Apesar de ter adorado a minha estadia no arquipélago de San Blás, há um aspeto curioso que gostaria de partilhar consigo: a convivência com os Kuna Yala, minoria étnica que domina a região.
Cheguei à Ilha Naranjo Chico ao fim da manhã. Escolhi esta ilha e não outra porque dispenso os luxos e estava em busca de uma experiência, digamos, mais autêntica, onde esperava poder contactar de forma mais próxima com a comunidade Kuna da ilha.
Na verdade, em San Blás há ilhas para todos os gostos, mas a ideia de uma ilha festeira recheada de israelitas, com música aos berros, jovens embriagados e desrespeitosos para com as tradições locais onde até já os letreiros aparecem escritos em Hebreu (não estou a exagerar) não me atraiu. Escolhi, por isso, Naranjo Chico.
Ao lado das Cabanas Ina, onde me alojei, fica uma pequena aldeia habitada por pessoas Kuna Yala. São apenas uma dúzia de cabanas, porque a maioria da população vive efetivamente numa ilha densamente povoada a poucos minutos de distância de barco de Naranjo Chico.
Na busca desse contacto com os Kuna Yala, caminhei muito pela ilha. Cruzei a aldeia inúmeras vezes, perante a total indiferença das mulheres que teciam, cozinhavam, descansavam nas redes ou brincavam com os filhotes pequenos, e nem as crianças demonstravam a menor intenção de querer interagir com o forasteiro. Caminhava lentamente, cumprimentava as pessoas, acenava e sorria e… nada!
Era uma sensação muito estranha, sentir a indiferença total e até uma quase hostilidade dos “donos das terras” que eu, turista, estava a pisar.
Certa vez, fui um pouco mais longe na abordagem. Estavam quatro ou cinco miúdos sentados no chão, com folhas de papel e uns marcadores, a pintar. Sentei-me com eles e tentei interagir, mas rapidamente me senti uma companhia indesejada pelos olhares e gestos dos miúdos, ao ponto de ter sido ostensivamente convidado a sair dali por uma criança que não teria mais de seis anos.
Triste, muito triste, levantei-me e fui-me embora.
Bem sei que os Kuna Yala mantêm uma “distância de segurança” em relação ao meio exterior e, provavelmente, é isso que lhes permite, ainda hoje, manter o seu estilo de vida – e o seu território – quase intacto. Mas ser indesejado por miúdos de tenra idade confesso que ultrapassou o que eu estava preparado para aceitar.
No dia seguinte, peguei no meu caderno e fui desenhar. Sentei-me no areal a desenhar um mola, o tecido que as mulheres Kuna usam à cintura. O tecido estava pendurado numa corda junto às cabanas, em “exposição”, para o caso de algum dos cinco turistas que estavam na ilha se interessassem por comprar. E foi então que a magia aconteceu!
Algum tempo depois de começar o desenho, apareceu um dos miúdos da aldeia. Mostrei-lhe o sketch que estava fazer e passei-lhe o caderno para as mãos para que visse os outros desenhos. Pareceu-me surpreendido; e feliz.
Aos poucos, outros miúdos foram chegando e não tardou muito até ter à minha volta as mesmas crianças Kuna Yala do dia anterior. Estavam sorridentes, encavalitavam-se nos meus ombros, e ficaram a observar à medida que ia colorindo o desenho, apontando para uma árvore, uma cabana, outro mola, como que dizendo: “desenha isto”, “desenha aquilo”. Uma vez mais, o desenho a desempenhar um papel determinante na aproximação das pessoas – foi exatamente por isto que comecei a tentar as artes do urban sketching.
Este episódio não mudou a opinião com que fiquei dos Kuna Yala – um povo conscientemente fechado -, mas pelo menos acrescentou uns sorrisos à experiência de visitar San Blás. Que, já agora, com maior ou menos interação com os Kuna, é um destino absolutamente belo e fascinante.
Viajei para a Costa Rica com o apoio da apoio da TAP, da Nomad e da Samsonite.
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Obrigado pelo artigo, há muito que San Blás está na lista dos lugares que sonho visitar.
Por outro lado, este artigo também me leva a colocar questões em que penso muitas vezes. Até que ponto a nossa ânsia de viajar e conhecer lugares é benéfica para as populações? Será que os povos locais têm a obrigação de nos receber com um sorriso e bons modos quando a sua rotina é constantemente alvo de curiosidade e câmaras apontadas? Como reagiríamos nós perante a intromissão de um estranho nas brincadeiras das nossas crianças? Sobretudo se, a cada dia, houver um estranho diferente (embora cheio de boas intenções) a intrometer-se nas brincadeiras dos nossos filhos. Parece-me que os miúdos do dia anterior se aproximaram porque lhes estavas a trazer alguma coisa distinta – os teus desenhos – em vez de uma simples curiosidade e desejo de entabular conversa turista (sim, porque em maior ou menor grau, na verdade somos todos turistas).
É isso, Ana, tens toda a razão: é bom pensarmos no outro lado, e a tua argumentação faz todo o sentido. Para mim foi estranho, mas compreendo. De forma alguma censuro os Kuna Yala por serem como são.
Filipe, bom dia! Já que ofereceu ajuda não vou hesitar! Na segunda quinzena de agosto estarei de férias e por isso gostaria de viajar, iremos eu e meu irmão, e quero a América Latina, o que você me indicaria? Ah, não posso deixar de mencionar que não gosto de frio. Grata.
Olá Fernanda, escolher destinos de viagem é uma coisa muito pessoal, não sei se poderei ajudar. Seja como for, se está a comentar um post de San Blás, deduzo que tenha interesse no Panamá. Não é o meu país preferido da América Central mas, se combinado com a vizinha Costa rica, pode dar uma viagem muito diversificada e interessante. Abraço.