Na aldeia de Freixiosa, em Mangualde, o petiz era todo ele competição. Como seria possível uma corrida com apenas dois ciclistas? Assim ganharíamos a corrida, com toda a certeza.
“Assim não vale. Assim não prestam”, dizia uma pequena cabeça saída do primeiro andar de uma casa de pedra na aldeia de Freixiosa, em Mangualde. E continuava a desbaratar do alto do seu peitoril: “para ganharem não podem ser só dois, têm que ser mais, muitos” – e nós, sem percebermos o que se passava, olhávamos a Dona Maria Conceição, avó orgulhosa do pequeno petiz que se ria com a divagação do neto e lhe dizia: “Pois não, meu querido, assim não vale. Tens razão”. Ele tinha razão, foi a conclusão a que chegámos. Ponto final.
Momentos depois, como que querendo apanhar o pelotão que ainda nem sequer havia partido, o miúdo corria na nossa direção e continuava a reclamar: “Assim não prestam. Vocês são só dois e para ganharem a corrida precisam de ser mais, muitos”. Finalmente tínhamos entendido a revolta do garoto. Ele, com apenas cinco anos, era pura competição. Concebido com toda a certeza entre as Playstation 1, 2 e 3, profissional de PSP, atento aos sete golos da seleção nacional frente à Coreia do Norte e depois de ter visto a Volta a Portugal em Bicicleta passar-lhe à frente numa quente tarde de fim de semana, esses sim, muitos, o garoto tinha fome de ganhar, de competição, de chegar em primeiro, de olhar para trás e ver que todos os outros tinham caído a seus pés.
Não valia a pena explicar à criança que nós não queríamos chegar em primeiro a lado algum e que não competíamos sequer um com o outro. Ele não iria perceber. Se não percebem os adultos quando lhes dizemos, como há de uma criança de tão tenra idade entender que a vida não é só feita de competição? O puto continuava a olhar-nos de lado, à espera do disparo que nos levaria para bem longe dali. Coçando os dedos dos pés por cima das meias pretas encardidas, recebia elogios rasgados de uma avó babada! Ela ainda o tentou convencer que os outros já tinham passado e que nós só tínhamos parado para descansar, mas não foi a lado algum, assim como não o conseguiu convencer de que a bandeira que levávamos nos atrelados da bicicleta era a de Portugal. O miúdo, certo do que dizia, garantia que não, que aquela bandeira era a do Sporting e a do Benfica, juntas, como se isso, mais do que chegar à China de bicicleta, alguma vez fosse possível.
Finalmente partimos, dizendo adeus até à rua nos levar encosta abaixo. A Dona Maria Conceição voltou para o balcão do seu pequeno café, onde contaria a toda a gente que tinha estado com o casal que ia de bicicleta até Macau. O pirralho subiu as escadas e voltou para casa, onde com certeza se sentou frente à televisão a ver quem ganha e quem perde.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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