na Líbia.
Tesouros arqueológicos da Líbia
Cheguei ao aeroporto internacional de Tripoli oriundo de Casablanca, desci do avião, passei pela manga e comecei a percorrer o corredor de acesso à imigração quando fui abordado por dois homens bem-parecidos. Eram representantes da agência líbia contratada para apoio logístico nesta viagem.
Não tinha ainda entrado oficialmente em território líbio e já os homens, solícitos, faziam todos os possíveis para tornar a vida do forasteiro simplificada. Pegaram nos passaportes, vociferaram algumas palavras em árabe para o polícia de serviço, a imigração ficou para trás com rapidez e daí a nada abordava já o átrio das chegadas, com a mochila que entretanto havia rebolado no tapete rolante, onde outro elemento da agência – o guia oficial durante os próximos dias – me recebeu com amáveis palavras de boas-vindas.
Ao chegar ao hotel, dei conta que havia deixado algures no aeroporto um blusão, não particularmente caro nem bom, mas ainda assim prático e útil para as noites frias do deserto. Um telefonema e menos de uma hora depois, o casaco abandonado era-me entregue em mãos no lobby do hotel, com todos os pertences intactos nos bolsos. É assim a Líbia.
Verdade seja dita, a Líbia é um dos países mais seguros por onde já viajei, e a relação dos líbios com o dinheiro – ou melhor, com o dinheiro dos turistas – está longe da avidez de outras paragens.
Seja porque o país é rico, seja porque os líbios têm uma vida razoavelmente boa ou seja pelo optimismo com que encaram o futuro após a recente abertura do país ao exterior, a verdade é que os turistas não são encarados como ouro ambulante. São apenas hóspedes que merecem ser bem recebidos.
E isso nota-se no trato quase sempre afável e desinteressado do homem líbio para com o turista… masculino, obviamente, que a turista feminina é quase sempre respeitosamente ignorada, sem olhares nos olhos, num país onde as jovens donzelas nem ao mercado são autorizadas a ir com regularidade, não vá a maledicência alheia manchar a honra da família.
No dia seguinte, eram oito da manhã quando desci do quarto e já Abdul Hafid, o guia turístico, me aguardava no lobby do hotel. Ao cumprimentá-lo, caí finalmente na realidade: por uma vez, não iria viajar de forma independente.
Explicou-me que o programa levar-nos-ia às principais atracções turísticas da Líbia, com vários voos domésticos pelo meio que encurtariam distâncias no imenso território da nação. Que passaríamos por sítios arqueológicos como Leptis Magna, Cyrene, Apollonia e Sabratha, por incríveis gravuras rupestres em Wadi Mathkendoush, por Medinas animadas (em Tripoli) ou belas mas despidas de gente (em Ghadames), e ainda pelas povoações berberes de Nalut e Kabaw.
Tudo isto, naturalmente, para além do deserto, dos seus lagos salgados e dunas sem fim e, principalmente, das noites imensamente estreladas passadas ao relento. Estava então na hora de partir.
Da Tripolitânia à Cyrenaica, um paraíso arqueológico
Os amantes da arqueologia encontram na Líbia um éden por explorar. Há locais de interesse arqueológico com escavações a decorrer, outros com áreas gigantescas por escavar, outros já parcialmente reconstruídos e visitáveis. Comecemos pela costa mediterrânica no Noroeste.
Reza a história que o Império Romano invadiu a região da Tripolitânia – literalmente, “três cidades” -, que engloba a capital Oea (hoje Tripoli), Leptis Magna e Sabratha, em 106 a.C. e que, durante os primeiros dois séculos de ocupação, a Líbia foi bastante próspera e fornecia ao Império um manancial de bens valiosos, nomeadamente oriundos da África subsariana.
Com o declínio do Império Romano, porém, as grandes cidades entraram em decadência acentuada. As suas ruínas são hoje as maiores atracções do país e, se de Oea pouco mais resta do que vestígios de colunas e o imponente arco de Marco Aurélio à entrada da Medina de Tripoli, já Leptis Magna e Sabratha são “apenas” dois dos mais emblemáticos locais arqueológicos do Mediterrâneo e pontos de visita obrigatórios numa viagem à Líbia.
Um pouco mais a Sul, a cidade-oásis de Ghadames é igualmente imperdível, bem como uma povoação berbere de aspecto troglodita chamada Nalut, localizada a meio caminho entre Tripoli e Ghadames, e que possui, provavelmente, o mais belo celeiro de todas as povoações berberes de Jebel Nafusa.
Quanto à Cyrenaica, região menos procurada pelo turismo, localizada no Nordeste da Líbia, próximo de Benghazi – a segunda cidade do país -, tem Cyrene como principal atracção. Depois há Tolmeita, Al Atrum, Qasr Libya e Apollonia, e não é preciso ser um especialista para apreciar a beleza e importância destes locais.
Os celeiros de Nalut e Kabaw
Nalut é uma cidade berbere localizada num esporão da zona montanhosa de Jebel Nafusa, no Noroeste da Líbia. Percorrem-se algumas ruas da antiga povoação com inegável interesse, entre construções de arenito, terra e toros de palmeira tais como mesquitas, o lagar de azeite e casas de habitação, mas o principal objectivo da visita é o imponente Qasr, o “castelo”, que servia para armazenar cereais.
Ao longe, já se adivinha a vista surreal do seu interior, mas só quando se penetra nas suas ruelas através de um pequeno túnel é que o deslumbre se apodera do visitante.
O celeiro de Nalut é um edifício de armazenagem fortificado, com compartimentos onde existem cerâmicas para guardar cereais, azeite e tâmaras. Ainda hoje se encontram inúmeras ânforas espalhadas pelas concavidades das construções. Nas paredes, há inscrições do Corão e símbolos religiosos, como a mão de Fatma – a filha do profeta -, símbolo protector um pouco por todo o mundo islâmico. Se viaja entre Tripoli e Ghadames, uma paragem em Nalut vale cada minuto dispendido.
Não muito longe de Nalut fica outra cidade berbere afamada pelo seu celeiro: Kabaw. Situada num promontório com ruas e becos estreitos e esconsos, culmina no celeiro de planta ovalada com disposição dos armazéns adossados à muralha.
Nas paredes do celeiro existem exíguas plataformas de madeira, em jeito de escada, que serviam de acesso aos armazéns de cada família – onde se guardavam cereais, azeite e água. No centro do complexo encontra-se o túmulo de um líder religioso. Mesmo não sendo tão atractivo e espectacular como o Qasr de Nalut, caso percorra a estrada entre Nalut e Gharyan – para conhecer a cerâmica de Gharyan ou as casas berberes subterrâneas ali existentes – não desperdice a oportunidade de visitar Kabaw.
A magnífica Leptis Magna
É a pérola maior de entre todos os locais arqueológicos da Líbia. Protegida pela UNESCO desde 1982, a cidade de fundação fenícia é por muitos considerada a mais extraordinária do Império Romano em toda a região mediterrânica.
É que, para gáudio dos arqueólogos que no século XX iniciaram as escavações, as estruturas encontravam-se surpreendentemente bem preservadas por acção das areias que as cobriram durante séculos.
Leptis Magna foi edificada numa escala avassaladora – estima-se que no apogeu da cidade tivessem ali vivido 15 mil pessoas – e possui edifícios de beleza arquitectónica verdadeiramente notável.
Assim que se entra no complexo, o primeiro desses edifícios a ser avistado é um extraordinário arco de Septimius Severus, edificado às portas da cidade.
Está dado o mote para o resto da visita. Caminhando pelas estradas de pedra de Leptis Magna, encontram-se um teatro harmonioso, dois fóruns imensos, diversos banhos romanos, edifícios privados construídos de arenito, com calcário no chão e mármores de distintas origens na decoração, granito vermelho do Egito, muitos mosaicos e colunas, opulência sem fim. Para visitar com tempo, caso as condições meteorológicas assim o permitam.
O teatro de Sabratha
Sabratha viveu o seu apogeu da cidade com o Imperador Septimius Severus e julga-se que, antes do terramoto de 365 d.C. que danificou boa parte da cidade, ocuparia qualquer coisa como 40 hectares. Foi posteriormente reconstruída por governadores bizantinos. Tem, como ex-líbris, o maior teatro de África, com capacidade para 5.000 pessoas, escavado apenas nos anos vinte do século passado por equipas de arqueólogos italianos.
Tal como muitos dos locais arqueológicos da Líbia, visitar Sabratha é emocionante. Percorrem-se as avenidas e encontram-se vestígios da vida de outros tempos a cada olhar desinteressado para o chão. Pedaços de pratos, asas de ânforas, mosaicos in sito, pedaços de mármore, uma miríade de partes de artefactos de uso quotidiano estão ali, ao alcance do mais eminente arqueólogo. Muito há ainda para escavar, para conhecer, para desvendar. É emocionante, não nego.
Olhar para o chão é como fazer parte de uma equipa de arqueólogos amadores que procura resquícios da vida de uma cidade com muitos séculos. O problema é que o turista incauto pisa inadvertidamente mosaicos com dois mil anos, senta-se nas latrinas para a fotografia, coloca botas de montanha nos muros de pedra, chuta pedaços de outros tempos com a facilidade com que remata uma bola de futebol.
É emocionante, não nego, mas não augura muito de positivo no que toca à preservação de tão importantes achados arqueológicos. Seja em Tolmeita, Cyrene, Apollonia, Leptis Magna ou Sabratha. Mas que é espectacular, lá isso é.
As igrejas de Al Atrum
Pouco mais do que duas igrejas bizantinas do séc. VI d.C. construídas sobre um assentamento romano, com planta de cruz grega, colunas romanas, e lápides de mármore com representação de cruz grega.
Para quem se deslocou até ao Nordeste da Líbia para conhecer Cyrene, local Património da Humanidade, o pequeno sítio de Al Atrum merece uma rápida paragem. Quanto mais não seja pela localização irrepreensível das igrejas, no topo de uma falésia sobre o imenso azul do Mediterrâneo. Fabuloso.
Cyrene
O acesso a Cyrene faz-se a partir de Benghazi, segunda maior cidade da Líbia localizada junto ao Mediterrâneo, no Nordeste do país. Dela diz-se ser a mais antiga cidade grega na Líbia, e foi fundada por gregos oriundos da ilha de Thera (Santorini) no séc. VII a.C. Classificada como Património da Humanidade desde 1982, Cyrene possui um magnífico Templo de Zeus, um grande gymnasium e quase dois mil túmulos helenísticos.
É o mais importante local arqueológico de toda a Cyrenaica, e vale o esforço se dispõe de pelo menos duas semanas de viagem.
Propaganda do regime
Uma das certezas de uma viagem pela Líbia é o encontro com a propaganda do regime de Muammar al-Khadafi. O visitante deparar-se-á com generosos cartazes que exibem um “38” de grandes dimensões, exultando o número de anos passados desde o golpe de Estado de Setembro de 69, ano em que Khadafi tomou as rédeas da governação do país.
O visitante estará olhos nos olhos com dezenas de caras do líder em poses majestosas, principalmente dos tempos em que a sua avançada idade não se fazia ainda notar. Aqui e ali, será ainda presenteado com propaganda a alguns dos megalómanos projectos do regime, como o “Grande Rio Feito Pelo Homem” – que atravessará o país levando água potável do Sul para o Norte da Líbia.
Com alguma “sorte”, poderá ainda encontrar algumas “pérolas” mais requintadas, como o slogan que dá as boas-vindas aos visitantes no aeroporto de Shaba: “O sistema de partidos políticos aborta a democracia”.
Nota: o autor agradece a colaboração de Fernanda Craveiro, licenciada em História e mestranda em Património, na interpretação dos locais arqueológicos
Guia de viagens à Líbia
Este é um guia prático para viagens à Líbia, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades nas regiões da Tripolitânia e Cyrenaica.
Quando ir
Não havendo, por enquanto, magotes de turistas a evitar, o clima é o único factor que delimita as épocas ideais para uma viagem à Líbia. Aconselha-se, regra geral, o Inverno, entre meados de Novembro e Abril, pese embora por volta do final do ano as temperaturas poderem descer para valores a fazer lembrar a Escandinávia. Os céus mais límpidos e sem vento acontecem geralmente de meados de Novembro a meados de Dezembro, e ainda no mês de Fevereiro.
Como chegar a Tripoli
Há vários operadores que organizam programas de viagem para a Líbia, normalmente combinados com uma estadia no sul da Tunísia, nomeadamente na ilha de Djerba. Quanto a voos, a Royal Air Maroc liga Lisboa a Tripoli, via Casablanca, com preços a rondar os 600 euros por pessoa, mas é necessário dormir uma noite em Casablanca. Alternativamente, a companhia líbia Afriqiyah voa para Tripoli a partir de várias cidades europeias, como Genebra, Paris ou Amesterdão. Para voos internos, a Buraq Air e a Libyan Airlines são duas transportadoras recomendáveis.
Onde ficar
Regra geral, não se deve esperar o tipo de serviço habitualmente existente nas grandes cadeias internacionais de hotéis mas, ainda assim, a oferta hoteleira da Líbia é suficiente para uma viagem de qualidade. Em Tripoli, o cinco estrelas Corinthia Bab Africa Hotel é indubitavelmente o melhor e mais requintado da cidade, embora o Zumit – pequeno hotel de charme com quatro estrelas localizado às portas da Medina de Tripoli – seja uma opção mais intimista. Em Apollonia, o Al Manara Hotel, de quatro estrelas, é a melhor opção, enquanto em Shaba, o Winzrik Hotel, de três estrelas, não tem concorrência à altura.
Gastronomia
Surpreendam-se os mais cépticos: a cozinha líbia é extraordinariamente saborosa. Sempre bem temperada e com ingredientes contrastantes, picante quanto baste mas sem exageros, a gastronomia da Líbia proporciona refeições prazenteiras que começam sempre com uma sopa e uma salada variada, ao que se segue um prato principal e, regra geral, uma peça de fruta e um chá verde com hortelã. O único senão é a ausência de maior variedade na oferta: a sopa é quase sempre de lentilhas ou “líbia” (ambas deliciosas, por isso não há muito a reclamar) e o prato principal varia entre o cuscuz, arroz ou massa com carneiro, galinha ou camelo. Refira-se que a carne de camelo é divinal.
Dinheiro
A moeda oficial da Líbia é o Dinar (LYD), e um Euro equivale a 1,83 dinares. Há caixas de levantamento automático nas principais cidades, mas as comunicações nem sempre funcionam, pelo que se aconselha levar euros para cambiar à chegada. O custo de vida na Líbia é inferior ao português, embora a hotelaria não possa ser considerada barata. A título exemplificativo, uma refeição completa com sopa, salada, prato principal, bebida, sobremesa e chá custa entre 5 e 8 euros em restaurantes de bom nível. Uma garrafa de 1,5 litros de água fica por 0,30 a 0,60 euros. Surpresa agradável para quem viaja em veículo próprio, um litro de gasóleo ou gasolina custa 0,08 euros.
Vistos de turismo
Os cidadãos portugueses necessitam de visto para visitarem a Líbia, e o mesmo não pode ser obtido à chegada. Na Embaixada da Líbia em Portugal o processo custa 120 euros (60 euros pela tradução dos dados do passaporte para árabe, mais 60 euros pelo visto) e demora cerca de uma semana a ser emitido. Alternativamente, as agências de viagem podem conseguir que o visto seja emitido na Líbia a um preço bastante inferior ao praticado em Portugal. Passageiros que tentem viajar sem visto serão impedidos de embarcar no voo com destino a Tripoli.
Viagens independentes na Líbia
Refira-se que, mesmo não sendo impossível, não é fácil viajar de forma 100% independente na Líbia, até porque por lei os turistas devem ser acompanhados por um guia local credenciado. Para grupos acima de cinco elementos é inclusive obrigatório o acompanhamento de um ou mais membros da denominada Polícia Turística.
Seguro de viagem
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