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Com emoção, nas colinas de São Francisco (#62)

Golden Gate, São Francisco
Ponte Golden Gate, São Francisco

Ainda não tínhamos chegado a São Francisco e já a Pikitim suspirava por passar no tabuleiro da Golden Gate, um dos principais emblemas da cidade. Mas, bem vistas as coisas, era apenas uma ponte e atravessá-la não foi “nada de mais”. O melhor de São Francisco, diz a petiza, é mesmo conduzir naquelas ruas em que o carro parece que “está a andar numa montanha russa”. Wheeeeeeeee!

A imagem ficou-lhe presa na retina desde que entrou numa das atrações do California Adventure Park, da Disney: no Soarin’ California éramos convidados a “voar” sobre algumas das mais emblemáticas paisagens do Estado mais populoso dos Estados Unidos da América. Nessa viagem virtual, mostravam a beleza natural do oceano, do deserto, dos parques naturais, dos vinhedos e das montanhas, mas também o lado urbano das grandes cidades californianas. A mais emblemática ponte da baía de São Francisco, a Golden Gate, agradou de tal forma à petiza que ela rejubilou quando lhe dissemos que iríamos visitar aquela cidade. “E vamos atravessá-la?”, perguntou. Ficou prometido.

Quando chegámos a São Francisco, vindos do sul do Estado, depois de percorrermos toda a estrada costeira desde Los Angeles, atravessámos uma outra ponte – Bay Bridge – para chegar a Oakland, onde iríamos ficar a viver nos próximos dias. O nosso plano era estacionar o carro à porta da mansão vitoriana onde nos hospedámos, e visitar a cidade de São Francisco com recurso aos transportes públicos. Para evitar o crónico problema de estacionamento – caríssimo! – de São Francisco, até porque partes da cidade clamam por ser descobertas a pé. Mas a Pikitim não esqueceu a Golden Gate, e procurou-a de todas as vezes que deixámos Oakland para nos perdermos nas colinas da “cidade das neblinas”.

A presença quase constante desse denso nevoeiro, que transformava em dia invernal qualquer bonito dia de sol nas redondezas, foi a primeira lição a tirar. Faz frio em São Francisco. Sempre. Quando chegámos à centralíssima Market Street, no primeiro dia de descoberta, os casacos ainda estavam, por isso, vestidos.

Estávamos junto ao ponto onde os carros elétricos invertem a marcha, dando a volta numa plataforma giratória, e pretendíamos apanhar o carro que seguiria na direção Powell/Hyde. É coisa de turista excursionista, bem sabemos, mas carro elétrico era meio de transporte que a Pikitim ainda não tinha experimentado nesta viagem. E assim esperámos mais de meia hora numa fila pejada de forasteiros de máquinas fotográficas em punho para conseguir apanhar um elétrico em direção a Fisherman’s Wharf.

Centro de São Francisco
Carro elétrico invertendo a marcha no centro de São Francisco

Felizmente, para a Pikitim os 30 minutos não “demoraram” muito a passar, distraída que estava com o processo quase hipnotizante de ver o elétrico chegar, um homem a girá-lo sobre uma placa e dois a empurrá-lo pelas traseiras para o devolver ao trilho. “Nós vamos passar naquela rua? É tão a subir! E depois também desce?”, interrogou-se, à entrada.

Na sua imaginação infantil – e sempre sedenta de emoções fortes -, o carro elétrico apinhado de gente iria subir e descer as colinas de São Francisco a toda a velocidade, para que “as borboletas na barriga” se manifestassem outra vez. Mas rapidamente se convenceu que só com alguma boa vontade é que as icónicas colinas lhe iriam devolver a adrenalina que sentiu com as montanhas-russas do império Disney. “Se o ‘maquinista’ andasse mais depressa era melhor, mas depois as pessoas que vão aqui penduradas podiam cair. Era perigoso”, condescendeu.

Saímos do elétrico no cimo da Rua Lombardi, considerada a artéria mais íngreme de todos os Estados norte-americanos. Ao olhar para as oito curvas e contracurvas que os carros são obrigados a fazer – porque não encontraram outra forma de descer em segurança uma inclinação que atinge os 40 graus – a Pikitim já achou que andar por aquela rua a toda a velocidade era capaz de ser algo perigoso. Do cimo da colina podíamos ver a baía, com a ilha-prisão de Alcatraz em destaque no meio das brumas, as torres que compõem a área financeira da cidade, alguns bairros, muitas subidas e descidas. “E onde está a ponte vermelha? Não a estou a ver!”, insistiu a Pikitim. A busca da Golden Gate passou a ser uma espécie de caça ao tesouro.

Estávamos já a passear pelo muito turístico Pier 39 – é lá que há uma maior concentração de “armadilhas para turistas” por metro quadrado, leia-se, lojinhas de souvenirs e restaurantes com comida mais cara do que saborosa – quando a Pikitim esqueceu por completo a Golden Gate. Os responsáveis? Os leões-marinhos que habitam as plataformas de madeira colocadas junto ao Fisherman’s Wharf e que, ao que consta, fazem as delícias da turistada. E a Pikitim não foi exceção.

Cruzeiro em Fisherman's Wharf, São Francisco
Cruzeiro em Fisherman’s Wharf, São Francisco

E assim, por causa de leões-marinhos, mágicos de meter no bolso (a qualidade dos truques não era propriamente estonteante) e caricaturistas a imortalizar o sorriso de recém-casados, a Pikitim esqueceu-se da Golden Gate enquanto andou pelo Pier 39. Até que chegou, finalmente, a oportunidade de a atravessar.

Foi já no último dia que passávamos em São Francisco. Tínhamos ido visitar o lindíssimo vale de Sonoma, vizinho do mais afamado vale de Napa, onde até celebridades como Francis Ford Coppola mantêm quintas ao “estilo europeu” (é assim que a região de turismo as “vende” aos visitantes) e produzem vinho. Mas o também vitivinícola Sonoma pareceu-nos mais atrativo e genuíno. Ali encontrámos uma cidade a preparar-se para as festas da vindima, e a Pikitim matou algumas saudades da comida portuguesa ao devorar três bolinhos de bacalhau no restaurante de um chef açoriano.

Regressávamos então, de alma e barriga cheia, à baía fazendo uma última paragem na pequena vila de Sausalito, famosa pela visão privilegiada que detém sobre a cidade de São Francisco. E a Golden Gate estava “mesmo ali” à nossa frente. “É agora que a vamos atravessar?”, insistiu, impaciente, a pequena. Subimos a um par de miradouros sob uma ventania infernal para contemplarmos de vários ângulos aquela bonita obra de engenharia, sempre envolta num nevoeiro tão denso que o famoso “vermelho internacional” tinha menos brilho que uma noite sem estrelas. Um navio de cruzeiro passou debaixo da ponte. Da outra margem, nem sinal. A ponte era uma passagem para uma miragem. Descemos.

Não íamos ainda a meio do tabuleiro e já a Pikitim se mostrava desiludida. “Isto afinal não é nada de especial. É mais bonito vê-la de cima”, declarou. Na ausência de emoções fortes, o mito da ponte caiu em poucos segundos. Para compensar, programámos o GPS para nos levar ao coração do bairro Mission, para provarmos o “melhor pão de São Francisco”, segundo os que se dispõem a escrever críticas sobre estas coisas mundanas na Internet.

E aí, sim, uma volta às colinas de São Francisco ao volante do nosso próprio automóvel, e perante tantas subidas e descidas e tendo o pai como motorista, a Pikitim atreveu-se a de novo pedir mais emoção. “Esta cidade é mesmo como uma montanha-russa. Podes andar mais depressa pai? Wheeeeeeeeeeeeeeee”.

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Sobre o Diário da Pikitim

Este post pertence a uma série que relata uma volta ao mundo em família, com 10 meses de duração. Um projeto para descomplicar e mostrar que é possível viajar com crianças pequenas, por todo o mundo. As crónicas da viagem foram originalmente publicadas na revista Fugas e no blog Diário da Pikitim.

Veja também o artigo intitulado Viajar com crianças: 7 coisas que os pais devem saber.

Luísa Pinto
Jornalista e mãe, gosta de livros, vinho tinto e experimentar camas em lugares novos. Deu a volta ao mundo com um filho, gostava de repetir a dose agora que tem dois. É orgulhosa co-fundadora da Hotelandia e do Rostos da Aldeia.

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