Depois de uns dias de descanso em Dahab, rumo ao mítico Monte Sinai antes mesmo de entrar no buliço do Cairo. Até Assuão, o comboio leva-nos às origens do Egito, percorrendo a “linha de vida” de um país de areia, num passeio pelo oásis.
O serviço de autocarro de Dahab para o Monte Sinai foi suspenso há cerca de um ano por falta de passageiros, pelo que a única forma de conseguir lá chegar é seguir num tour organizado pelas unidades hoteleiras, que inclui viagem de ida e volta e guia até ao cimo da montanha, algo completamente inútil tal a facilidade da subida.
Partimos por volta das 11 da noite com o objetivo de ver o nascer do sol no topo da montanha. Serão precisas três horas de caminhada em plena escuridão e uma espera fria no cimo até que os primeiros raios de sol espreitem por detrás das montanhas e presenteiem a multidão que todos os dias aqui chega para este espetáculo.
Grupos de cristãos ortodoxos, turistas vulgares e um grupo de nigerianos que entoam cânticos e orações a plenos pulmões vão-se aglomerando na “fila da frente” à medida que as horas avançam. Embrulhado no saco-cama e estendido sobre uma rocha, tento dormir um pouco mas torna-se impossível com todo o barulho e com os pés que quase me calcam na tentativa de conseguir um melhor spot para espreitar o sol que ainda não nasceu, e eu sinto que a magia do local se vai esfumando à mesma velocidade com que o meu ângulo de visão sobre o horizonte se vai apertando com tanta gente à minha frente.
O sol nasce por fim e é tão rápido que é quase como se surgisse subitamente. Já pouco espero deste sítio e procuro uma outra via para descer que não a mesma que utilizei para subir.
Há dois caminhos distintos e de diferentes graus de dificuldade que levam ao cimo da montanha; e se para subir utilizei o mais fácil, para descer – havendo suficiente luz para não se tornar perigoso – desço pela rota dos 3.750 degraus, a mesma utilizada por um monge como forma de penitência e que permite uma vista fantástica sobre o mosteiro e as restantes montanhas em redor.
Enquanto os meus companheiros de “excursão” voltam para Dahab, eu procuro o parque de campismo local para ficar por mais uns dias e explorar por outras vias e com menos gente, estas montanhas fantásticas.
O mini-autocarro parte para o Cairo às 6 da manhã e opto por passar essa última noite numa das duas enormes tendas – estilo beduíno – que têm montadas no parque de campismo e que utilizam todas as noites para se aquecerem em volta de uma fogueira bebericando chá, de forma a não ter de desmontar a minha tenda a meio da noite.
Longas nove horas de viagem depois com uma troca em Suez e o autocarro percorre desertos de areia até entrar na agitação do Cairo, onde um emaranhado de direções, estradas e viadutos sobre viadutos, mais parecem um nó cego. Apeio-me do autocarro sem saber bem onde me encontro e cravo um táxi que regateio por metade do preço inicialmente pedido. Apesar de alguns táxis possuírem contador, muitos taxistas recusam-se a pô-lo a trabalhar.
O trânsito é verdadeiramente caótico e a forma como os egípcios conduzem absolutamente desconcertante. Durante os dias no Cairo pude constatar que de noite conduzem sem luz por, aparentemente, dizem, haver suficiente luz na rua, de maneira que não precisam de ligar as do carro. Conduzem com crianças ao colo, levam pessoas em cima da parte da frente do capô e não respeitam qualquer ordem de circulação nas rotundas. E, pelo meio de tudo isto, há transportadores de pão que o carregam à cabeça em enormes cestos, montados nas suas bicicletas, como se fosse uma acrobacia equilibrista.
Nas ruas do Cairo, toda a gente parece vender qualquer coisa. Há toda uma espécie de feira que acontece todo o final do dia, com vendedores de comida, roupa, engraxadores de sapatos… e outros que quase parece terem-se especializado num único artigo, pois ou só vendem bananas, ou, o mais curioso que encontrei, algodão em pequenos sacos coloridos, agrupados ao longo de uma vara, como se fossem pequenas lamparinas ao estilo de um qualquer festival no Japão. Tudo é louco, excitante e apaixonante.
Duas semanas depois de ter chegado ao Cairo faço-me de novo ao caminho. Encher a mochila e colocá-la às costas é das melhores sensações em viagem e renova-se, vezes sem conta, de cada vez que mudo de poiso. A brisa fria da manhã a arrefecer os passos largos em direção à estação e o sentimento de liberdade está também de volta. O comboio para Luxor é mais que uma simples viagem de comboio, é um passeio no oásis, pela ruralidade do país e por toda a paleta de cores que a compõem. A saída do Cairo é marcada por uma presença desmesurada de lixo, mas à medida que o comboio avança para sul, um manto verde vai tomando lugar e palmeiras tornam-se uma presença continua. É um verdadeiro caleidoscópio.
Vejo camiões repletos de animais em direção a um mercado com tanta gente, que apenas se distinguem cabeças. E as cores desses mercados, com as bancas de fruta e legumes impecavelmente dispostos em pilhas num colorido majestoso.
Num canal de irrigação que corre a par da linha em praticamente toda a sua extensão e muitas vezes repleto de lixo, mulheres lavam roupa e utensílios de cozinha enquanto pequenos barcos a remos navegam à procura de peixe.
O comboio deixa a margem do canal e emerge num oásis contínuo e verdejante onde homens de pés descalços e calças subidas até ao joelho, trabalham a terra na companhia de aves brancas de perna alta e bico amarelo, numa simbiose curiosa. Oásis povoados de burros e bois ajaezados por miúdos em idade de escola, que o deserto, numa muralha de areia ali ao pé, parece guardar.
Antes de terminar os meus dias no Egito, completo esse “passeio no oásis” com o resto da ligação a Assuão, desta vez em carruagens de terceira classe que espelham bem a estranha relação que os egípcio têm com o lixo e que por mais que tente, não sou capaz de entender… tudo está imundo! Há cascas de laranja, pevides e um sem número de outras indescritíveis coisas espalhadas pelo chão, sem que aparentemente haja alguém que se preocupe com isso. Concentro a atenção no exterior e na magnífica paisagem que agora corre a par do Nilo, tão próximo que me faz lembrar a linha do Porto ao Pocinho, e a minha vontade é sentar-me à porta da carruagem, sentindo o vento no rosto, como em tempos era possível no Douro.
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
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