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Etiópia, Um País de Contrastes (De Cabo a Cabo #12)

Por Mateus Brandão

Etiópia, Um País de Contrastes

A Etiópia é um país difícil de digerir! Um país que seduz pelas suas paisagens, pela sua história e pela sua forte identidade cultural e religiosa. Mas também um país intrincado, orgulhoso e muitas vezes trapaceiro.

À saída de Gorgora, enquanto aguardo a chegada do autocarro com destino a Gonder, contemplo o despertar deste lugar onde tudo parece faltar. Crianças dirigem-se para a escola nos seus uniformes inconfundíveis, enquanto outras mais pequenas assomam descalças à porta de casa; animais são levados ao pasto e um perfume a café vai-se dissipando no ar.

Tomo então lugar no autocarro que percorre aldeias perdidas de casas de madeira de eucalipto e adobe, e telhados de chapa ondulada de zinco, ruas apinhadas de gente e uma vastidão de campos de cultivo, para onde muitos dos passageiros que sobrelotam o pequeno autocarro se dirigem, carregando sacos e utensílios agrícolas.

Ainda no Cairo, Martin – um alemão que conheci no hostel e me contou ter feito a mesma viagem há dois anos – dizia-me que Gonder era uma cidade interessante e um bom sitio para passar uns dias. Na verdade, não podia estar mais em desacordo.

Etiópia
Etiópia

Se a paisagem etíope é deslumbrante, o mesmo não consigo achar de Gonder. A cidade faz-me lembrar o Egito, tal o número de touts que me tentam vender uma qualquer excursão às montanhas, e a insistência é tal que me começa a irritar. Há uma tosse estranha a incomodar-me há dias e, como se não bastasse, dói-me a cabeça – porventura fruto da altitude. E a cidade não é de todo o que esperava encontrar. A juntar a tudo isto, há a chuva que hoje resolveu fazer uma surpresa e contrariar o slogan turístico da Etiópia: “13 Months of Sunshine”. E, para piorar ainda mais o meu estado de espírito, descubro que fui enganado – o que, para minha grande deceção, acontecerá diversas vezes nesta estadia na Etiópia.

Não tardo a descobrir que, contrariamente ao que acontece no Sudão, na Etiópia também há um preço para locais e outro para estrangeiros e que, ao contrário do que se passa na maioria dos países árabes, não é negociável. Torna-se frustrante tentar encontrar um táxi que me leve por um preço justo onde quer que seja e uma desconfiança generalizada vai-se instalando de cada vez que alguém me revela um preço ou desinteressadamente se oferece para me ajudar.

Etiópia
Etiópia

Mas, felizmente, nem tudo me parece mau; num desses dias visito a Yenege Tesfa, uma ONG local criada em 2004 e que trabalha com crianças de rua, promovendo educação e cuidados médicos. A Yenege Tesfa conta com três centros de apoio que acolhem cerca de 380 crianças – dos 7 aos 17 anos – e trabalha com oito clínicas a quem fornecem material médico em troca dos cuidados prestados.

A organização promove ainda educação social – especialmente no combate ao vírus da sida – às famílias das próprias crianças, uma vez que constataram que, muitas das vezes, os pais, por desconhecimento, acabavam por contrariar aquilo que tentavam transmitir às crianças.

Numa das paredes do gabinete onde converso com uma das responsáveis pelo projeto, pode ler-se: “Não dê o peixe. Ensine a pescar”. Neste sentido, a organização vende senhas de pão – que as crianças trocam em qualquer padaria da cidade – para que possamos distribuir na rua de cada vez que alguma nos aborda pedindo dinheiro.

De forma a garantir a privacidade e a dignidade das crianças, a organização deixou de possibilitar a visita aos orfanatos. Na verdade, sempre achei que a pobreza, em qualquer das suas formas, não deve ser nunca objeto de “atração turística” à qual acorrem excursões organizadas ou se apontam as câmaras fotográficas. Volto às ruas dessas crianças, confortado pela visita e com um bloco de senhas para distribuir.

Etiópia
Etiópia

A dor de cabeça continua a não me deixar dormir convenientemente. O despertador toca ainda assim às 5 da manhã e é ainda noite cerrada quando deixo o quarto destas duas últimas noites, à procura do autocarro para Debark, a povoação que serve de base para as Simien Mountains.

O cansaço é enorme e rapidamente adormeço na escuridão em que o autocarro segue estrada fora, embalando-me pelo seu andar titubeante em pistas de rocha e terra batida. Vamos subindo cada vez mais e o dia amanhece revelando novas paisagens. Na vastidão do planalto etíope – o mais alto dos países africanos – enormes descampados onde pastam livremente vacas e cavalos e miúdos jogam à bola no maior dos campos de futebol parecem-me desertos imaginários.

Depois de Debark, o autocarro para Aksum segue cheio e só me resta sentar num banco improvisado junto ao condutor. A estrada desce montanha abaixo numa série interminável de curvas e contracurvas, por um caminho estreito e sem proteção, num piso no qual teria dúvidas em seguir com o meu jipe, se o tivesse. Ainda assim, o pensamento que me ocorre é que a estrada é perigosamente bela!

Etiópia
Etiópia

Pelo caminho, vendedores de fruta, bebidas e de tudo um pouco assomam à janela do autocarro. Os frutos têm aparências diferentes neste lado do globo. As bananas são minúsculas mas super saborosas, e aquilo que me parece uma manga de tamanho considerável é, na verdade, papaia, que me faz descobrir que afinal é um fruto do qual sou capaz de gostar. Sentado ao lado do condutor, vejo-o mascar Kat, uma das maiores exportações da Etiópia (dirigida especialmente ao Médio Oriente), a par do café – que havia comprado numa das paragens pelo caminho e que me diz ser fundamental para manter a mente desperta nesta estrada sinuosa.

Uma das curiosidades da devoção deste país profundamente religioso pode ser encontrada em qualquer viagem de autocarro. A Etiópia está povoada de pequenos mosteiros, especialmente nos locais mais remotos, nas margens das estradas onde aparentemente só estes autocarros todo-o-terreno parecem ser capazes de circular. A certa altura da viagem, uma coleta é feita por todos os passageiros, que oferecem 1 Birr, e que o condutor atira janela fora à passagem por cada um desses mosteiros – e que um monge, encostado à porta tocando uma sineta, acabará por recolher.

De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.

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Mateus Brandão

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