O verde, as montanhas e a simpatia do Curdistão iraquiano, deu lugar à hospitalidade, à generosidade e à genuinidade do povo iraniano, de uma forma tão autêntica que até me fez, por várias vezes, trincar os lábios, para que não me desfizesse ali mesmo, em cima da bicicleta, em lágrimas. Nunca antes nesta viagem havíamos sido tantas vezes surpreendidos em tão pouco tempo, como o fomos nestes dois países.
O Curdistão iraquiano revelou-se uma das grandes surpresas desta viagem, no Médio Oriente. Se no Egito encontrámos uma população pobre, mas humilde e acolhedora, na Jordânia encontrámos uma paisagem árida e uma sociedade mais desenvolvida, na Síria, uma estranheza no ar que, pensamos agora, poderá ter sido criada pelas revoluções nos países vizinhos e que, no dia da nossa saída, também se abateu sobre este país, na Turquia, um país com muitos contrastes: se por um lado encontrámos cidades totalmente ocidentalizadas, por outro encontrámos populações estagnadas há dezenas de anos, o Iraque era aquele país do qual não tínhamos nenhuma ideia e foi fantástico descobrir tudo. A história pode começar a partir de Erbil, para onde viajámos à boleia com as nossas bicicletas, depois de uma tempestade de areia e posteriormente de chuva se ter abatido durante horas, impedindo o nosso avanço no país.
Tínhamos passado duas semanas na Turquia parados, à espera que algumas encomendas chegassem, ora de Portugal, ora da Turquia e isso atrasava-nos a estadia no Irão, onde havíamos previsto ficar pelo menos sete semanas. Esta boleia vinha ajudar este avanço em, pelo menos, quatro dias. Pelo caminho, muitos checkpoints do exército curdo com as normais perguntas que, mais do que para controlo, tinham imenso de curiosidade. O turismo no norte do Iraque, apesar da segurança que se vive, ainda é muito pouco, pois as histórias que se ouvem e se lêem sobre o país não convidam a uma passagem. Porém, como a população gosta de dizer, este é um dos pontos mais seguros do planeta.
Erbil é a capital do Curdistão iraquiano e tem alguns sítios de interesse histórico, como o é a cidadela, erguida na parte mais alta da cidade, com uma fortificação construída a toda a volta e onde neste momento pouco se pode ver: casas em ruínas, uma mesquita, um museu e pouco mais, visto que o espaço está a ser recuperado em cooperação com a UNESCO. Dentro da fortificação vive também uma família, uma única família, que assim ajuda a que Erbil mantenha o título de “sítio continuamente habitado mais antigo do mundo”. Fora da cidadela, uma série de parques, alguns minaretes com alguns séculos e um bazar muito ativo, como o são todos os bazares no Médio Oriente, cheios de vida.
Nos bazares encontramos de tudo, desde artigos para a casa, a roupa, ao mínimo objecto kitsh para oferta. A juntar a tudo isto, um sem fim de “welcome” que vêm de diferentes sentidos, de diferentes bocas, de várias idades. Todos querem saber de onde vimos, o que pensamos do Iraque e sobretudo sobre o Curdistão: as pessoas, a segurança, a beleza natural das montanhas, dos rios, das cascatas. E a tudo isto respondemos sempre com um sorriso nos lábios, sem que nos cansemos por um único momento, porque sabemos que seria assim e que além de toda a simpatia que iríamos encontrar, iríamos encontrar olhares curiosos, famintos do exterior, do que vem de fora: nós.
A viagem de Erbil até Soran, ou Diana, como é conhecido, foi feita pela garganta de umas montanhas lindíssimas, onde corre um rio feroz, acastanhado, bravo da descida e do tropeço nas rochas, nos pedaços de árvore e da queda enorme que faz desta cascata a fotografia na nota de cinco mil dinares. Parámos para tomar um chá, sem sabermos da importância de tal catarata e, depois de termos dito pela milésima vez nesse dia que éramos de Portugal e que sim, era de onde vinha o Ronaldo, fomos brindados com a oferta não só do chá, mas também da de uma bandeira do Curdistão que, avisaram-nos, teríamos de levar para nossa casa mas que, até lá, primeiro precisaríamos de ter algum cuidado no Irão, pois eles não achavam piada alguma à bandeira. Assim, esta foi camuflada logo de seguida dentro de uma bandeira francesa que também nos haviam dado no Egito e nos serve de toalha de piquenique.
No caminho, um carro ultrapassava-nos pela direita e antes que soltasse algumas asneiras e possíveis insultos, face à poeirada que este levantou, logo uma mulher saltava de dentro do mesmo e agarrava-se à Tanya aos abraços. Eu, atrás, pouco entendia do que se passava, até chegar perto das duas e perceber que era a Esther, a nossa anfitriã desse dia que passava em sentido contrário. Depois das chaves na mão, continuámos montanha acima, numa estrada aos ziguezagues, com uma ventania de loucos a soprar-nos em todas as direções, exceto na desejada. Já no topo, um velhinho numa loja queria oferecer-nos, mais uma vez, o que queríamos comprar, porém depois de umas tantas insistências lá acabámos por conseguir sacar umas notas da carteira e pagar. A partir daí, sempre a descer e os “Uaus” sucediam-se a cada curva, a cada paisagem.
De Soran pouco há a dizer, servindo-nos somente como ponto de descanso durante dois dias, ponto de manutenção das bicicletas, ponto de ingestão de muitos falafel e gelados, ponto de desespero para a Tanya, que decidiu cortar o cabelo “à rapaz” num país onde nenhuma mulher tem o cabelo curto e saiu do cabeleireiro a chorar, e ponto de partida para o Irão, o país que mais desejávamos conhecer. Ainda antes de chegarmos a solo iraniano e depois de termos tido um dia muito cansativo, pois tínhamos começado a subir para os 1.900 metros, onde se encontrava a fronteira, passámos por um estaleiro com uma bandeira do Curdistão e uma da Roménia e logo parámos. Fomos convidados não só a descansar, mas para um chá, doces, frutos secos, jantar e dormida. Os diretores da obra eram iranianos e começaram, logo ali, a fazer jus à fama hospitaleira deste povo.
À saída, no dia seguinte de manhã, uma série de coisas para levar na bagagem – e não valia a pena dizer que era pesado – e uma série de contactos no Irão, onde podíamos ficar nas próximas noites. Perfeito.
A saída do Iraque, pela mítica Hamilton Road, pacífica, e a entrada no Irão, pacífica. De onde vínhamos, onde íamos ficar na primeira noite, quais as nossas intenções no país e em que fronteira tencionávamos sair? Bem-vindos e boa viagem.
As montanhas, com os picos nevados eram fantásticas. Os campos imensamente verdes eram incríveis. O sorriso das pessoas era genuíno. Na primeira oportunidade de parar, fizemos um vídeo com a Tanya devidamente vestida “à moda iraniana”, com o cabelo tapado, os braços, as pernas. Ainda mal tínhamos visto a primeira cidade, cá de cima, do topo, quando um carro já passava ao nosso lado e num gesto universal nos fazia um convite para comer. A Tanya ia bem mais à frente, pelo que decidi aceitar sem a consultar. A grande velocidade e já depois de a ter alcançado, seguimos o carro que nos havia convidado e entrámos numa casa de família e fomos recebidos como reis. Minutos depois chegava a pessoa que seria o nosso tradutor naquela família e fomos ficando por ali, mesmo depois de termos almoçado, embora tivéssemos de rejeitar o convite para dormir, já que teríamos de seguir para Osnawie. O nosso visto de apenas 30 dias no Irão seria insuficiente para tudo o que queríamos ver e percorrer o que se exigiria de nós um bom “golpe de rins”.
Exaustos, fomos acolhidos por uma família feita, na sua maioria, por mulheres! “Preparámos um frango e peixe para vocês”, ao que respondemos: “Mas nós… nós somos vegetarianos…”. A resposta veio passado meia hora, com uma carrada de comida vegetariana, deliciosa e sem que por um minuto nenhuma das pessoas naquele espaço nos tivesse respondido como o fazem a maior parte dos nossos conhecidos em Portugal: “Comida vegetariana? Não sabemos fazer ”. O Irão iria mostrar-se um país de comida divinal. E com mais uma mão cheia de surpresas, que nunca esperaríamos.
O projecto Eurásia é uma viagem de bicicleta entre Portugal e Macau, com passagem pela Europa, Médio Oriente e Ásia Central e 19 meses de duração. Ao longo de todo o percurso foram publicadas crónicas com periodicidade média quinzenal.
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