Foram dias a dormir numa casa sobre estacas, com o marulhar da enchente a invadir os ouvidos e a brisa fresca a alisar os cabelos deitados na rede. Isso numa ilha turística de um lado, tranquila do outro, e onde as seringueiras dominam a paisagem de permeio. Para a Pikitim, isso não é coisa pouca: a partir de agora, é dos copinhos pendurados nas árvores de Koh Lanta que sai a borracha para fazer as roupas das suas Polly Pocket.
Estava previsto que Lanta Old Town fosse um poiso mais prolongado no primeiro mês de viagem. Um breve intervalo onde fizesse sentido despejar completamente as mochilas e arrumar todas as coisas em armários e prateleiras. Faríamos uma curta pausa no nomadismo a que voluntariamente nos dedicámos para conhecer melhor um povo, uma cultura, um estilo de vida, mas também (ou seria principalmente?) para relaxar e matar saudades do nosso quotidiano, tendo oportunidade, por exemplo, de estar atrás de um fogão e mimar o palato com sabores conhecidos. E assim foi.
Já escrevemos que ficámos a viver em Koh Lanta durante uma semana. Alugámos uma casa de madeira com mais de 70 anos, neste importante entreposto comercial em tempos idos e onde os chineses se estabeleceram para vender (legalmente) ópio aos navegadores mercantes e habitantes locais.
Imaginámo-nos relaxados na varanda, deitados numa cama de rede a contemplar o mar, perscrutando as águas à procura de peixinhos mesmo por baixo dos nossos pés. Era a tal “casinha sobre a água” que a Pikitim tanto ansiava, mesmo em cima do oceano, de madeira e construída sobre estacas. E a realidade não desiludiu.
Após alguns dias mais rotineiros que o habitual (e como souberam bem, esses dias!), com idas ao supermercado e aos correios, cumprimentos aos vizinhos e brincadeiras no parque infantil da aldeia ao final da tarde, alugámos uma mota para dar a volta à ilha, espreitar as famosas praias de Koh Lanta e a diversidade dos seus habitantes – dos tailandeses muçulmanos aos chineses budistas, e ainda os chamados “ciganos do mar”, animistas.
Para a Pikitim, a emoção do passeio de mota residiu mais na aventura de ir “na mota à frente do pai” a fingir que conduzia enquanto se empenhava em segurar um capacete demasiado largo para a sua cabeça de menina, do que nas praias como a de Klong Dao ou nas aldeias da ilha, como Ban Sun-Ga-U.
Foi onde rumámos primeiro, no extremo sul da ilha, onde pouco mais existe do que aglomerados de pescadores e uma aldeia com pequenas casas e barracas de madeira onde vive um clã Chow Leh – os tais “ciganos do mar”, povo nómada, originário da Malásia, que outrora vivia navegando livremente por todo o Mar Andaman, e que está agora confinado a aldeias como Ban Sun-Ga-U.
Sabíamos de antemão que muitos se mantêm fiéis às suas tradições de pesca e compreensivelmente têm alguma relutância a contactos com estrangeiros. A nossa passagem por Ban Sun-Ga-U foi, por isso mesmo, rápida. A aldeia estava deserta de homens (estariam na pesca?) e, à porta de uma cabana com ar de mercearia, quatro mulheres e uma bebé aproveitavam a frescura de uma sombra para cavaquear.
Surpreendentemente, as mulheres agradaram-se com a Pikitim e tentaram que ela interagisse com a bebé, como se pretendessem que ela brincasse com uma “boneca” de verdade. A Pikitim só sorria, e reparou que a bebé tinha muitas pulseiras no tornozelo. Quando chegou a casa, uma das primeiras coisas que fez (e repetiu nos dias seguintes) foi pôr os elásticos do cabelo no seu tornozelo, numa espécie de aculturação e homenagem à tradição que havia visto.
De regresso às subidas e descidas da estrada (“Ena, esta estrada parece mesmo a pista de carros do Diogo, mãe… sabes, aquela do faísca McQueen?”, disse a Pikitim), fomos atravessando largas extensões de “árvores da borracha”. É uma das atividades económicas com alguma importância na região. A primeira vez que a Pikitim reparou nos copinhos espetados nos troncos das seringueiras tinha sido em Koh Jum e, na altura, o seu interesse na árvore levou o motorista do tuk tuk a parar para que a Pikitim lhe arrancasse um pequeno pedaço de látex: “parece elástico, mãe!”, notou, espantada.
Aproveitámos a deixa para lhe explicar que era com pedacinhos como aquele que se obtém a borracha natural com que se fazem muitas coisas que usamos em casa, incluindo brinquedos. “Como as minhas bonecas?”, perguntou. Sim, Pikitim, como algumas das tuas bonecas.
A partir daí, a Pikitim passou a reparar em todas as “árvores com copinhos”. E, atravessando uma plantação na ilha de Lanta, notou também numa espécie de “máquina de costura”, um artefacto onde se pressiona o látex recolhido nos copinhos com um ácido coagulante até aparecerem placas finas desta goma elástica a que se chama caoutchouc, que depois são postas a secar.
Tínhamos dessas placas extraídas de forma natural à porta de casa, em Lanta Old Town, exalando constantemente um odor adocicado e enjoativo. Um dia, ao passar por elas, a Pikitim voltou ao assunto: “se calhar, mãe, estas coisas vão para uma fábrica ser transformadas em roupas para as minhas Polly Pocket”.
Guia prático
Onde ficar
Eu fiquei alojado na simpática Mango House, em Lanta Old Town, que recomendo sem reservas. No entanto, nos últimos anos, surgiram entretanto outros projetos de grande qualidade em Koh Lanta, que merecem ser referidos.
Desde logo, os extraordinários Sweet Life Community Guesthouse e Tum Mai Kaew Resort (bom e barato); ou ainda pequenos hotéis como o i-Style Lanta Boutique House, com boa relação qualidade/preço e muito elogiado pelos hóspedes. De resto, para quem procura luxo e exclusividade, dificilmente ficará melhor do que no Pimalai Resort & Spa. Conheça outras opções para ficar em Koh Lanta no link abaixo.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Sobre o Diário da Pikitim
Este post pertence a uma série que relata uma volta ao mundo em família, com 10 meses de duração. Um projeto para descomplicar e mostrar que é possível viajar com crianças pequenas, por todo o mundo. As crónicas da viagem foram originalmente publicadas em 2012 na revista Fugas e no blog Diário da Pikitim.
Veja também o post intitulado Viajar com crianças: 7 coisas que os pais devem saber.