
Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até Pante Makasar, no enclave de Oecusse, Timor-Leste, pela mão do José Barreto. O José tem 65 anos, é Engenheiro Eletrotécnico e esteve a viver em Pante Makasar durante 16 meses. Desafiei-o a partilhar as suas experiências na principal cidade de Oecusse, bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Pante Makasar.
É um olhar diferente e mais rico sobre Timor-Leste – o de quem vive por dentro o dia-a-dia de um enclave, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Este é o 51º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.
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Em Pante Makasar com o José Barreto (entrevista)
- Define Pante Makasar numa palavra.
- Pante Makasar é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar a Oecusse, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
- E o que mais te marcou em Pante Makasar?
- Como caracterizas os timorenses de Oecusse?
- Como é um dia “normal” em Pante Makasar?
- Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Pante Makasar sem…”
- Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Pante Makasar e arredores. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer em Oecusse.
- Timor-Leste não é um destino muito barato. Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Pante Makasar?
- Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Pante Makasar?
- Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
- Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que zona nos aconselhas a procurar hotel em Pante Makasar?
- Escolhe um café e um museu.
- Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Pante Makasar?
- Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Pante Makasar? O que trazer?
- Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Pante Makasar; pode ser um barzinho, um restaurante, um parque, um mercado, uma galeria de arte… algo que seja mesmo “a tua cara”.
- Guia prático
Em Pante Makasar com o José Barreto (entrevista)
Define Pante Makasar numa palavra.
Incrível.
Pante Makasar é uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar a Oecusse, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.
Aqui não se vive. Sobrevive-se.
Antes de partir de Lisboa tinham-me avisado, por exemplo, que só havia eletricidade ao fim da tarde, que não havia água potável nem esgotos, que proliferavam grandes insectos voadores e que o Dengue era um sério risco. A realidade é que poucos dias antes da minha chegada tinha sido inaugurada uma nova central elétrica, e já se tinha eletricidade 24 horas por dia. Quanto ao resto, infelizmente, confirmou-se tudo!
Também me tinham dito que o povo era muito pobre e muito simples mas de mãos e sorrisos abertos para com os estrangeiros, principalmente com os portugueses, o que se confirmou totalmente.
E o que mais te marcou em Pante Makasar?
No aspecto positivo, as paisagens naturais, a temperatura da água das praias (Oceano Pacífico na costa norte), a beleza indescritível do fundo do mar, a apenas um metro de profundidade (corais e peixes de várias cores), a simbiose perfeita entre a natureza e os oecussianos (timorenses de Oecusse). Também me impressionou o ritmo “parado” de vida dos locais, a segurança absoluta, a simpatia natural de todos, de crianças a idosos, o conceito de família.
No aspecto negativo, a falta de uma rede de águas, a proliferação de pântanos ao redor das casas, cheios de mosquitos e moscas, a falta de géneros alimentícios essenciais, a profusão de campas por todo o lado. Também impressiona negativamente a quantidade de lixo trazida pelo mar nas praias (nunca vi tantos chinelos e garrafas de plástico juntos).
Para além disto tudo, a sensação de isolamento, pois as deslocações a Dili (capital) e restantes zonas de Timor Lorosae são muito condicionadas.
Como caracterizas os timorenses de Oecusse?
Pode-se dividir os timorenses de Oecusse em dois grupos: os que vivem junto ao mar são predominantemente pescadores; os que vivem no interior, montanhoso por excelência, dedicam-se à pequena agricultura (milho, mandioca, arroz) e têm algum gado (búfalos de água, bois e vacas, aqui designados por “karau” e que servem como dote de casamento dos filhos e filhas); mas sempre em economia de subsistência.
O tipo de roupa usado é muito semelhante ao tradicional indiano. Os homens usam um pano à volta do corpo, feito de algodão com motivos vários, e designado por “Tais”. De um modo geral andam descalços, mais por opção do que por razões económicas, e nos escritórios descalçam os chinelos ou ténis logo que chegam.
Os oecussianos andam normalmente acompanhados de uma catana (“faca” de grandes dimensões) que usam, atualmente, para cortar ramos de árvores ou desbravar mato. No passado recente esta catana era usada como arma de ataque e defesa.
Normalmente vivem em casas com paredes feitas de bambu, ramos de palmeiras ou blocos de cimento, e cobertas com colmo ou chapas de zinco. À volta das casas há sempre algumas culturas (milho, mandioca), muito arvoredo, muitos animais e muitas crianças. As casas são muito simples, apenas com uma divisão, parcas de mobília, eles dormem em esteiras ou directamente no pavimento. Mas o aparelho de TV está omnipresente.
Com o surto de desenvolvimento em curso (novo aeroporto internacional, vias rápidas a interligar Oecusse com Timor Indonésio, novo hospital, novo hotel, sistema de irrigação, etc) a vida mundana tem-se alterado: há mais carros no meio de milhares de motorizadas, e há muitos estrangeiros por períodos mais ou menos longos (maioritariamente indonésios e australianos e uma trintena de portugueses entre técnicos vários e professorado).
Como é um dia “normal” em Pante Makasar?
A cidade de Pante Makasar (única no enclave) fica junto ao mar e desenvolve-se entre este e as montanhas escarpadas imediatamente a sul. Para um timorense que vive junto ao mar, é mais um dia na pesca (se o mar permitir), com exceção dos que são funcionários públicos ou que trabalham nas várias empreitadas em curso. Quando acaba a pescaria, enfiam o pescado num pau de bambu e andam de motorizada, com slogans característicos, a tentar vender o produto. Não existem sistemas de refrigeração em todo o Oecusse, o que representa uma ameaça adicional à saúde pública.
As mulheres ficam em casa a tratar dos filhos ou vão vender os seus produtos ao mercado local. As crianças – aos milhares – andam na rua ou, caso já tenham idade, vão para a escola.
Aos domingos e feriados, enchem-se as inúmeras igrejas católicas que se encontram por todo o Timor-Leste. Os timorenses vestem as melhores roupas que têm, calçam sapatos e dirigem-se (normalmente a pé) para o templo. Antes de entrarem, ajoelham-se e benzem-se. Logo que se sentam, descalçam os sapatos. No fim das missas (as igrejas estão sempre cheias e é vulgar encontrar crentes na parte exterior, pelo que existem altifalantes nas fachadas das igrejas), regressam às suas casas em alegre convívio e com os sapatos na mão.
Para um expatriado, o dia-a-dia é mais ou menos assim: levantar cedo, já que o dia começa normalmente às 8h; de seguida ir tomar o pequeno-almoço nas “madres” ou no “Moxito”, constituído por sumos naturais, pão torrado com queijo fatiado e café. Não se usa leite nem produtos lácteos em Timor-Leste. Ao almoço vai-se ao “Maubere” ou ao “Moxito” e não existe outra alternativa, embora proliferem “tascas” com comida indonésia ou filipina, de qualidade e asseio muito duvidosos e nada recomendáveis.
Ao jantar, repete-se a cena do almoço. Depois, é por as notícias em dia via internet, telefonar à família e cama!
Ao fim de semana pode-se ir à praia ali a 100m do local onde vivemos (ao longo de todo o ano), atravessar a fronteira a 15km de distância e experimentar algo diferente na cidade indonésia de Wini ou conseguir um jeep e ir à descoberta do interior do enclave, com estradas inacreditáveis e cheias de emoção.
Como terminarias esta frase: “Não podem sair de Pante Makasar sem…”
…ouvir as crianças cumprimentarem-nos com sonoros “bom diá, boa tarrde” e pedirem, logo de seguida, “um dólar”.
Quanto ao turismo, vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias em Pante Makasar e arredores. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer em Oecusse.
Em Oecusse não se pode dizer que exista um embrião de turismo. Os poucos turistas que aqui chegam partem ao fim do dia, bebem umas cervejas indonésias ou Sagres, tiram fotografias, são picados pelos mosquitos em todo o corpo e não sei se pretendem regressar um dia mais tarde, já que para além de belezas naturais em forma selvagem nada mais existe. Os transportes públicos (se assim se podem chamar) são as mikrolets, pequenos autocarros onde se viaja a monte e sem horários. No entanto, já existem alguns oecussianos que vão ter com os turistas e oferecem serviços de aluguer de motorizada com chauffer.
Sendo assim, sugiro:
Dia 1
Ver as ruínas dos antigos edifícios coloniais, incendiados pelos indonésios quando abandonaram o enclave, visitar o mercado, comer peixe no “Maubere”, e dar uma volta pelas várias frentes de trabalhos em curso.
Dia 2
De manhã, uma ida à praia de Sakato, a 15km de Pante Makasar e junto à fronteira com Timor Indonésio, conviver com os pescadores locais e mergulhar nas águas tépidas do Oceano Pacífico (atenção aos crocodilos de água salgada!). Da parte da tarde, visitar o Parque de Linfau, a 2km da cidade. A este local chegaram inicialmente os portugueses em 1515, tendo permanecido poucos anos devido às investidas das caravelas holandesas. Neste parque foi instalada, em novembro de 2015, uma réplica de uma nau portuguesa, em cobre, com estátuas de marinheiros, frades e homens locais, tudo executado e importado de Portugal.
Dia 3
De manhã, sugiro uma visita a Oesilo, outra das fronteiras do enclave com Timor Indonésio, a cerca de 20km de Pante Makasar; ou, melhor dizendo, hora e meia de jeep, já que aqui as distâncias se medem em horas e não em quilómetros. Oesilo fica a cerca de 1.000 metros de altitude com paisagens deslumbrantes e temperatura amena. Aqui existem alguns vulcões de lamas em actividade, com a particularidade de a lama sair fria e não quente. Da parte da tarde, podem tentar ir à praia de Citrana, a duas horas de jeep, em estrada péssima ao longo da costa mas com paisagens deslumbrantes e dar um bom mergulho, sempre de sobreaviso, não vá o crocodilo aparecer. Em qualquer das praias do enclave existem conchas e pedras de formas e cores magníficas, é só apanhar!
Timor-Leste não é um destino muito barato. Tens algumas dicas para poupar dinheiro em Pante Makasar?
Para dormir, existem vários hotéis ou pensões com ar condicionado (uma necessidade absoluta), muito rudimentares e os preços variam entre 30 e 50 USD por noite, incluindo o pequeno-almoço. A WC pode ser comum e não têm chuveiro para o banho, recorrem a um balde e uma caneca. De um modo geral não existe rede de águas na totalidade do enclave pelo que se terá de comprar água engarrafada. Conhecendo alguém, pode-se tentar alugar um quarto numa casa de habitação por 10 USD por noite, sem pequeno-almoço.
Para comer barato, existem vários tascos de comida indonésia ou filipina, mas não os recomendo. Em ambos os locais atrás mencionados (“Maubere” ou “Moxito”), uma refeição simples custa no mínimo 7 USD, sem bebidas. O menu, de um modo geral, limita-se a arroz e frango assado importado do Brasil. A água custa 1 USD e a cerveja 2,5 USD. A garrafa de vinho custa, no mínimo, 18 USD.
No que respeita a transportes, as miklolets realizam viagens para todos os locais onde existam vias de acesso; os preços praticados são muito baixos, mas nunca se sabe quando partem nem quando chegam.
Existem pequenas lojas onde se pode comprar o essencial: enlatados, bolachas, garrafas de água, cerveja (por vezes garrafas de vinho português ou australiano), produtos de higiene e papel higiénico.
Sou grande apreciador da gastronomia em viagem. Na tua opinião, que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Pante Makasar?
Os locais comem tudo o que apanham mas o melhor petisco são os morcegos. Mais para o nosso gosto, não hesito em recomendar o peixe que sai directamente do mar para a grelha: o koko (parece a nossa garoupa) e outros cujo nome desconheço, com carne branca e suculenta. No entanto, eles não o sabem grelhar como nós e o peixe acaba por ficar seco. Limão não existe e o azeite, de qualidade duvidosa, é muito caro. E, claro, come-se com arroz! Por vezes também se comem umas lagostas de dimensão média, a um preço muito módico.
Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?
Como mencionei anteriormente, não recomendo as tascas locais. O “Maubere” enquadra-se um pouco no que pretendes, e costuma ter bom peixe. Na aparência, trata-se de uma tasca, tecto de colmo e zinco, paredes até meia altura, muitas moscas e mosquitos.
Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que zona nos aconselhas a procurar hotel em Pante Makasar?
Pante Makasar nem parece ser uma cidade, mas a melhor zona para se ficar é junto ao mar; portanto perto das “madres”, do “Moxito” e do “Maubere”. Toda a cidade é plana e muito arborizada. Em termos de segurança, essa questão não se coloca. As mikrolets passam sempre na marginal. Só existe uma ATM em todo o enclave (no BNU do grupo CGD); é possível fazer carregamentos de cartões de telemóvel um pouco por todo o lado. A internet é muito lenta.
Escolhe um café e um museu.
Café (quando o abastecimento da Delta não falha): Moxito.
Museu: não existe.
Falemos de diversão. O que sugeres a quem queira sair à noite em Pante Makasar?
De um modo geral não existe “noite” em Pante Makasar. O único local que funciona, caso haja clientes e apenas aos sábados ou vésperas de feriado, é o Towers, junto à praia; com muito Gin, cerveja, música internacional e decoração luminosa interessante.
Tens alguma sugestão para quem pretender fazer compras em Pante Makasar? O que trazer?
O único produto típico desta zona são os “Tais”, panos em algodão com motivos diversos, feito em teares primitivos.
Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” de Pante Makasar; pode ser um barzinho, um restaurante, um parque, um mercado, uma galeria de arte… algo que seja mesmo “a tua cara”.
Tudo se resume a isto: as paisagens soberbas do fundo do mar, logo a um metro de profundidade!
Obrigado, José. Vemo-nos quando eu visitar Pante Makasar.
Veja também o post sobre viver em Díli.
Guia prático
Hospedagem em Timor-Leste
Encontre hotéis de qualidade usando o link abaixo. Note que não há muitos hotéis baratos em Timor-Leste que permitam reservas online, pelo que aconselho reservar com antecedência.
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Leia os relatos de outros Portugueses pelo Mundo - os seus testemunhos sobre viver no estrangeiro são de uma riqueza extraordinária.
Bom dia.
Estivemos em Oe-Cusse de 1 de Janeiro a 15 de Novembro de 1974. Era o Médico Civil e Militar. Vivíamos na casa do médico junto à casa ďas Madres e atrás do jardim. O hospital ficava atrás. Tivemos um filho em Março que se veio juntar ao outro com 5 anos que tinha ido connosco no Navio Timor. Gostamos muito de estar no Oe-Cusse.
Morei em Oecusse durante um ano e meio, em trabalho. Cheguei em Janeiro de 2017.
Gostei bastante de lá estar. Na verdade, aquele povo é muito simpático e acolhedor.
São católicos fervorosos e o domingo é o dia dedicado à sua fé.
Claro que não temos acesso a tudo a que estamos habituados, mas morar em Pante Macassar é uma experiência de muita tranquilidade. A insegurança é algo que em nenhuma altura senti.
Quanto à alimentação, como foi dito na reportagem, é limitada, mas nada que transtorne a nossa vivência lá. E até porque é possível ir passar um ou outro fim de semana a Dili, ou mesmo em cidades da Indonésia relativamente próximas, como Kupang ou Atambua.
Se estivermos dispostos a fazer uma viagem um pouco mais longa, é possível em menos de duas horas chegar à ilha de Bali, com todos os atractivos turísticos que aquele local oferece.