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Cafayate, entre montes e vinhas

Por Ana Isabel Mineiro

Cafayate

Cafayate seria apenas mais uma vilória adormecida, não fosse a fama dos seus vinhos e a beleza do desfiladeiro que leva o seu nome. Mas estes são motivos mais que suficientes para que a viagem a Cafayate, no Norte da Argentina, valha a pena.

Os cerca de doze mil habitantes de Cafayate parecem, como a grande maioria dos argentinos, terem emigrado de outro lado qualquer. Os campos de vinha que rodeiam a povoação foram trazidas pelos espanhóis – sabe-se que a Companhia de Jesus foi a primeira a plantá-las na região para celebrar a missa e são agora o ex-líbris e chamariz turístico desta pequena vila argentina. Protegida das chuvas e a cerca de mil e setecentos metros de altitude, a povoação tem um clima característico, bastante seco, que combina a neve das montanhas com a areia quente dos vales.

Já conhecia um pouco desta zona, mas não esperava encontrar em Cafayate um nicho turístico em vias de exploração. À volta do quadrado de cimento com canteiros arborizados que recria a Plaza de Armas de qualquer cidadezinha espanhola, desenrola-se um rosário de restaurantes, gelatarias e lojas de artesanato.

Um camião atravessa a Quebrada de las Conchas, Norte da Argentina

Na rua principal aparecem anúncios de pensões familiares – por vezes em inglês e hebreu. Já há mesmo restaurantes com funcionários vestidos de gaúcho, o cowboy das pampas argentinas, e artistas a condizer que, de guitarra ao peito, fazem música para turista ouvir.

Na rota do turismo enológico, com um clima ameno e um enquadramento exclusivo, entre o magnífico desfiladeiro de Cafayate, onde corre o Rio de las Conchas, e os Andes, não são necessários monumentos histórico-arquitectónicos para justificar os milhares de turistas que por aqui passam anualmente. Alguns chegam em visitas rápidas de um dia a partir de Salta, a capital da província, outros passam a caminho de uma outra atracção turística, que é a bela aldeia de Cachi, nos vales Calchaquies.

Mas muitos vêm também para ficar alguns dias, porque simplesmente é bom ficar aqui. Não há locais altos de onde se possa apreciar em simultâneo o contraste entre as dunas, os vinhedos e as montanhas com restos de neve, mas é muito curioso poder avistá-los todos, um a seguir ao outro, numa área tão reduzida.

E para além das originalidades culturais e geográficas, a desaceleração é total: visitar um par de quintas produtoras de vinho, fazer uma caminhada até Los Médanos, o pequeno mar de dunas brancas que fica a cerca de seis quilómetros de distância, dar um passeio calmo pela vila adormecida, explorar o desfiladeiro de bicicleta… este foi o plano que segui à risca para me embeber na cultura, na língua e no ritmo lento do tempo a passar.

Os vinhos únicos de Cafayate

Os vinhos da região, produto das grandes extensões de vinha que vemos em redor de Cafayate, beneficiam da pouca humidade e do clima temperado, e são conhecidos pela sua especificidade – sobretudo o famoso Torrontés, um branco frutado característico da Argentina e originário de Rioja, em Espanha, de onde entretanto desapareceu. Existem neste momento três tipos, com nomes que correspondem às respectivas regiões: de Norte para Sul aparece o Torrontés Riojano, o Sanjuanino e o Mendocino.

Quinta onde se produz o famoso vinho Torrentés, em Cafayate
Quinta onde se produz o famoso vinho Torrentés, em Cafayate

Aqui, é cultivado entre os mil e setecentos e os dois mil metros de altitude, onde a exposição solar é maior e a temperatura mais baixa, enquanto as cepas francesas dos tintos ficam, geralmente, nos terrenos mais baixos. Para além do Torrontés produz-se Malbec, Cabernet-Sauvignon, Merlot e Tannat. Todos partilham os solos ligeiramente salinos, o sol quase infalível e o ar puro que faz de Cafayate um oásis em terra semidesértica.

Apesar de não ser especialista, não poderia passar por aqui sem apreciar o vinho da região, nomeadamente o Torrentés. Seleccionei duas caves: a Vasija Secreta, a mais antiga de Cafayate, e a Bodega Nanni, que oferece vinhos biológicos e se mantém nas mãos da mesma família há mais de um século.

Apesar da quantidade de vinho que oferecem ser meramente simbólica, permite-nos minimamente apreciar o sabor adocicado do Torrontés, tipo moscatel, ao mesmo tempo fresco e perfumado. Embora não esteja preparada para compreender descrições técnicas como as dos prospectos que oferecem nas caves, tipo “en la boca es redondo y de buena intensidad”, devo dizer que me pareceu um vinho diferente e muito agradável.

Os vinhos biológicos da Bodega Nanni, quase totalmente exportados para a Europa, possuem a realmente a certificação de biológicos (“Organico Total”) desde 1996: ao longo da produção não são utilizados quaisquer produtos químicos, bastando a combinação sol-terra-altitude para obter uma uva de qualidade. O lugar de visita e prova é uma pequena cave no centro de Cafayate, onde nos são explicadas as generalidades do seu fabrico engarrafamento. Em redor de um pátio interior distribuem-se os armazéns, alguma maquinaria moderna utilizada na produção vinícola e alguns objectos antigos, que exemplificam a evolução que esta arte tem sofrido.

A cave mais antiga é a Vasija Secreta, que produz desde 1857 e já ganhou vários prémios internacionais. Fica mais distante do centro, mas tem a vantagem de se inserir na paisagem, com as vinhas bem tratadas a levantarem-se mesmo ali, à entrada da porta, substituindo os cactos e arbustos secos que são o que mais vulgarmente vemos sair destes solos. A sombra negra dos Andes está bem visível no fundo do vale, e a casa colonial da quinta abriga um pequeno museu de artefactos relacionados com a produção, como uns curiosos carrinhos de mão em madeira de cacto.

Cafayate tem um certo ar colonial

Se a povoação em si não tem grandes exemplos de arquitectura ou, sequer, edifícios históricos, pelo menos estas quintas vinhateiras souberam guardar um certo ar colonial, umas vezes verdadeiro outras de imitação, exibindo o aspecto castiço de uma antiga bodega espanhola.

Vinhas em Cafayate
Vinhas em Cafayate

As casas estão caiadas de branco e fazem-nos lembrar os filmes do Zorro, com varandas no primeiro andar e escadarias na entrada. Uma das mais bonitas é a La Rosa e fica mesmo à saída da cidade, na estrada 68, que segue o desfiladeiro do rio de Las Conchas. O rio revela abertamente onde foi buscar a cor avermelhada que o tinge: os montes são vermelhos, laranja e amarelos; a vegetação é seca, acompanhando a tendência do solo, que se vai transformando em areia.

Primeiro são as gargantas do Diabo e o Anfiteatro, corredores estreitos de penhascos levantados do chão por movimentos milenares, alisados e esculpidos por água que já não parece passar por ali há muito. Alguns hippies também estabeleceram aqui as suas “vendas”, e aproveitam a formidável acústica do local para tocar música suave e idílica – flautas e guitarras estimuladas por alguns garrafões de vinho, que de vez em quando são confiscados pela polícia. As formas do vale vão-se alterando e as mais identificáveis estão assinaladas por placas: o Sapo, o Frade, o Obelisco…

Quebrada de las Conchas, Argentina
Quebrada de las Conchas, Argentina

No alto dos montes e nas vertentes mais soalheiras levantam-se vários tipos de cactos, cinzentos e direitos, com um aspecto quase macio. Próximo de Cafayate aparecem as Janelas, arcos amplos nas paredes de terra e pedra, abertos sobre uma paisagem ressequida mas impressionante, onde os arbustos parecem irradiar do chão sem conseguir afastar-se muito dele, tomando os ramos a sua cor: amarelo, cinza, verde-limão.

É fácil alcançar esta zona de bicicleta e pedalar junto ao rio lá no fundo do vale, que serpenteia e trabalha a terra, criando novas formas espantosas.

Penhascos impressionantes erguem-se em ameias de pedra cor-de-laranja; mais ao fundo, um Titanic de areia compactada parece afundar-se no rio baixo e cor de ocre. Numa das paredes de terra junto à estrada, pássaros entram e saem de entre uma espécie de tubos de órgão de igreja esculpidos pelo vento, numa algazarra colorida. O sol castiga, a areia ofusca, as cores quentes da paisagem recortam-se num céu que vi sempre descoberto e muito azul. E depois avistamos de novo as vinhas de Cafayate, aos pés do Andes.

Guia de viagens a Cafayate

Este é um guia prático para viagens a Cafayate, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de atividades na região norte da Argentina.

Quando viajar para o norte da Argentina

Todo o ano, sabendo que o nosso verão, grosso modo, corresponde ao inverno na América do Sul, com frio e céus geralmente limpos, enquanto o inverno corresponde a um verão quente mas geralmente chuvoso – sendo Cafayate uma exceção, porque fica numa região onde chove muito pouco.

Como chegar a Cafayate

Voar com a TAP para Buenos Aires, via Brasil, e em combinação com a Varig e a TAM, ronda os 1.000 €. Daí pode voar para Salta ou, melhor ainda, viajar de autocarro; são cerca de 20 horas mas, apesar do número ser assustador, a verdade é que optando por um bus-cama nocturno nem se chega cansado: os transportes na Argentina são de excelente qualidade.

De Salta também não faltam autocarros (vários por dia, dependendo da altura do ano) para percorrer os 183 quilómetros até Cafayate. Se a produção vinícola lhe interessa verdadeiramente, pode optar por visitar primeiro a região de Mendoza, a menos de metade da distância, depois a zona de La Rioja, mais a Norte, deslocando-se depois até Tucumán e por fim Cafayate, cobrindo assim uma das melhores regiões vitivinícolas de toda a América do Sul.

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Onde ficar

Em Cafayate existem dois Parques de Campismo, um Albergue da Juventude à entrada da cidade e uma vintena de hotéis, entre os quais o belo Hotel Killa (Av. Colón 47), que oferece duplos com pequeno-almoço por 320 pesos (cerca de 60 €) e o Emperador, na Av. Guemes, por metade do preço.

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Restaurantes

Para além da típica comida argentina, da parrilhada (carnes na brasa) às massas caseiras ao estilo italiano, Salta também é conhecida pelas suas humitas de milho e queijo e pelas empanadas com recheio de carne picante. Em Cafayate também não falta oferta nesta área, sobretudo no centro. Só na Av. Guemes, encontramos o Restaurante Baco, La Carreta de D. Olegario, Las Viñas e El Comedor Criollo, que tem música típica ao vivo, sobretudo à noite. Oferece-se a inesgotável parrilhada, massas caseiras ao estilo italiano e as típicas empanadas de Salta, com recheio picante de carne.

Para os vegetarianos, para além de alguns pratos de massa mais comuns, pelo menos o Comedor Criollo tem saladas muito completas, com molhos muito agradáveis, como o de ají (piripiri) e o de aipo.

Informações úteis

Salta tem menos de 500.000 habitantes e situa-se no Noroeste da Argentina, no Vale de Lerma, a quase 1.200 metros de altitude. Fica apenas a menos de 400 quilómetros da fronteira boliviana de Villazón, pelo magnífico desfiladeiro de Humahuaca.

Não necessita de visto – apenas de um passaporte válido. Leve pouco dinheiro consigo, apenas o suficiente para um percalço: em Salta há vários ATM dentro dos bancos, junto à Praça 9 de Julho, e também uma casa de câmbios e vários cambistas de rua que podem ajudar-nos num aperto. Em Cafayate também há ATM. O peso argentino não está muito valorizado, e um euro vale cerca de 5 pesos.

Todos parecem perceber o portunhol dos portugueses e cada vez há mais quem fale também inglês. Para obter detalhes específicos sobre algumas das atrações no norte do país, visite o site oficial do Turismo da Argentina.

Seguro de viagem

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Ana Isabel Mineiro