Viajar com crianças: 7 coisas que os pais devem saber

Por Filipe Morato Gomes
Viajar com filhos em Yosemite
Com a minha filha em Yosemite, um dos maiores parques naturais da Califórnia, Estados Unidos da América

Viajar com crianças não é tão difícil como parece. Depois de um amigo ter sido pai de uma bela Alice, soube há pouco tempo que dois outros amigos e grandes viajantes vão ser pais pela primeira vez. Em ambos os casos, a gravidez ainda demorará e, por isso, terão tempo para se habituar à ideia de viajar com crianças pequenas. Certo é que terão de passar a compatibilizar as suas viagens com a paternidade e, sempre que possível, juntar o melhor dos dois mundos.

É sobre isso que hoje escrevo, até porque também tenho um novo rebento cá em casa a quem, espero, hei de proporcionar muito mundo – é o que tento fazer com a sua irmã mais velha. E há de chegar o dia do rapazola preparar a sua mochila com cadernos, livros, brinquedos e peluches e fazer-se ao mundo com os pais.

Lembram-se da volta ao mundo em família?

Há pouco mais de dois anos estava a aterrar no Porto, num voo TAP oriundo de Miami. Era o final de uma épica viagem em família, incluindo a minha filha de cinco anos, que durou sensivelmente 10 meses e foi sendo relatada nas páginas da revista Fugas e num blog a que chamámos Diário da Pikitim.

Essa viagem foi um misto de projeto pessoal, familiar e profissional, de onde retirei muitos ensinamentos sobre o comportamento das crianças em viagem e, mais importante, sobre a importância de viajar para o desenvolvimento dos nossos filhos. Queria partilhar consigo alguns deles.

Eis 7 coisas que deve saber sobre viajar com crianças:

A estrada dá autoconfiança aos nossos filhos

Viagens em família - Glaciar Foz, Nova Zelândia
Caminhando rumo à cabeça do Glaciar Foz, ilha Sul da Nova Zelândia

Não tenho dúvidas de que a estrada dá às crianças ferramentas para se tornarem mais maduras, para se desenrascarem, para saírem de situações potencialmente difíceis sem desmoronar em choros e gritos e apelos ao colo da mãe. Numa palavra: autoconfiança! Viajar com crianças tem estes efeitos.

Duas histórias para corroborar esta convicção, ambas passadas já na segunda metade da tal volta ao mundo:

Mother no there

Ilhas Fiji. Estávamos num magnífico hotel da Coral Coast autodenominado de backpacker resort (nome aparentemente contraditório mas que correspondia na perfeição ao estilo do alojamento). Tinha uma área social muito utilizada, com mesas, deck e piscina, e onde serviam uns maravilhosos scones e chá a meio da tarde; tinha os bungalows geograficamente espalhados por caminhos e espaços relvados; e, numa zona afastada, havia uma cozinha e uma pequena sala comuns com sofás e televisão – divisórias típicas de um hostel.

Certo dia, por algum motivo que não sei precisar, estávamos na cozinha sem a pequena Inês. Julgo que ficou a brincar com amiguinhos junto à piscina e que depois iria ter à cozinha. Estávamos tranquilos, mas a verdade é que o tempo passou e ela estava a demorar a voltar.

Passado algum tempo, apareceu na cozinha pela mão de uma senhora desconhecida. “Então, Inês, que aconteceu?”, perguntámos. E então ela contou que se tinha perdido nos jardins do hotel e ficou parada sem saber para que lado era o caminho rumo à cozinha; que a senhora apareceu e a viu com ar perdido, ao que ela lhe disse: “Mother no there [apontando numa direção], father no there [apontando na direção oposta]”, e a senhora percebeu e veio com ela à procura dos pais.

Meses antes, a mesma Inês teria desatado a chorar assim que se sentiu sozinha e deu conta que se tinha perdido dos pais. Tinha 5 anos, estava num local completamente desconhecido e onde ninguém falava a sua língua materna mas, naquele dia, com seis ou sete meses de viagem, teve confiança suficiente para enfrentar e resolver o seu problema. Sem dramas.

“More good for me”

Outro dia, no mesmo cenário nas ilhas Fiji. Sempre que íamos cozinhar, a pequena Inês costumava aproveitar para ficar na sala adjacente a ver desenhos animados na televisão. Ora, naquele dia a televisão estava “ocupada” por uma senhora que via tranquilamente uma série tipo Anatomia de Grey.

Expliquei à Inês que teria de esperar porque a senhora estava lá primeiro, e fomos todos para a cozinha. Passado um bocado, a Inês “desapareceu”. E o tempo foi passando… passando… passando. Como a minha filha não voltava, fui procurá-la, e encontrei-a refastelada no sofá da sala comum a ver o Cartoon Network. “Então, Inês, e a senhora?”, perguntei. “Sabes pai, eu cheguei à sala e disse: Please, cartoon, more good for me – e a senhora mudou de canal”.

Mais uma vez, resolveu o seu problema. E sem pedir ajuda aos pais.

Ambos os episódios foram pontos de mudança para nós. Foi quando realmente percebemos, por coisas concretas como estas, que viajar estava mesmo a contribuir para o amadurecimento da nossa filha. A torná-la mais forte. Mais uma vantagem de viajar com crianças!

Falar outras línguas torna-se natural

Como se depreende pelos exemplos acima, o facto de uma criança estar exposta a línguas estrangeiras é uma mais-valia extraordinária. E ter gosto por outras línguas – do inglês ao mandarim – é fundamental nos dias de hoje.

A pequena Inês é boa aluna. Além de ter uma paixão natural pelo desenho – que desenvolve a seu bel-prazer nos tempos livres –, gosta muito de matemática, de educação física e de ler (de português diz que não gosta tanto, mas paciência). Ainda assim, diz que a sua disciplina preferida na escola é o inglês.

Mais. Quando falamos com alguém do Brasil, ela adapta o sotaque; desenrasca-se muito bem no portunhol; e até o básico do francês – do bonjour ao merci – lhe é familiar. E se lhe perguntarem como se diz “bom dia” em tailandês, indonésio ou filipino, é capaz de ter a resposta na ponta da língua. Sim, estar exposto a diferentes idiomas desde tenra idade faz com que falar noutras línguas seja natural.

Em suma, será com certeza muito benéfico para o seu futuro se falar bem inglês e quiser aprender outras línguas estrangeiras. E eu tenho para mim que este gosto por línguas não é fruto do acaso

Uma criança motivada alinha em tudo (até em trekkings)

Viajar com crianças no Parque Zion, Estados Unidos
A minha filha descansando no final de uma caminhada no Parque Zion, em Utah, Estados Unidos

Ilha Sul da Nova Zelândia. Estar num país como a Nova Zelândia, com glaciares como o Franz Josef, paisagens deslumbrantes e centenas de quilómetros de trilhos para caminhadas, seria um crime não fazer pelo menos um trekking num dos “Great Walks”.

Optámos por uma secção com 12 km do Abel Tasman Coast Track, entre Bark Bay e Torrent Bay. O pior que poderia acontecer, pensei, seria ter de carregar a minha filha às cavalitas.

A verdade é que ela demonstrou uma sede de aventura que nos surpreendeu. Ao longo do percurso, fez questão de ir sempre à frente com um incrível sentido de descoberta; “indicando” o caminho; avisando dos “perigos” (uma pedra, um tronco no caminho) ou avistando cogumelos e afins; e nunca, nunca pediu colo, cavalitas ou sequer para pararmos ou desistirmos. Parámos apenas para comer, beber e descansar um pouco, e nada mais. Quando chegámos ao destino e esperámos por um barco-táxi que nos levaria de volta a Kaiteriteri, adormeceu, exausta. Foi um grande dia.

Melhor dizendo, foi uma grande lição: se motivada, uma criança alinha em tudo; até em trekkings.

Uma criança precisa de pouco para estar feliz

Crianças em Vanuatu
Uma tarde bem passada a pintar pedras com crianças da ilha Lelepa, Vanuatu

Wii? Nintendo? iPad? Sim, todas as ferramentas têm o seu lugar e, na verdade, em situações como um dia cansativo, uma longa viagem de auto-caravana, um avião intercontinental ou um comboio noturno, gadgets como uma Nintendo são muito úteis. O mesmo se aplica a jogos de cartas (conhecem o Geo Family? – foi muito jogado na viagem) ou outros.

Tirando isso, um filho apenas precisa da companhia dos pais ou – melhor ainda – de outras crianças para estar feliz. E brincar, brincar e brincar. No fundo, ser criança. E isso serve tanto para o conforto do lar como para qualquer viagem.

Ou seja, manter os filhos felizes é mais simples do que parece.

Uma criança não entende a urgência dos adultos

Está num lugar único que só pode ser visitado naquele momento, porque no dia seguinte arranca ou o lugar está fechado ou o que seja, e o seu filho diz-lhe, de forma desarmante: “mas eu prefiro ficar aqui a brincar”. Ou a desenhar. Ou sem fazer nada.

Uma criança não entende essa urgência, não entende como algo possa ser tão importante que tenha de ser feito agora e já – quando, para ela, o mais importante é simplesmente brincar ou estar com os pais. Sim, vai ficar frustrado muitas vezes porque queria fazer coisas e não faz, mas há formas de minimizar a frustração.

Primeiro, é preciso ajustar as expectativas e interiorizar a ideia de que, ao viajar com crianças filhos pequenos, não consegue fazer tudo o que queria. E, depois, é uma questão de começar a viajar mais devagar. Porque vai precisar de muito mais tempo para conhecer uma cidade, para fazer uma caminhada, para tudo. O ritmo do seu filho é diferente do seu. Porque a sua resistência é menor. Esporadicamente vai fazer birras. E porque, muitas vezes, o seu filho não vai ter vontade de fazer coisas. O que é normal e compreensível.

Crianças e museus não são incompatíveis

Viajar com crianças: Museu Te Papa, Wellington
Museu Te Papa, Wellington

Quem diria que iria visitar museus ao viajar com crianças? Mas nunca me hei de esquecer o que aconteceu naqueles dias em Manila.

Tínhamos lido sobre um museu para crianças chamado Museu Pambata e decidimos visitá-lo com a miúda. Adorou! Ficámos até nos expulsarem quando queriam encerrar as portas. De tal forma que, no dia seguinte, à pergunta sobre o que lhe apetecia fazer a resposta saiu pronta: “quero voltar ao Museu Pambata”. E passámos, de novo, o dia todo no museu.

Era um museu para crianças, é certo. Mas tenho mais exemplos.

Ainda em Manila, a pequenota adorou a história do herói nacional José Rizal num museu em Intramuros. Meses depois, na Austrália, a Inês ficou fascinada com o museu a céu aberto onde se explicava o que eram estromatólitos, tidos como dos seres vivos mais antigos do planeta. Durante a estadia em Wellington, na ilha Norte da Nova Zelândia, queríamos muito ir ao Museu Te Papa. E fomos. Passámos lá imensas horas e a a nossa filha adorou.

Quer isto dizer que pode e deve ir a todos os museus do mundo? Não. Quer apenas dizer que não deve deixar de ir a museus só porque viaja com os seus filhos. Motiva-os. Pode dar-se o caso deles o surpreenderem e adorarem a experiência.

O bichinho das viagens fica lá

Digo muitas vezes que não faço ideia do que a minha filha recordará da volta ao mundo que fez quando tinha cinco anos. É a mais pura verdade. Mas tenho a certeza que ficou lá uma semente a germinar que a tornará uma cidadã do mundo, sem medos nem fronteiras, curiosa, tolerante e respeitadora das diferenças entre os povos. E com vontade de viajar – essa escola da vida.

Certo é que tem já uma lista de países que diz querer visitar, entre os quais Marrocos, a Índia, o Brasil e o Japão. O mapa-múndi na parede da cozinha dá uma ajuda a manter esse espírito de viajante vivo, esse “bichinho” invisível que todos os que viajam dizem ter dentro de si e que, com toda a certeza, está já no sangue da minha filha.

Por isso, amigos viajantes e futuros pais, não deixem de viajar quando a família crescer. E, mais importante, deixem que os vossos filhos pequenos viajem convosco.

Dicas para viajar com crianças

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.