Não sei se o que escrevo hoje tem a ver com viagens. Tem, seguramente, a ver com a vida, com a minha vida de vagabundo e a permanente dificuldade em conciliar “o melhor trabalho do mundo” com a família. Não é um lamento, é um desabafo. Preciso de escrever. Estou feliz e triste. Porque sou um homem como todos os outros, porventura com menos raízes que a maioria mas, ainda assim, humano.
Segunda-feira, 29 de setembro de 2014. Porto. Às 19:20 começou a maior e mais bela de todas as viagens – a viagem da vida. Nesse minuto preciso nasceu no Porto o meu segundo filho, Tiago, e eu assisti a tudo serenamente, até ficar branco como a cal que pinta as casas alentejanas quando o pediatra, segundos após o nascimento, lhe fazia as “maldades” habituais naquelas circunstâncias.
Seguiu-se uma noite épica no hospital, a quatro, a família a dormir aos soluços em torno de três quilos e meio de gente, a irmã extasiada de olhos a quererem fechar mas o coração a não deixar, o horário da escola do dia seguinte a ficar para segundo plano – porque a vida é feita de escolhas e um irmão não nasce todos os dias.
Terça-feira, 30 de setembro de 2014, 07:00. Porto, 12 horas de vida. Hora marcada para rumar ao aeroporto. Destino: Teerão. Uma greve providencial da Lufthansa deu-me a possibilidade de adiar o voo por 24 horas. Tinha viajantes Nomad a chegar a Teerão dois dias depois, havia tempo para ficar junto de quem mais precisava de mim naquele momento. E assim fiz, de consciência e coração (um pouco) aliviados e a certeza de que, pela primeira vez, tinha gostado de ser afetado por uma greve. Era o primeiro dia do resto das nossas vidas, como diz a canção.
Quarta-feira, 1 de outubro de 2014, 07:00. Porto, 36 horas de vida. Hora marcada para rumar ao aeroporto. Destino: Teerão. E agora tinha mesmo de ser. Saí do hospital e comecei a chorar incontrolavelmente, entrei no carro a chorar, conduzi pelas ruas quase desertas, até casa, já mais calmo. Foi o tempo de tomar um banho, pegar na mochila já pronta, passar pelo banco para tratar de uns últimos pormenores, correr (literalmente) até à porta da escola para me despedir da filha (agora também irmã!) mais velha e apanhar uma boleia familiar até ao aeroporto.
Enquanto esperava pelo voo, atrasado no rescaldo da greve, não me saía da cabeça uma ideia terrível de digerir: o meu filho tem dia e meio de vida e eu estou a partir. Já antes deixei de viajar por motivos semelhantes e perdi o dinheiro dos bilhetes há muito marcados, porque há alturas em que é preciso seguir o coração. Desta vez não era possível.
E assim cheguei a meio da noite a Teerão, após horas de atraso no voo de ligação e correrias em Frankfurt para não perder o voo que me haveria de trazer ao Irão, onde me encontro, e de onde vos escrevo estas linhas.
Quinta-feira, 2 de outubro de 2014, 14:00 em Teerão. Home Cafe. Dois dias e meio de vida. Escrevo. Hoje à noite começam a chegar os 10 bravos viajantes com quem partilharei os meus “Segredos da Pérsia”. Lá estarei no aeroporto para os receber no “país mais perigoso do mundo” de braços abertos. Serei o mesmo profissional de sempre, com a mesma paixão pelo povo iraniano que faz com que nunca me canse de voltar. Terei o coração um pouco apertado pela distância, mas serei o mesmo.
Já aqui escrevi que “dificilmente trocaria a tribo Nomad por outro trabalho qualquer” e, não tarda nada, com o calor humano da viagem, “esquecerei” que deixei um recém-nascido em casa. Mas precisava de desabafar com vocês, que fazem parte desta minha vida de viajante.
Brindo (sem álcool) ao milagre da vida.
Em breve seremos quatro a viajar!