Destino: Médio Oriente

O país mais “perigoso” do mundo

Por Filipe Morato Gomes

Fui convidado para escrever 7 crónicas de viagem para as edições de verão do jornal Diário de Notícias. Para quem não teve oportunidade de ler a versão em papel, hoje republico o primeiro desses textos, que foi para as bancas no passado dia 15 de julho. As crónicas são publicadas até ao final de agosto, sempre às segundas-feiras, na secção DN – Verão do jornal (e aqui com duas semanas de atraso).

#1. O país mais “perigoso” do mundo

Jovem iraniana em Esfahan
Jovem iraniana em Esfahan

Há países muito perigosos. E o Irão é seguramente um deles. Pelo menos é o que me dizem amigos e conhecidos que nunca lá foram. Pelo que me afiançam, deverá ser um país incrivelmente inseguro e cruel, viveiro de terroristas e malfeitores – esses “muçulmanos”! – amantes das armas nucleares onde, seguramente, alguém me irá assaltar, quem sabe colocar-me atrás das grades pelo facto de ser ocidental ou, até, apontar uma Kalashnikov e deixar-me estendido num beco escuro onde ninguém dará por mim durante muitos dias.

Não fazem por menos, os meus amigos. Com tais relatos, pânico era o mínimo que deveria sentir ao aterrar em Teerão pela primeira vez. Seis viagens depois à antiga Pérsia, a julgar pelas experiências que já lá vivi, posso garantir que eles têm toda a razão: o Irão é um país muito “perigoso”.

Na primeira vez que fui ao Irão, fui “sequestrado” por uma equipa de filmagens numa pequena aldeia montanhosa do norte do país, que me adotou por uns dias no seio do grupo enquanto filmavam um road movie independente, tempo durante o qual não consegui pagar fosse o que fosse porque ouvia sempre o mesmo argumento: “you’re my guest“.

Na cidade de Kashan, um taxista malandro “obrigou-me” a aceitar o convite para visitar a sua casa, conhecer a família – mulher e filho de 4 anos notoriamente terrorista – e jantar com eles. Ainda hoje somos amigos.

Na segunda vez que fui ao Irão, fui “atacado” por jovens adolescentes que queriam tirar fotografias encostadas a mim na aldeia de Abyaneh, sorrindo com excitação e despedindo-se com acenos, endereços de Facebook e inocentes “I love you“.

Na terceira viagem, perdido à noite no bazar de Esfahan, pedi ajuda a um velho iraniano que passava de bicicleta (que mais poderia ser aquele velho simpático senão um terrorista disfarçado?), o homem teve o “desplante” de desmontar da sua bicicleta, mudar o seu rumo e caminhar uns bons 15 minutos até ao local que eu procurava, desaparecendo de seguida sem sequer esperar por um sentido obrigado.

E quando me impelem a deixar os hotéis onde estou alojado e insistentemente me convidam para dormir nas suas casas, onde, resguardados por quatro paredes, me podem “torturar” com perguntas sobre o meu país e a opinião que tenho sobre o Irão, antes de me alimentarem à força com comida deliciosa e de me mostrarem um pouco da música persa acompanhando um chá e qalyan? Só pode ser “maldade”, certo?

Mas não é tudo.

Na última viagem que fiz ao Irão, no passado mês de abril, vi alguém pagar por engano 10 vezes mais que o devido a um taxista (é comum esta confusão com a moeda iraniana). De pronto, o bom homem desatou à gargalhada e devolveu o excedente. E vi outro estrangeiro deixar um smartphone topo de gama no banco traseiro de outro taxista. Minutos depois, o taxista atendeu a chamada no telefone perdido e veio devolvê-lo imediatamente.

E na rua? Elas e eles, cultos e bem formados, abordam-me na rua, nos cafés, nos bazares, nos parques verdes, nas galerias de arte. Querem conversar, conhecer, perguntar, sorrir em conjunto – só podem ser “espiões”.

Sim, o Irão é um país perigoso. Muito perigoso. Mas isso é só na televisão. Fora da “caixa que mudou o mundo” – e continua a moldar a opinião que dele temos –, o Irão é “só” o país com o povo mais hospitaleiro que conheço.

Série de Crónicas DN – Verão 2013

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.