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Simplesmente… Sudão (De Cabo a Cabo #11)

Por Mateus Brandão | Atualizado em 13 Jul 2017 | De cabo a cabo África Sudão 2 Comentários
Tempo de leitura: 11 minutos

Simplesmente... Sudão

O melhor de qualquer viagem, são as pessoas. Para lá da vastidão dos desertos, do colorido dos mercados ou da quietude do oásis que se estende ao longo do Nilo, o Sudão vale essencialmente pela sua gente e pela forma como nos recebe. Paisagens e pessoas fantásticas, num país que é tudo o que as noticias não contam.

O ferry para o Sudão tem hora de partida marcada para o meio-dia, mas isso não passa de um pró-forma que todos sabem ser impossível cumprir. Na verdade, a travessia da única fronteira possível entre os dois países – a única fronteira terrestre está reservada a veículos de mercadorias, uma vez que os dois países continuam a esgrimir argumentos por causa dos direitos relacionados com o Nilo – é uma empreitada de um dia inteiro.

Quando no dia anterior compro o bilhete, fazem-me saber que pelas oito da manhã haverá um comboio que parte da estação de Assuão em direção ao porto e que, por mais cedo que possa parecer – tendo em vista que o ferry não deve partir antes das cinco da tarde -, é conveniente chegar cedo para encontrar um bom lugar. Seja como for, o preço de um táxi e a inexistência de autocarros não deixam grande alternativa a esta hipótese madrugadora.

Entro no comboio muito próximo da hora de partida e encontro Franz, um miúdo austríaco em viagem há mais de um ano, que segue o mesmo caminho e que mais tarde me confirma ser possível adquirir o visto para o Sudão no consulado de Assuão, por metade do preço, no mesmo dia e sem qualquer carta de recomendação da embaixada do requerente.

Soleb Temple, Sudão
Soleb Temple, Sudão

No porto, a agitação já é bastante. “Banqueiros de rua”, que oferecem um câmbio melhor que qualquer banco, confundem-se por entre a multidão de passageiros, bagagem e comerciantes grossistas. Uma massa de gente que aguarda autorização para entrar, carregando enormes quantidades de bagagem – como acontece com todos os barcos por estes lados -, como se levassem o mundo consigo, o que neste caso até se compreende tendo em conta o embargo americano ao país.

No ferry, para além dos compartimentos com cama de primeira classe, é possível viajar na agitada, suja e amontoada área interior, ou simplesmente procurar o melhor lugar no deck exterior, com vista para as estrelas e para o templo de Abu Simbel, por onde deveremos passar às primeiras horas da manhã.

Optamos pelo deck exterior. Alguns dos passageiros aproveitam as inúmeras caixas de fornos elétricos, trituradoras e televisões que levam consigo para demarcar uma área, como que uma muralha suficientemente espaçosa para se estenderem durante a noite.

Pouco passa do meio-dia. Pela quantidade de mercadoria ainda por carregar, a espera promete ser longa. Ao cabo de quatro horas deixo de perceber como é ainda possível caber mais alguma coisa neste barco que nem é muito grande, e o amontoado de sacos e caixas do lado de fora não parece ter fim.

O deck do ferry já se encontra repleto de gente e bagagem enquanto camiões de laranjas, eletrodomésticos, equipamento informático e todo o tipo de quinquilharia, em quantidades infindáveis, continuam a dar entrada no cais.

Chegada a Wadi Halfa, Sudão
Chegada a Wadi Halfa, Sudão

Como previsto, partimos rio acima por volta das cinco da tarde, já com o sol em aceno de despedida. Estranhamente, navegar em sentido contrário à corrente é aqui mais rápido do que a favor – fruto do vento -, e apesar de o avanço não ser notório, estar em movimento é a melhor das sensações.

Aparentemente, os muçulmanos não gostam de rezar sozinhos e, com o barco em marcha, filas de passageiros vão-se formando para a oração em conjunto, voltados a Meca, num sentido de comunidade notável. Minutos mais tarde, um dos passageiros que terá perdido a oração em conjunto – sem grande sentido de orientação – reza sozinho na direção errada e todos o alertam, indo ao seu encontro, para o virar no sentido correto.

A noite cai sobre o deck e as montanhas de areia a oriente parecem transformar-se em ondas gigantes e um manto de estrelas parece vir aconchegar este amontoado de gente que se vai ajeitando para passar a noite e me dá as boas-vindas ao Sudão com um sorriso no rosto.

Wadi Halfa, Sudão

A meio da manhã o barco aporta finalmente em Wadi Halfa. Ainda no interior do barco há procedimentos a realizar; o preenchimento de uma “permissão de viagem” para podermos transitar pelo país e um carimbo no passaporte que alerta para a necessidade de um registo junto das autoridades responsáveis, no prazo de 3 dias – algo que fazemos junto da polícia, assim que chegamos a Wadi Halfa.

À boleia com Franz no Sudão
À boleia com Franz no Sudão

Papelada resolvida e apesar de Franz querer tentar seguir à boleia, o adiantado da hora e a distância a percorrer levam-nos a optar por apanhar um táxi partilhado, até à povoação de Wawa, seguindo ao longo do Nilo, com o deserto à nossa esquerda e um oásis contínuo sobre o qual o sol se vai deitando, à direita.

Seguimos em direção a sul. Franz acha que será fácil conseguir andar à boleia por aqui, uma vez que as alternativas não são muitas e o número de pick-ups é suficientemente abundante, tornando-se a mais fácil e rápida forma de viajar pelo país. De qualquer das formas não há alternativa. Wawa é apenas uma minúscula povoação na estrada para Dongola, sem autocarros ou certezas de que algum aqui possa parar. Fazemo-nos à estrada e não tarda muito até conseguirmos a primeira boleia – mas até Karima serão precisas mais umas quantas. Para lá da facilidade com que o conseguimos uma boleia atrás da outra, o encontro com estas pessoas que nos pegam na estrada ou simplesmente partilham connosco a parte de trás destas carrinhas fazem de cada viagem uma recompensa. Numa dessas vezes, um grupo de raparigas sobe para a traseira da carrinha, sorrindo e conversando abertamente connosco, desmistificando a ideia de que a lei islâmica, aqui em vigor, castra as mulheres de qualquer interação social.

A caminho da Etiópia

De Merowe seguimos para Atbara, a meio caminho entre Kassala e Khartoum. Deixamos a cidade às primeiras horas da manhã e, uma vez mais, rapidamente conseguimos boleia. Somos deixados num cruzamento de estrada, num check-point policial, onde os próprios polícias se encarregam de nos conseguir um camião, depois de muito explicarmos que não queremos seguir de autocarro.

A estrada para Atbara é um mar de areia pontuado por dunas negras que mais parecem carcaças de dinossauros. Dunas penteadas por um vento manso que se enrosca de quando em vez, formando pequenos tornados e uma vastidão de nada varrida por alguém muito cuidadoso, de onde por vezes surgem pessoas sem que se perceba muito bem de onde.

Em Atbara, despeço-me do meu companheiro de viagem dos últimos dias. Franz quer seguir para Khartoum, mas a capital do país – com os seus edifícios modernos, hotéis ao estilo ocidental e o único sitio do país onde a lei islâmica não se aplica – parece-me demasiado distante do universo rural e tranquilo que tenho experimentado até agora, pelo que opto por seguir para Kassala, preservando esta imagem bucólica do país.

Mercado de rua em Kassala, Sudão
Mercado de rua em Kassala, Sudão

Apanho boleia num camião. O avanço é difícil nesta estrada em mau estado onde, pontualmente, vacas jazem em estado de decomposição depois de atiradas já mortas para a berma da estrada por camionistas que as transportam em condições pouco apreciáveis (especialmente sobrelotação).

No entanto, a paisagem é deslumbrante; o deserto estendido até às montanhas que vão surgindo no horizonte e uma linha de comboio que fazia a ligação ao mais importante porto do país (Port Sudan) mas que hoje é apenas uma miragem desses tempos.

À saída de Kassala, aldeias de casas minúsculas e circulares, cobertas por um telhado de colmo que mais parecem chapéus chineses, vão pontuando a paisagem.

Demoro mais do que contava até à fronteira com a Etiópia. São três da tarde e será preciso muita sorte para conseguir chegar ainda hoje a Gonder e todos os procedimentos fronteiriços atrasam ainda mais a minha saída desta estranha fronteira, onde filas intermináveis de camiões aguardam vez para cruzar a minúscula ponte que separa os dois países, e onde pessoas pouco fiáveis e lojas de aspeto duvidoso se aglomeram de forma caótica.

Só do lado Sudanês é preciso ir a três sítios diferentes antes do carimbo de saída. Na última destas “repartições”, Neli e Julie – um casal britânico do Yorkshire numa volta ao mundo overland a bordo de um Defender cumprem também os mesmos requisitos. Com o carimbo no passaporte e antes mesmo de me despedir deles, pergunto se porventura não têm um lugar vago no carro para me darem uma boleia: “Claro que sim”!

Finalizados todos os procedimentos fronteiriços em ambos os lados – o lado etíope é surpreendentemente sofisticado quando comparado com o do Sudão, com scanners de impressão digital e câmaras fotográficas para um processo rápido, eficiente e inteiramente digital (nas paredes pode ler-se: “no more paper”), bastando para isso que o gerador funcione – e estamos a caminho, não de Gonder mas de Gorgora, onde dizem haver um parque de campismo fantástico com um pé no Lago Tana e a preços convidativos.

A estrada que leva até lá é absolutamente fabulosa, ziguezagueando para cima e para baixo ao longo das montanhas do vale do Rift, intervalando com retas que se estendem ao longo de povoações inteiras e que me dizem em definitivo estar em África. Estradas cruzadas por macacos e caminho de inúmeras manadas de vacas. Esta é a completa imagem que tinha da Etiópia e de África.

Kassala
Kassala

O pôr-do-sol aproxima-se e é altura de decidir se continuamos ou acampamos em qualquer lado. Não encontramos qualquer sítio adequando para montar a tenda e, além disso, estamos desejosos por uma cerveja, depois de dias no Sudão onde encontrar uma é tarefa quase impossível, pelo que resolvemos continuar.

A noite cai e uma luz estranhamente enorme parece emergir. Uma lua tão cheia que parece querer rebentar surge subitamente por detrás de uma das montanhas, iluminando toda a estrada como um enorme candeeiro de rua.

O Defender de Neil tem mais de 300 mil quilómetros – o suficiente para mais de uma volta ao mundo! – e foi completamente modificado por ele ao longo dos últimos 2 anos para esta viagem. Contudo, tem um problema de sobreaquecimento e somos forçados a parar duas vezes antes de chegarmos ao parque.

Já é muito perto das onze da noite quando finalmente encontramos o parque. Duas cervejas depois e estamos recolhidos nas tendas, com todos os sons de uma África selvagem que tanto me preencheram o imaginário durante todo este tempo a embalar o sono.

De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.

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Comentários

  1. Diego Salvio

    Ótima a matéria, obrigado pelo relato.
    Estou planejando voar para Addis Abada e seguir por terra até o Cairo mas pelo que li, atravessar o Sudão é bem perigoso e acabou me desestimulando um pouco. O que você achou nessa sua experiência, é seguro ou realmente é bem perigoso? Obrigado!

    Responder
  2. Sónia

    Olá!
    Parabéns pelo excelente trabalho!!
    O Sudão deve ser fascinante 🙂
    Considera possível um casal viajar pelo Sudão com uma criança de 6 anos? Ou as questões alimentares e possíveis contaminações são demasiado frequentes? Muito obrigada!

    Responder

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Sobre o autor

Filipe Morato Gomes, blogger de viagens

Olá! O meu nome é Filipe Morato Gomes, vivo em Matosinhos, Portugal, sou blogger de viagens, co-autor do projeto Hotelandia e Presidente da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses.

Tenho 51 anos e muita experiência de viagem acumulada. Já dei duas voltas ao mundo, fiz dezenas de viagens independentes e fui líder de viagens de aventura.

Mais recentemente, abracei um novo desafio chamado Rostos da Aldeia, onde se contam histórias positivas sobre as aldeias de Portugal e quem nelas habita.

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