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De Caiaque Pela Baía de Halong (VM #16)

Por Filipe Morato Gomes

Halong Bay, Vietname

Pagaiando mar adentro, percorro um dos mais belos cenários naturais com que me deparei até à data. Retrato de uma exigente expedição de caiaque por entre as brumas da Baía de Halong, muito próximo da capital Hanói, norte do Vietname.

Tinha decidido deixar o sul da China e rumar em direcção ao Vietname. Mudar de ares. Verifiquei que o comboio é a forma mais prática de fazer a ligação entre Guilin, na província chinesa de Guangxí, e Hanói, capital do Vietname, mas é também a mais dispendiosa. Procurei alternativas. Quatro autocarros, dois táxis, uma motorizada e incontáveis horas depois chegava a Hanói. Uma aventura.

Campo base da expedição de caiaque pelas águas da baía de Halong, Vietname
Campo base da expedição de caiaque pelas águas da Baía de Halong, Vietname

Lá chegado, tinha por primeiríssimo objectivo conhecer a Baía de Halong, a três horas de distância de Hanói. E Halong pode até ser o que de mais turístico existe em todo o país. Razões para tal popularidade não escasseiam. A natureza encarregou-se de aí criar uma das mais fabulosas paisagens que já pude observar até à data. Percorrê-la é como visualizar um filme composto por sucessivos fotogramas de superior qualidade, com jogos de cores e tons só ao alcance de conceituados directores de fotografia da sétima arte. E muitos turistas têm o prazer de assistir a essa película. O que não é tão comum, no entanto, é fazê-lo de forma activa, como num filme interactivo em que é possível escolher os ângulos das câmaras e até o próprio guião. A bordo de um caiaque, por exemplo. Pagaiando, pagaiando mar adentro por entre centenas de proeminentes rochedos erguidos das águas em aprumada verticalidade. Até os braços quase cederem. Assim fiz.

Desloquei-me numa pequena barcaça, em direcção ao campo base da expedição, na madrugada de um dia relativamente enublado. Pudesse eu isolar os diferentes tons de cinzento dessa madrugada e obteria pouco menos do que uma infinidade deles. Sublime. Uma inteira paleta de cinzas, do quase preto ao quase branco, misturados pelo pincel de um invisível artífice. E o tempo, esse, perfeito. Nem chuva, nem demasiado calor. O ideal para uma intensa actividade física como a que nos esperava.

Descanso numa praia deserta, baía de Halong, Vietname
Descanso numa praia deserta, Baía de Halong

No campo base – apenas um conjunto de casinhas de madeira construídas numa minúscula praia totalmente isolada – os caiaques esperavam por quem os arrastasse para as águas calmas do Golfo de Tonkin. Eram caiaques duplos, talvez demasiado grandes para praticantes experimentados, mas ideais para principiantes como a maioria dos elementos do grupo. Dez no total, homens e mulheres dos vinte e seis aos sessenta e cinco, desejosos de pagaiar filme adentro, quais actores secundários numa película onde o Óscar seria atribuído, seguramente, ao criador de tamanha beldade. Caiaques à água!

Passámos uma manhã em relativa tranquilidade. O vento e a corrente a favor na maioria do trajecto ajudavam a fomentar essa sensação. A brisa na face, os músculos ainda frescos, a sensação de liberdade total apoderando-se do corpo ao embrenharmo-nos neste cenário esplendoroso, os sentidos despertos, deleitados, tornavam o momento extremamente aprazível. E a bruma matinal adicionava uma pitada de excitação e mistério ao enquadramento, como se nos dirigíssemos ao encontro de uma imaginária Avalon. Pagaiávamos pela baía circunscrevendo ilhas de rochas verticais, sobranceiras, com o objectivo de alcançarmos uma pequena praia onde haveríamos de almoçar. Um pequeno barco de pesca haveria de trazer peixe fresco e outras iguarias.

Os bravos sexagenários, um casal australiano de afável trato, começavam, no entanto, a enfrentar as primeiras dificuldades fruto de uma deficiente sincronização de movimentos. Foi, pois, com algum alívio que chegaram a essa praia minutos depois, já eu nadava naquelas águas maravilhosas. E eis que se aproximou um pequeno barco de pesca, o aguardado almoço vindo ao nosso encontro. Nadámos até à embarcação, subimos a bordo e aí almoçámos, embalados pela suave ondulação. Um simples peixe grelhado, tão fresco como se estivesse vivo minutos atrás, lulas deliciosas, arroz – pois claro! – e espinafres salteados com alho. Dificilmente me ocorreria algo melhor para início daquela tarde.

A canadiana Jeanne num barco turístico apreciando a paisagem em Halong, Vietname
A canadiana Jeanne num barco turístico apreciando a paisagem em Halong

A árdua parte da jornada estava reservada para o final do dia quando, umas quantas ilhas e formações rochosas adiante, nos dirigimos para mar menos protegido, iniciando o regresso ao campo base. A ondulação mais poderosa e o vento frontal dificultavam sobremaneira o avanço do caiaque. E o último objectivo estava ainda a uma considerável distância. Dividia o duplo caiaque com Jeanne, canadiana de Calgary de corpo atlético e em notável forma física, apesar da silhueta esguia e feminina. Lutávamos em conjunto contra as ondas e o vento e a fadiga muscular, tentando fazer avançar o caiaque em direcção ao almejado campo base. Uma paragem aqui e ali, breve, apenas o tempo suficiente para os músculos relaxarem ou a corrente levar-nos-ia muitos metros para trás.

Chegámos à praia, extenuados. Arrastei o caiaque para a areia já quase sem sentir os braços. “Boa, parceiro”, gritava Jeanne com um sorriso cúmplice que denunciava a felicidade que ambos sentíamos naquele instante. Vivêramos um dia exigente mas inesquecível. E o cansaço, afinal, era o que menos importava. Sentados na areia, de cerveja na mão, olhando para o sol alaranjado que ia desaparecendo à nossa frente.

Veja também o post sobre viver em Halong.

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Filipe Morato Gomes
Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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