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Namibe por quem lá vive: Inês Monteiro

Por Filipe Morato Gomes
Viver em Namibe Angola
A Inês a regatear num mercado

Hoje, na série de portugueses pelo mundo, vamos até ao Namibe, em Angola, pela mão da Inês Monteiro. A Inês é Professora de Educação Física e esteve a viver no Namibe durante quatro anos. Convidei-a a partilhar connosco as suas sugestões e dicas com o melhor do Sul de Angola.

É um olhar muito interessante sobre o Namibe – o de quem vive por dentro o dia-a-dia da cidade, estando simultaneamente fora da sua “zona de conforto”, deslocado, como acontece a todos os viajantes. Mas ficamos ansiosos que um dia revele o tal “segredo” do Namibe. Este é o 22º post de uma série inspirada no programa de televisão “Portugueses pelo Mundo”.

Conteúdos do Artigo

No Namibe com a Inês Monteiro (entrevista)

Define Namibe numa palavra.

Calmaria.

Namibe não é o destino típico dos portugueses a morar em Angola. É uma cidade boa para viver? Fala-nos das expectativas que tinhas antes de chegar, e se a realidade que encontraste bateu certo com a ideia preconcebida que trazias.

Desde que aterrei no Namibe em 2009 que percebi o quanto a cidade tem vindo a crescer e a desenvolver-se. Para além do Porto Marítimo, o terceiro maior de Angola, temos a avenida principal de cara lavada, um comércio em desenvolvimento, um novo aeroporto e um novo pavilhão multi-desportivo (palco do campeonato do mundo de hóquei em patins em 2013) e duas novas instituições de ensino superior.

Mas não foram estes upgrades que fizeram com que me adaptasse, mas sim, e como costumo dizer: “aprendi naturalmente a gostar do Namibe”. Acredito que cresci e aprendi a valorizar a pacatez desta cidade situada entre a paisagem desértica, casa da Welwitschia Mirabilis (espécie relíquia do tempo dos dinossauros), e a beira-mar.

Inicialmente, nem sabia bem onde é que me iam encaixar naquele imenso deserto. Ao espreitar pela janela do avião que me levou de Luanda para o Namibe vi uma imensidão de areia e rocha, aldeamentos perdidos no nada com umas cubatas feitas de palha – que medo!

O cenário era assustador e, no entanto, chegada ao meu humilde lar, percebi que aquilo que um dia idealizei ser a minha casa naquele ano saiu “muito melhor que a encomenda”! A rua não estava asfaltada (nem está!), havia uma lixeira virada para a janela do meu quarto (atualmente desaparecida), os vizinhos tinham a música altíssima, algumas das vizinhas andavam e andam semi-nuas (pois são Mukubais, povo de pastores nómadas daquela região), e a minha casa parecia um autêntico ecossistema de tanto inseto a pairar no ar.

Seguiram-se dias difíceis, onde usei roupa emprestada de colegas porque as minhas malas ficaram quase uma semana em Luanda, a internet esteve sempre muito lenta e, por isso, o contacto para casa foi complicado. No entanto, percebi rapidamente que era ali que ia viver nos próximos tempos e por isso a ordem era: adaptação!

E o que mais te marcou no Namibe?

Nos dois primeiros anos, a falta de água e luz em casa foi um problema. Tínhamos uma rotina diária de encher reservatórios que nos permitiam cozinhar e tomar banho no dia seguinte. As velas foram muitas vezes a minha companhia. Do outro lado do hemisfério não entendiam porque me deitava tantas vezes às 20h30, mas era simples: nada de TV, nada de bateria no computador, logo, só restava deitar a cabeça na almofada!

Outro marco importante foi a falta de trânsito, apesar do motorista do projeto onde trabalho costumar dizer que há “hora de ponta” quando, na realidade, apenas temos três carros na frente do nosso. Esta fluidez de trânsito permite-me andar de mota para todo o lado. Esta foi uma aquisição minha após andar vezes sem conta de cupapata (motos que fazem serviço de táxi). Conquistei a minha independência!

Como caracterizas as pessoas do Namibe?

Acolhedoras e afáveis. Basta ir ao Mercado 5 de Abril e parar para falar com as “Mamãs” que lá vendem. São momentos deliciosos a não perder numa possível visita à cidade. Aqui levamos um “banho” do mais tradicional comércio praticado por terras namibenses.

Fomos extremamente bem recebidos pela comunidade. Defendo acima de tudo que se respeitarmos os outros também seremos respeitados e esse lema anda comigo para todo o lado.

Como terminarias esta frase: “Não podem sair do Namibe sem…”

… fazer uma viagem à foz do Rio Cunene. Esta viagem envolve um planeamento e uma logística muito particular.

Em primeiro lugar ter alguém que nos guie; depois verificar as marés e perceber se temos a maré baixa o suficiente para passarmos entre as dunas e o mar; ter um carro 4×4 nas melhores condições para aguentar a aventura pelo deserto; uma vontade imensa de captar toda a calma que o Parque Nacional do Iona tem para nos oferecer e uma máquina fotográfica para registar os melhores momentos que certamente também ficaram registados na memória de cada um.

Deserto do Namibe
Zona dos riscos, no caminho para a foz do rio Cunene

De facto, acordar numa tenda no meio do “nada”, cozinhar na fogueira, subir e escorregar nas esculpidas dunas é uma experiência a não perder.

Angola ainda não entrou nos roteiros turísticos tradicionais, mas vamos tentar fazer um roteiro de 3 dias no Namibe. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.

Apesar de ser uma cidade pequena, existe um rol de hotspots a não perder. Saindo da cidade na direção do Tombwa, antigo Porto Alexandre, conseguimos ver a famosa Welwitschia Mirabilis e seguindo as indicações podemos chegar até ao Flamingo Lodge, onde podemos pernoitar, surfar, “explanar”, comer peixe do dia e desfrutar daquele aconchegado cantinho à beira-mar.

Se andarmos um pouco mais e visitarmos o farol acima do Flamingo Lodge ou a chamada Rocha esperam-nos vistas singulares sobre canyons que esculpem o denso deserto em direção ao mar.

Na mesma estrada temos um oásis chamado Arco. À distância de uma bela conversa, e algumas oferendas ao Soba da aldeia conseguimos entrar num lugar mítico perdido na imensidão do deserto. Quando tem água torna-se ainda mais místico, no entanto, o simples imaginar de criaturas nas formações rochosas já é por si só um desafio a não perder.

Não poderão deixar a cidade sem antes visitar o Mercado 5 de Abril, onde podem adquirir tudo o que é da terra, até mesmo as mais estranhas “mezinhas” que curam todos os males.

Se ainda restar algum tempo, aconselho a desfrutar da vista sobre a baía do Namibe a partir do alto da Paróquia de Santo Adrião e a percorrer as praias da costa (algumas delas desertas e sem indicações mas com paisagens estonteantes).

Já tiveste oportunidade de conviver com os Himba, que habitam o sul de Angola / norte da Namíbia?

Durante algumas das minhas viagens o contacto com os Himba foi inevitável. Não no Namibe, pois aqui o frequente será cruzarmo-nos com os Mukubais (basta seguir até ao mercado municipal e lá estão elas a vender o óleo de mompeque (para os cabelos), o “maungo” (lagarta comestível) e algum artesanato.

O contacto com os Himbas aconteceu nos vários itinerários seguidos na Namíbia. Na capital do país, Windhoek, é frequente ver mulheres e crianças a vender artesanato numa das avenidas principais. Se nos deslocarmos até Opuwo (uma cidade do Norte), por exemplo, podemos cruzar-nos facilmente com os Himbas nas ruas da cidade, em mercados e até visitar as suas aldeias.

Atenção a quem gosta de fotografar! Será conveniente, ou ser discreto, ou então pedir permissão para tirar a tão desejada fotografia. Frequentemente os Himbas cobram pelas fotografias ou então recusam-se a ser fotografados, acreditando que o tal “engenho” lhes vai tirar a alma!

Apesar de ser mais barato que Luanda, tens dicas para se poupar dinheiro no Namibe?

Tendo em conta que apenas dispomos de um supermercado em toda a cidade e que é frequente a escassez de alguns produtos, sugiro que com algum tempo livre se faça um tour pelas várias mercearias da cidade. Rapidamente percebemos o que cada uma delas tem para nos oferecer.

Pessoalmente opto pelo peixe, evito a carne e vou aos armazéns onde posso comprar “a grosso” e assim poupar algum dinheiro.

O Lubango é também uma opção, com a particularidade de que fica a uns “escassos” 170 km. Nada como subir a serpenteante Serra da Leba e desfrutar de uma paisagem avassaladora. Nesta província vizinha temos uma oferta mais diversificada de produtos que em muito se assemelha à oferta encontrada nas grandes superfícies portuguesas.

Ruas da cidade do Namibe
Vista sobre uma das ruas da cidade do Namibe

Falemos de comida. Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar?

Ao visitar o Namibe é indispensável desfrutar das delícias que o mar oferece. Desde o peixe acabadinho de chegar ao Porto, ao marisco sempre apetecível, passando pelo famoso calulu de peixe (prato tradicional de Angola) e o funge ou pirão.

Para os mais corajosos, existe um petisco a não perder: salteado de maungo (a já referida lagarta comestível). Diz quem já se aventurou a sentir o paladar que é delicioso, eu ainda não tive coragem.

Como acompanhamentos sugiro que a batata-doce, o feijão com óleo de palma e banana não sejam nunca esquecidos!

Imagina que queremos experimentar comidas locais. Gostamos de tascas, botecos, lugares tradicionais com boa comida e se possível barato. Onde vamos jantar?

Para evitar os preços praticados nos restaurantes temos de nos dirigir aos mercados e pracinhas espalhados pelas entranhas da cidade. Em cada um deles o aroma a frango “na jante” e a peixe grelhado é constante.

Numa volta pelas praias da costa do Namibe também é frequente encontrar pescadores que facilmente trocam o peixe/marisco acabado de sair do mar por pão, carne ou farinha.

Se optarmos por um local mais convencional com todas as comodidades, sugiro o Clube Náutico e o Restaurante Ponto de Encontro, mesmo na marginal, onde a vista sobre o mar é parte da ementa.

O que sugeres a quem queira sair à noite?

As opções de diversão noturna no Namibe não são muitas (apenas existe uma discoteca em toda a cidade) e por isso acabamos muitas vezes num dos restaurantes a jantar e a dar dois dedos de conversa (com alguma sorte, nessa noite, podemos ser presenteados com música ao vivo).

O convívio caseiro acaba por ser a opção mais usual, onde há sempre alguém com uma receita nova, ou da saudosa terra, que decide partilhar.

Porto Marítimo do Namíbe
Vista do Porto Marítimo com a cidade ao longe

Escolhe um café e um museu.

O Café Girassol é por excelência um ponto de encontro matinal onde o café é servido como ninguém pelo Tio João! Quem conseguir resistir ao saboroso pastel de nata, tipicamente português, será o herói do dia.

No que diz respeito à oferta museológica, esta não é de todo diversificada e por isso recomendo o Museu Provincial do Namibe onde podemos encontrar algumas peças antropológicas e algum artesanato local. No entanto, basta um passeio a pé pela cidade e obtemos um museu a céu aberto, onde podemos encontrar uma vasta herança da arquitetura colonial.

Uma das decisões críticas para quem viaja é escolher onde ficar. Em que bairro nos aconselhas a procurar hotel no Namibe?

O centro da cidade é por excelência o melhor lugar para pernoitar pois rapidamente se consegue estar na marginal onde se encontram os restaurantes (e onde se pode caminhar de uma ponta à outra da baía), o comércio tradicional e os serviços públicos (bancos, casa de câmbio, agência de viagens, etc.). Obviamente que cada viajante tem o seu orçamento e por isso a opção para a pernoita vai estar condicionada pelo mesmo. Sugiro o Hotel Chick Chick, para os mais afortunados e a Pensão Casa Velha, igualmente acolhedora mas numa versão mais familiar, para orçamentos mais baixos.

Um pouco mais distante do centro da cidade existem as opções “vista-mar”, tais como a Vila Doroteia, situada na belíssima praia Amélia, ou o Hotel Infotur Namibe, recentemente construído.

Pesquisar hotéis no Namibe

Tens alguma sugestão para quem quiser fazer compras no Namibe?

Paciência! Até entrar na rotina de que nem tudo existe e é preciso correr meio mundo para encontrar o que procuramos, não é fácil! Desta forma aprendemos a valorizar mais as coisas que até então banalizávamos certamente.

Alguma dessa paciência pode também ser utilizada quando visitarmos o Mercado 5 Abril e começarmos a remexer os “fardos” de roupa/acessórios em segunda mão e a regatear todos os preços. Não é fácil resistir a tais pechinchas quando se está longe da febre consumista europeia!

Mulheres Mukubais no Virei
Mulheres Mukubais no Virei

Antes de te despedires, partilha o maior “segredo” do Namibe; pode ser um barzinho, um restaurante, um parque, uma galeria de arte, algo que seja mesmo “a tua cara”.

Grande pergunta! Não poderei revelar o tal “segredo”, senão deixa de ser um segredo e aquele que é o meu “refúgio” deixará de o ser!

No entanto, posso deixar uma “dica”. Correr na marginal ao pôr-do-sol é o segredo para o bem-estar do corpo e da alma. Para quem não for adepto da corrida, pode simplesmente caminhar ou até mesmo parar para contemplar a luz que ninguém esquece após passagem por estas terras de África.

Obrigado, e até um dia numa próxima viagem ao sul de Angola.

Guia prático

Onde ficar no Namibe

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.