Merece o nome: esta estrada estreita de terra, que já foi a única via de comunicação entre o planalto de La Paz e as terras tropicais dos Yungas, na Bolívia, fez mais vítimas do que qualquer outra. Agora serve de pista aos apreciadores de viagens de bicicleta que não se importam de correr alguns riscos.
Percorrendo a Estrada da Morte de bicicleta
É a nova moda na Bolívia, para os visitantes que gostam de bicicleta e não têm pavor de alturas: várias agências oferecem a descida da Estrada da Morte de bicicleta, piquenique e regresso de autocarro incluídos.
Quem chegou tarde demais, como eu, para fazer a estrada num transporte público, agora que o seu acesso está condicionado, esta é uma óptima solução para apreciar ao nosso ritmo a brutal descida dos três mil e setecentos gélidos metros de La Paz à região tropical dos Yungas; das montanhas pouco arborizadas e afeitas a coberturas de neve à floresta tropical, de onde despontam campos de coca e bananeiras, agitados por papagaios de cores garridas. São quase 3.350 metros de descida vertical em apenas sessenta e quatro quilómetros.
O funcionamento da viagem organizada é linear: um pequeno autocarro leva os candidatos a ciclistas, bicicletas e restante material até La Cumbre, o ponto mais alto nas proximidades de La Paz, a 4.640 metros.
A primeira paragem dá-se pouco depois de uma queda de água, para um piquenique de sandes e apreciação da paisagem para os que desceram a grande velocidade, e depois uma última em Yolosa, onde trocamos as duas rodas pelo pequeno autocarro que nos leva a Coroico, a dois ou três quilómetros. Aí come-se uma refeição quente e ao fim do dia regressa-se a La Paz.
Ao princípio, com a euforia de uma boa estrada de asfalto pela frente num cenário de montanhas verdes encobertas por nuvens brancas, espessas como algodão, todos atingem a velocidade máxima; só quando aparecem as duas únicas subidas do percurso é que os três mil metros de altitude se fazem sentir, e a maior parte desmonta e empurra a bicicleta monte acima.
Depois do controlo de polícia, onde se compra um bilhete oficial de passagem pela Estrada da Morte, entramos na parte antiga do caminho, deixado tal e qual como estava quando autocarros de passageiros e camiões de carga se cruzavam às centenas por dia.
Acidentes mortais aconteciam a cada quinzena, e por ano chegaram a morrer até duzentas pessoas, cujos corpos nem sempre foi possível recuperar, perdidos no fundo de precipícios que chegam a alcançar os oitocentos metros de altura.
Mas a maior parte dos ciclistas parece vir pela excitação do perigo; nem as cruzes e outros memoriais a assinalar mortos de nacionalidades variadas os faz parar. Nem a inclinação do chão para o lado do vazio, que na realidade está coberto de floresta frondosa, nem as curvas em cotovelo fechado, nem a paisagem luxuriante cortada por quedas de água.
Para mim, este é um percurso a fazer pela paisagem. Encantaram-me, logo no início da estrada antiga, os fetos enormes e luzidios do tamanho de um braço, pregados ao muro de rocha que acompanha grande parte da estrada. Do lado esquerdo, as árvores emaranhavam-se, trepando umas sobre as outras como se lutassem pela sobrevivência, tentando alcançar as bicicletas.
Dentro de uma nuvem, avançava com um olho na areia grossa e escorregadia do chão e outro no abismo verde que parecia continuar até ao infinito: em certos pontos não se lhe via o fundo, mesmo parando e olhando bem lá para baixo.
Também as montanhas na nossa frente iam descendo e transformando-se em colinas hirsutas onde era impossível descortinar um palmo de solo. Só verde húmido a perder de vista. Muitas vezes a largura da estrada não excede a de um veículo, escavada numa parede vertical de rocha por onde escorre água; de vez em quando há partes mais largas, que formam varandas, únicos lugares onde dois camiões se poderiam cruzar.
Felizmente agora são raros, mas a experiência é assustadora: o único que se cruzou connosco ouvia-se muito bem ao longe mas deixou de se ouvir na última curva, quando surgiu de repente na nossa frente. A nova estrada para La Paz tem mais uns quarenta quilómetros, mas são poucos os que preferem encurtar a viagem vindo por aqui…
O guia que acompanhava o grupo esperava assistir mais uma vez à alegria dos que descem pela primeira vez, quando se abandona por completo a altitude, a chuva pára para deixar ver um céu azul lá no fundo, ao mesmo tempo que o ar aquece. O ar aqueceu, de facto, mas céu nem vê-lo: as nuvens colaram-se a nós durante todo o dia e regressaram connosco à capital. Mas é a água que faz esta paisagem, e a única maneira de a apreciar é apertando os travões quase permanentemente, que a descida é íngreme e parece não ter fim.
Com a sensação de liberdade que só as duas rodas nos dão, avançamos debaixo de cortinas de chuva, atravessamos regatos e vigiamos os que vão mais à frente, transformados em pintas cor-de-laranja pelos coletes fluorescentes obrigatórios.
Já no final do percurso, atravessamos o Rio Yolosani sobre uma ponte e apanhamos de novo o autocarro até à vilória adormecida de Coroico, já na região dos Yungas, a 1.295 metros de altitude.
A povoação vale apenas pelo enquadramento de bananeiras, flores e pássaros garridos, campos de coca e uma vegetação cerrada que anuncia as terras baixas da Bolívia e a Amazónia. Das montanhas altas e nevadas até à selva tropical, o percurso de bicicleta acabou por não durar mais de meio-dia, mas a mudança de horizontes é tão brusca e surpreendente como se mudássemos de planeta.
Guia de viagens à Estrada da Morte
Este é um guia prático para viagens à Estrada da Morte a partir de La Paz, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de agências para fazer a descida de bicicleta.
Localização geográfica
A Bolívia situa-se no coração da América do Sul, sem acesso à costa, separada do Oceano Pacífico pelo Chile, e do Atlântico pelo Brasil. A sua população, maioritariamente andina (cerca de 60%) – sobretudo das etnias quíchua e aimará -, não atinge os oito milhões e vive sobretudo nos planaltos montanhosos que ocupam cerca de 20% do país, a cerca de 4.000 metros de altitude. La Paz tem uma população de quase três milhões de habitantes, incluindo El Alto e arredores, e é a capital mais alta do mundo.
Quando ir
A época de dezembro a março é a única desaconselhada, por ser a das chuvas. As noites são muito frias durante todo o ano, devido à elevada altitude.
Como chegar a La Paz
Não há voos directos entre Portugal e a Bolívia. A hipótese mais barata será porventura voar para S. Paulo com a TAP e daí continuar para La Paz via Lima (Peru), mas ainda assim a viagem pode ultrapassar os 1.200 €. O aeroporto situa-se em El Alto, a 4.000 metros de altitude. Para descer a Estrada da Morte de bicicleta, a menos que esteja a percorrer o continente neste meio de transporte, o melhor é recorrer aos serviços das várias agências na zona da rua Sagárnaga; compare preços e, sobretudo, as bicicletas. Fiz o percurso com a Down Hill Madness, na rua Sagárnaga, que cobra o correspondente a 50 USD, e posso recomendá-la como fiável.
Onde ficar
Todas as capitais oferecem grande diversidade de opções, e La Paz não é excepção. O centro do turismo independente é nos arredores da rua Sagárnaga, por trás da igreja de S. Francisco, a dois passos do Prado. É aí que encontramos muitos hotéis como o Hostal Maya, no número 339, que oferece duplos com casa de banho e pequeno-almoço por 80 Bolivianos (cerca de 9 €). Do outro lado da escala pode escolher o Hotel Gloria, na rua Potosí 909. Se quiser ficar uma noite em Coroico também tem escolha; um dos hotéis mais conhecidos é o Sol y Luna, que tem desde quartos a apartamentos. Um duplo custa entre 70 a 120 bolivianos (8 € a 13 €).
Restaurantes em La Paz
Na zona da rua Sagárnaga há muitos restaurantes e pequenos cafés com comida do Médio Oriente, italiana, chinesa, passando por pequenos-almoços biológicos – é só sair do hotel e escolher. Para comida com sabor boliviano, pode tentar o Club de la Prensa, na rua Campero 52 ou a Casa del Corregidor, na praça Murillo 1040. Durante a viagem de bicicleta, todas as agências providenciam sanduíches e água, bem como uma refeição à chegada. Mas há restaurantes de opção em Coroico.
Informações úteis
Não precisa de visto para entrar na Bolívia; ser-lhe-á dada uma autorização de permanência à chegada. O nível de vida é baixíssimo e 1 euro vale cerca de 11 Bolivianos. Em La Paz há caixas ATM, mas não vi nenhum em Coroico; redobre os cuidados com a segurança nas zonas turísticas da Igreja de S. Francisco e Sagárnaga, ao fazer levantamentos. A comida tradicional baseia-se no milho e na batata, que existe em cerca de 400 variedades incríveis e saborosas, mas inclui também carne – como a de lama – e peixe de água doce. A língua é o castelhano mas há quem fale inglês. No terminal de autocarros há um quiosque do Turismo.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Olá Filipe, essa descida que você fez é a Chacaltaya – La Paz ou a Chacaltaya – Zongo. Entrei no site da Madnes adventures e tem essas duas opções.
Olá, esta é uma reportagem antiga (da Ana Isabel Mineiro) e, por isso, os tours podem ter mudado. Seja como for, perguntei à Ana até onde desceu a Estrada da Morte de bicicleta e ela respondeu: “até Coroico”.
Abraço e boa viagem.
Olá, excelente post! Viajarei para BOL em novembro. Gostaria MUITO de fazer essa aventura, mas não sou cilista. Sabe me dizer se uma pessoa que não é esportista pode fazer esse percurso?
Olá Rayana, a Estrada da Morte é feita a descer. :)