Quatro dias entre Adis Abeba e Mombaça, numa viagem entre o planalto verdejante de plantações de café da Etiópia e as praias de areia branca e água quente da costa do Índico. Quatro dias por algumas das estradas mais inacessíveis, difíceis e sinistras do leste de África.
Depois dos planaltos verdejantes da Etiópia – de bananeiras e plantações de café estendido a secar à porta das casas -, a estrada desce em direcção à fronteira, revelando uma paisagem árida onde colunas de terra feitas por térmitas mais parecem estalagmites num jardim de esculturas fálicas.
É ainda manhã quando chego a Moyale e assim sendo mantenho a esperança de poder ainda hoje seguir mais para sul.
Moyale não tem nada que ver com a fronteira de Metema, onde filas intermináveis de camiões se aglomeravam para entrar ou sair do país e onde os brokers davam o seu melhor para conseguir uma boa comissão no que quer que fosse.
Aqui, ainda no lado etíope, estranhamente não sou abordado por ninguém e dirijo-me sem percalços ao edifício da emigração. Com o carimbo de saída no passaporte, o oficial de serviço pergunta-me:
– Por acaso não tens uma lanterna?
– Sim, tenho – respondo!
– Podes oferecer-ma como lembrança da tua passagem pela Etiópia?
Já no lado queniano, tudo parece diferente. Guardas bem fardados, de ar firme e respeitador mas simultaneamente prestável e atencioso.
Finalizado o visto, vou à procura de uma ligação a Nairobi. Alex – o broker que me aborda à entrada – insiste em me querer ajudar e, depois de cumprimentar algumas das autoridades presentes na área, parece-me um tipo de confiança. Seja como for, quero mesmo conseguir sair de Moyale ainda hoje e talvez ele me consiga ajudar, ainda que isso me possa custar alguns trocados.
Já não há autocarro para amanhã e para hoje muito menos.
Alex, garante no entanto, que me conseguirá pelo menos lugar num camião ou Land Cruiser, pelo mesmo preço do autocarro, logo pela manhã e que assim sendo o melhor é encontrar hotel onde pernoitar.
Não tenho qualquer vontade de ficar!
Moyale não é mais que uma pequena povoação fronteiriça, abafada e poeirenta, e além disso, dizem-me, foi recentemente palco de violentos tiroteios.
Do topo do terraço do hotel onde me hospedo, a televisão nacional – com uma enorme comitiva de jornalistas e repórteres de imagem – parece noticiar isso mesmo.
Quatro horas volvidas. Alex ausentara-se para almoçar, dizendo que regressaria mais tarde com mais novidades. Enquanto isso, alguns dos seus amigos – que sabem da minha vontade de partir ainda hoje – correm para mim dizendo ter um carro pronto a partir, mas por uma outra rota, que na verdade, segue directamente para Mombaça – que se tornou o meu único destino no Quénia desde que constatei o preço exorbitante da entrada em qualquer parque ou reserva natural e soube do cancelamento (exactamente esta semana!) do comboio entre Nairobi e Mombaça para melhorias no serviço. O carro deverá deixar-me em Wajir, 260Km a sul e de onde poderei seguir ainda esta noite para Garissa no autocarro das duas da manhã.
A ideia parece-me excelente não fosse esta a estrada mais próxima da fronteira somali e por conseguinte, apresentar algum risco. Pergunto várias vezes e a diferentes pessoas sobre a segurança da área. Respondem-me:
– Aqui é menos seguro que qualquer dos lugares para onde se dirige!
Recolho a mochila no hotel e dirijo-me rapidamente para o carro. Um militar devidamente armado, dirige-se para o mesmo na companhia de um dos brokers;
– Vai escoltar-nos? – Pergunto.
– Yes!
A polícia do Quénia parece mostrar enorme preocupação com os turistas.
Ainda em Gorgora, um dos funcionários do parque de campismo, havia-me contado a sua própria experiência com a polícia queniana, quando anos atrás fez com o seu pai a mesma viagem de moto. No caminho para Nairobi, o seu pai sofreu uma insuficiência renal e vêem-se obrigados a parar. Um carro patrulha deteve-se no acampamento alertando para os perigos de pernoitar naquela estrada. No entanto, perante uma situação em que seria pior ainda continuar, horas mais tarde viram chegar um outro carro patrulha apenas com um polícia, que por acção do primeiro havia sido destacado para os proteger durante a noite.
Sentado na parte de trás da pick-up, viajo na companhia de mais três quenianos.
A estrada não é senão um caminho esburacado de terra batida, que nos faz saltar do banco improvisado, e por onde o condutor acelera – qual piloto de ralis – deixando atrás de nós um enorme rasto de poeira.
Meia hora depois, paramos no meio do nada. Um dos meus companheiros de viagem salta fora da carrinha, regressando de espingarda carregada, que faz repousar entre as pernas. Diz-me pertencer aos serviços secretos e que tenho muita sorte por estar a viajar com eles. Apenas um pensamento me ocorre: “onde foi que me vim meter!?”
Pelo caminho, os perigos vão-se revelando; dois homens aguardam na sombra por ajuda, junto ao seu camião tombado sobre o trilho esburacado. Aldeias de palhotas completamente incendiadas – área de guerra tribal pelo poder destas terras férteis em ouro – e de onde sai ainda um fumo de fogo recente.
Já é noite quando chegamos a Wajir, mas nem por isso a temperatura é mais agradável. O ar é abafado e o suor banha-me por completo. Estou a pouco mais de 100Km da fronteira somali e uma estranha tensão paira sobre a vila.
O autocarro para Garissa parte às duas da manhã. Quando compro bilhete dizem-me que não terei lugar sentado, mas é a única opção na esperança de chegar a tempo de seguir ainda para Mombaça.
Se a estrada até aqui era má, daqui a Garissa é o maior dos meus pesadelos!
Um calor insuportável. Um autocarro apinhado com filas de três lugares, um corredor minúsculo com gente em pé e uma outra fila de dois lugares, onde quase não sobra espaço para as pernas… e uma pista de areia indecifrável, percorrendo aldeias perdidas, palhotas e mesquitas de altos minaretes e pastagens de gado no meio da aridez da savana.
Sentado no banco de trás do autocarro (acabei por conseguir onde me sentar) – entalado entre outros cinco passageiros – fixo os pés nos apoios dos bancos e seguro-me firmemente a eles, de cada vez que a passagem acelerada por um buraco, nos atira literalmente pelo ar.
Dez intermináveis horas depois estou em Garissa. Por estes lados, os autocarros partem todos manhã cedo e não mais há ligações para onde quer que seja, durante o resto do dia.
O calor é intolerável! Só amanhã terei autocarro para Mombaça e o quarto onde me hospedo parece ter o aquecedor ligado: uma cobertura de zinco, que mesmo imóvel, me faz transpirar abundantemente, correndo para o chuveiro – a balde! – a cada meia hora.
Quatro dias depois de ter deixado Adis Abeba, estou finalmente a percorrer os últimos quilómetros antes de Mombaça.
A areia dá lugar ao asfalto – ainda que muitas vezes esburacado – e a paisagem altera-se à medida que nos aproximamos da costa. Povoações de lojas de fachadas pintadas com logótipos de marcas de detergente ou operadoras de telefones móveis e mulheres de vestidos coloridos que assomam à janela do autocarro vendendo leite, chamuças e fruta. Um quadro de palmeiras e aldeias de aspecto tropical dão as boas-vindas ao meu primeiro vislumbre do Índico.
Pouco antes da chegada, espreito as notícias no jornal do meu vizinho; a estrada principal que liga Moyale a Nairobi, esteve cortada no dia anterior por incidentes – dos quais resultou um morto – entre a policia e manifestantes, na cidade de Isiolo, provando que não há nenhum caminho completamente seguro a norte do Quénia, como eu sempre suspeitara.
Veja também o post sobre viver em Nairobi.
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.