A entrada na Namíbia marca o fim de uma África autêntica, rústica e apaixonante. É um prelúdio de casa. Um sentimento incómodo de férias. Um país deslumbrante de areias intermináveis de um laranja inigualável que sopram em direção a sul, apontando-me o caminho até à última fronteira desta viagem.
Deixo a Zâmbia rumo a Windhoek, capital da Namíbia, numa viagem de 19 horas de autocarro.
Aos primeiros quilómetros, o país parece-me um longo caminho até à praia, com paragens de autocarro que mais parecem guarda-sóis abertos no areal, por uma mata de acácias e árvores do Mopane que crescem num território saibroso e com um sol que se põe atrás de nuvens que mais parecem uma onda gigante desse oceano para onde me dirijo.
Quando, de manhã, acordo num autocarro luxuoso de uma companhia sul-africana fundada por um português, tenho a sensação de estar de volta à Europa. A arquitetura colonial não deixa enganar, mas parece que nem a tez predominante é mais o negro e a organização e arrumação são de uma outra África, diferente da que conheci até agora. Mas não será difícil de entender: a Namíbia é um país com mais de 800.000 Km2 e pouco mais que dois milhões de habitantes, sendo que talvez a única zona menos desenvolvida é o norte do país, onde habita a tribo Himba popularizada por inúmeros documentários e facilmente reconhecível pelas tranças das mulheres que as cobrem de terra.
Para além disso, a Namíbia foi colónia alemã, tendo passado depois para as mãos da África do Sul, dominada pelo holandeses, antes de se tornar finalmente independente em 1990. Seja como for, assume-se claramente como uma das democracias de África em maior ascensão.
Com tão baixo índice populacional, Windhoek mais parece uma vila e, tirando meia dúzia de edifícios coloniais de interesse, pouco mais há que valha a pena para um turista na cidade. Não demoro muito a perceber que é preferível seguir para o próximo destino. Na estação, um desses edifícios com interesse, compro bilhete para um dos dois comboios que diariamente partem, ao final da tarde, para os únicos destinos ferroviários do país: Walvis Bay, na costa atlântica, Keetmanshoop e Karasburg 700 km a sul da capital.
Com bilhete para o primeiro, perco umas horas no pequeno mas bastante interessante museu ferroviário instalado no primeiro piso da estação. Mapas, fotografias e equipamento diverso arrumam-se de forma organizada pelas diferentes salas e corredor, contando não apenas a história dos caminhos-de-ferro, mas também da colonização deste recanto de África e das viagens empreendidas até cá.
As ligações a Outjo e a Upington, na África do Sul, foram suspensas em 2005 e apenas dois comboios por semana ligam Keetmanshoop a Karasburg, mas apesar do diminuto número de passageiros, a StarLine vai mantendo o serviço com considerável regularidade.
Na linha 1 da estação, três carruagens aguardam apartadas a hora de saída. O comboio para Keetmanshoop é composto por duas carruagens, sendo que uma delas é para serviço de couchette - carruagem cama - enquanto que o comboio para Swakopmund é apenas composto por uma carruagem, que se divide entre primeira e segunda classes a que se juntam uns quantos vagões de mercadorias.
Infelizmente, o “comboio do deserto” - como é muitas vezes chamado - faz a viagem de noite, limitando as fabulosas paisagens desérticas à contemplação daqueles que, ao bom jeito colonial, optam por viajar no comboio turístico que uma vez por semana faz a viagem até à costa do Atlântico.
O comboio para Swakopmund prossegue a sua marcha até Walvis Bay, completando os cerca de 400 km em quase 11 horas e mesmo assim anda atrasado!
A manhã está prestes a levantar-se no alçado poente de África, o que, por si só, é já uma lembrança de casa. Olho o mapa da cidade no meu guia continental e vou à procura do hostel. Sinto-me completamente deslocado. Defraudado até! Esta não é a África de que vim à procura.
Surpreendentemente, enquanto aguardo a abertura da receção, vejo Daniel sair da sua tenda. Está aqui à procura de um barco – de preferência um navio de carga – para a África do Sul. A viagem de barco proporcionaria uma nova e diferente experiência de viagem.
Havia conhecido Daniel em Livingstone uma semana antes. Contou-me estar a fazer uma viagem bastante semelhante à minha, tirando o facto de ter começado em Zurique três meses depois. No entanto, há anos que está fora de casa. Apesar das feições chinesas, Daniel é australiano e tem passado os seus últimos anos em viagem, parando sempre que oportuno e necessário, por um período alargado de tempo, para estudar ou trabalhar de forma a financiar o seu “desejo de mundo”.
Nesse dia, entretidos em animadas conversas nas esplanadas desse destino de verão, conta-me estar indeciso sobre o que fazer quando chegar à Cidade do Cabo. Para já, sabe que quer aprender a pilotar, mas depois disso mostra-se indeciso entre rumar à América do Sul ou aceitar o convite para voltar a estudar numa prestigiada universidade dos arredores de Londres.
Ambos estamos desapontados por já não haver por aqui qualquer resquício do continente que nos foi apaixonando e, apesar de Swakopmund ser um destino onde é possível encontrar um sem número de atividades, fazer sandboard ou andar de moto4 pelas dunas – que diga-se, ficam mesmo às portas da cidade -, não fazem o nosso género e, assim sendo, nada mais justifica a nossa permanência.
Na manhã seguinte, depois do pequeno-almoço na loja/pastelaria/cibercafé onde no dia anterior tinha entrado e ouvido Xutos e Pontapés difundidos pela M80 através desta rede cibernética que encurta distâncias (mesmo quando não queremos!) e nos liga ao mundo, resolvo ir ao encontro das míticas dunas de Sossusvlei, onde não há outra forma de chegar que não num carro particular.
Ponho-me à boleia e facilmente chego a Walvis Bay, zona de grande movimentação portuária, mas daqui para baixo revela-se impossível. As horas vão-se passando e parece não haver como obter boleia para esse que é apenas um destino de turista e que, não sendo época alta, é ainda menos frequentado nesta altura.
Perante o impasse, resolvo voltar a Windhoek de forma a conseguir apanhar no mesmo dia o comboio para Keetmanshoop, dando tempo para visitar Lüderitz, também na costa, e voltar a Keetmanshoop a tempo de apanhar novo comboio para Karasburg dois dias depois.
De boleia só pagando
O regresso a Swakopmund não revela qualquer problema, mas rapidamente compreendo que num país com tão baixo índice populacional, andar à boleia não é nada fácil. Ainda assim, consigo seguir uns bons 200 km na companhia de um empresário afrikaans que, “montado” no seu Mercedes me leva, agora sim, a contemplar a fabulosa paisagem do deserto da Namíbia, cruzado por comboios a diesel fumegando no meio das areias, mais parecendo miragens de outros tempos.
Mas a minha boleia não segue para Windhoek e, algumas horas depois, estou novamente na estrada de polegar em riste. Há um camião que pára.
Subo a bordo e ofereço o pouco que trago nas mãos; um pacote de leite. Pouco falamos nestes minutos iniciais, antes de pararem a meio da estrada, aparentemente porque se esqueceram de uma qualquer papelada que alguém que veio ao seu encalço lhe vem agora entregar.
Ao descer do camião perguntam-me: “Tens dinheiro para nos pagar?”. “Não! Por isso é que ando à boleia!”, respondo mais por uma questão de princípio do que por verdadeira falta de dinheiro. “Então ficas aqui.” Eu, que não sou nada orgulhoso, saco da mochila e desço do camião com cara de poucos amigos mas nada disso os parece incomodar. Estamos no meio do nada. Antes de partirem ainda lhes pergunto à lábia de assombrado com a atitude: “Vocês são mesmo capazes de me deixar aqui?!?”.
Deixaram!
Ao longo de uma reta interminável só vejo mato de ambos os lados. Savana. Há mais carros a passar em sentido contrário do que naquele que pretendo seguir e ninguém pára, provavelmente céticos sobre o que fará um tipo de mochila às costas naquele local que se vai tornando cada vez mais inóspito, à medida que o tempo passa e o céu se turva e raios rasgam o horizonte de forma medonha.
Finalmente novo camião pára. A mesma pergunta: “Tens dinheiro?” Volto a responder que não. Mas o caso não está para “esquisitices” e, perante a ameaça de tão cedo não sair dali, e na eminência de ficar debaixo da tempestade que se aproxima a passos largos, cedo relutante não deixando de perguntar enfurecido: “Mas será que é tudo uma questão de dinheiro?!?”
Não falamos o tempo todo mas confesso que lhes roguei algumas pragas. De volta à estação, sou reconhecido pela funcionária da bilheteira que me pergunta com olhar admirado: “Já está de volta?! Não gostou de Swako?” Na verdade gostei, mas não o suficiente.
Comboio para Keetmanshoop
São umas seis da manhã quando chego a Keetmanshoop. Na ausência de autocarros ou qualquer outro meio para chegar a Lüderitz, faço-me novamente à estrada, mas mais de três horas depois não consigo qualquer boleia.
Enquanto espero, vejo chegarem dois alemães que se dirigem da mesma maneira para o Fish River Canyon (onde tinha planeado uma caminhada de uma semana que, para grande desgosto meu, só é possível entre maio e setembro) e juntos mudamos de spot para um cruzamento aparentemente mais favorável. Cinco minutos depois pára Johan. Pergunto-lhe para onde vai, mas não compreendo a resposta e devolvo: “os meus amigos vão para o Fish River, eu vou para onde me levar…”
De Cabo a Cabo tem por objetivo unir os pontos mais a norte da Europa e mais sul de África, numa viagem em busca das afinidades e multiplicidades dos povos, das suas culturas, crenças e esperanças, das suas singularidades e de como o homem é um ser “pacífico e cooperativo”, como dizia o professor Berger a Paul Theroux durante a sua «Viagem Por África». Com saída de Santa Maria da Feira, Portugal, no dia 28 de agosto de 2011, Mateus Brandão percorreu 20 países em 3 continentes durante 9 meses.
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