36 horas de vida (e eu no Irão)

Por Filipe Morato Gomes
Família

Não sei se o que escrevo hoje tem a ver com viagens. Tem, seguramente, a ver com a vida, com a minha vida de vagabundo e a permanente dificuldade em conciliar “o melhor trabalho do mundo” com a família. Não é um lamento, é um desabafo. Preciso de escrever. Estou feliz e triste. Porque sou um homem como todos os outros, porventura com menos raízes que a maioria mas, ainda assim, humano.

Segunda-feira, 29 de setembro de 2014. Porto. Às 19:20 começou a maior e mais bela de todas as viagens – a viagem da vida. Nesse minuto preciso nasceu no Porto o meu segundo filho, Tiago, e eu assisti a tudo serenamente, até ficar branco como a cal que pinta as casas alentejanas quando o pediatra, segundos após o nascimento, lhe fazia as “maldades” habituais naquelas circunstâncias.

Seguiu-se uma noite épica no hospital, a quatro, a família a dormir aos soluços em torno de três quilos e meio de gente, a irmã extasiada de olhos a quererem fechar mas o coração a não deixar, o horário da escola do dia seguinte a ficar para segundo plano – porque a vida é feita de escolhas e um irmão não nasce todos os dias.

Terça-feira, 30 de setembro de 2014, 07:00. Porto, 12 horas de vida. Hora marcada para rumar ao aeroporto. Destino: Teerão. Uma greve providencial da Lufthansa deu-me a possibilidade de adiar o voo por 24 horas. Tinha viajantes Nomad a chegar a Teerão dois dias depois, havia tempo para ficar junto de quem mais precisava de mim naquele momento. E assim fiz, de consciência e coração (um pouco) aliviados e a certeza de que, pela primeira vez, tinha gostado de ser afetado por uma greve. Era o primeiro dia do resto das nossas vidas, como diz a canção.

Quarta-feira, 1 de outubro de 2014, 07:00. Porto, 36 horas de vida. Hora marcada para rumar ao aeroporto. Destino: Teerão. E agora tinha mesmo de ser. Saí do hospital e comecei a chorar incontrolavelmente, entrei no carro a chorar, conduzi pelas ruas quase desertas, até casa, já mais calmo. Foi o tempo de tomar um banho, pegar na mochila já pronta, passar pelo banco para tratar de uns últimos pormenores, correr (literalmente) até à porta da escola para me despedir da filha (agora também irmã!) mais velha e apanhar uma boleia familiar até ao aeroporto.

Enquanto esperava pelo voo, atrasado no rescaldo da greve, não me saía da cabeça uma ideia terrível de digerir: o meu filho tem dia e meio de vida e eu estou a partir. Já antes deixei de viajar por motivos semelhantes e perdi o dinheiro dos bilhetes há muito marcados, porque há alturas em que é preciso seguir o coração. Desta vez não era possível.

E assim cheguei a meio da noite a Teerão, após horas de atraso no voo de ligação e correrias em Frankfurt para não perder o voo que me haveria de trazer ao Irão, onde me encontro, e de onde vos escrevo estas linhas.

Quinta-feira, 2 de outubro de 2014, 14:00 em Teerão. Home Cafe. Dois dias e meio de vida. Escrevo. Hoje à noite começam a chegar os 10 bravos viajantes com quem partilharei os meus “Segredos da Pérsia”. Lá estarei no aeroporto para os receber no “país mais perigoso do mundo” de braços abertos. Serei o mesmo profissional de sempre, com a mesma paixão pelo povo iraniano que faz com que nunca me canse de voltar. Terei o coração um pouco apertado pela distância, mas serei o mesmo.

Já aqui escrevi que “dificilmente trocaria a tribo Nomad por outro trabalho qualquer” e, não tarda nada, com o calor humano da viagem, “esquecerei” que deixei um recém-nascido em casa. Mas precisava de desabafar com vocês, que fazem parte desta minha vida de viajante.

Brindo (sem álcool) ao milagre da vida.

Em breve seremos quatro a viajar!

Filipe Morato Gomes
Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

17 comentários em “36 horas de vida (e eu no Irão)”

  1. Parabéns, Filipe! Pena não ser uma das participantes, com o João, nesta viagem e brindarmos contigo – com álcool, por favor – ao Tiago e restante presépio! Boas viagens físicas e interiores! bjs

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  2. Filipe, certamente o grupo que te acompanhará irá atenuar esse nó na garganta que agora sentes e nem vais sentir o tempo a passar, não tarda estarás de volta para aí sim desfrutares também do teu filho como deve ser!… ;)
    Abraço

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  3. Força, companheiro!! Não sei ainda o que é ter um filho, mas sei o que é estar longe e só querer estar em casa, junto dos nossos. Abraço :)

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  4. Parabéns pelo novo viajante e que as viagens comecem logo a 4! ;-)

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  5. Parabéns! E espero que está viagem passe rápido ;-)

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  6. olá Filipe, Parabéns e uma boa viagem.
    Eu sou um amante de viagens e estou com vontade de dar a volta ao mundo.
    Gostaria de o fazer com outra pessoa com os mesmos objectivos que eu simplesmente desfrutar os encantos do planeta.
    Quanto tempo achas que é preciso para preparar a viagem?

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  7. Muitos parabéns Filipe. Que o novo ser que agora chegou possa partilhar e desfrutar das maravilhosas experiências que o pai certamente terá para lhe contar. Um abraço

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  8. Parabéns por tudo mas depois da leitura deste texto, obrigada por toda a ternura que dele transborda. Boa viagem.

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  9. Um grandessíssimo abraço de parabéns e de força por parte de uma família que admira os teus (vossos) passos e caminhos. Aquilo que vocês fazem é muito especial, tanto a nível profissional como a vossa viajem com a Pikitim. Obrigado por nos inspirarem e nos fazerem sentir não tão malucos, ou pelo menos não tão sozinhos!

    Também nós fazemos escolhas diárias, mais vezes complicadas que simples, no sentido de estarmos juntos em família e na realização profissional ao mesmo tempo.

    Um abraço, mais uma vez!

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  10. Parabéns grande amigo. Passei poucos momentos da tua vida junto com você, má ja da pra conhecer um grande homem… Edson

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  11. Um grande abraço e tudo a correr bem!
    Força e se tiveres de chorar, pois chora!
    Boa sorte em mais uma viagem!

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  12. parabens pelo segundo rebento.
    Tenho do meu pai, mandei para o meu filho, mando agora para o meu neto. POSTAIS verdadeiros com selo e tudo.
    Nao estas agora com ele mas um dia vão gostar de rever esses postais.
    Abraço
    PB

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  13. Muitas felicidades!! QUE VENHA O 3º!!! :) boas viagens e boa continuação Filipe

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  14. PARABÉNS Filipe!!
    A tua filhota é a tua cara chapada, pá!
    E que sorte que ela tem por ter um pai com tantas aventuras para contar e que a pode levar à escola tantas vezes e ainda a levou a conhecer o mundo aos 5 anos!
    Dava o dedo mindinho para ter tido uns pais como vocês! E, já agora, ficas a saber que quando eu nasci o meu pai trabalhava em Lisboa e só o via uma vez por mês, e ainda hoje sou fã dele. :)
    E que sorte que tem o teu mai’nobo, porque ao ter um pai como tu vai ser com certeza aquele que mais invejas vai despertar no grupo de amigos da escola.
    Eu não consigo imaginar a dureza de fazer esta escolha, por muito bom que seja conhecer os viajantes Nomad, mas sei te dizer que estes dias não vão diminuir o orgulho que os teus filhos vão ter no Paizão Filipe :) Parabéns rapaz! Um abraço!!

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  15. Já lá vão uns meses mas só agora descobri este artigo… Os parabéns ainda vão a tempo e, para além do mais, também hoje ganhaste o título de Melhor Blogue de Viagens Profissional de 2015. Parabéns, parabéns. Decidi comentar também porque também já me aconteceu estar de malas prontas a sair de casa (para a Escócia) e não conseguir partir. Simplesmente não pude deixar a minha filha de 3 anos, na altura. Fomos buscá-la (eu e a minha mulher) a casa dos avós e no dia seguinte partimos de carro os 3 para a Corunha, onde viviam uns amigos. Desde então já fomos só os dois à Turquia, Islândia, Hungria, Holanda, Bélgica,… Sempre na Europa porque… Sei lá, parece que estamos mais perto e que é mais fácil voltar em caso de emergência. Não vamos profissionalmente, o que faz com que, penso eu, a despedida ainda seja mais difícil. Ela fica bem. Nós nem por isso, pelo menos até nos entretermos com o entusiasmo da viagem. Mas nunca se esquece, nem pensar. As últimas viagens, Suíça e França, já foram a três. Sabe melhor. Mas as outras viagens para mais longe vão sendo adiadas. Porque viajar a três é mais caro, especialmente se houver restrições de tempo. Porque já sinto saudades antes mesmo de ir. Vamos ter que aprender a equilibrar melhor as coisas aqui em casa. Obrigado por me mostrares que não sou o único com dilemas destes. Grande abraço.

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