Destino: Médio Oriente » Irão

Hospitalidade persa (Do Cairo a Teerão #12)

Por Filipe Morato Gomes
Ponte dos 33 Arcos, Esfahan
Ponte dos 33 Arcos em Esfahan

Ajuda nas ruas, convites para estadias em casas particulares, jantares caseiros, companhia num parque, transportes gratuitos ou um copo de chá, tudo serve para os iranianos darem largas à sua lendária arte de bem receber. Que não restem dúvidas: o Irão tem um dos povos mais hospitaleiros do planeta.

É um lugar-comum falar de hospitalidade em viagem. Visita-se um país, é-se recebido com sorrisos, uma ou outra ajuda mais ou menos desinteressada, esporádicos convites para o que quer que seja e uma pitada de curiosidade genuína, e regressa-se rendido à hospitalidade local. Até que se visita o Irão e o conceito tem que ser totalmente redefinido. Ajuda espontânea, convites para estadias ou refeições em casas particulares, companhia num parque público, transportes gratuitos e muito chá ou café. Em cada iraniano há uma pérola de amabilidade; em cada encontro fortuito, uma oportunidade de o demonstrarem. Desinteressadamente. O povo iraniano é uma espécie à parte. Nesta viagem, tudo começou entre cinéfilos.

Take one. Gazhor Khan, no vale de Alamut. Existe uma áurea de mistério e glória sobre os chamados Castelos dos Assassinos. Serviram de guarida aos seguidores de Hasan-e Sabbah, um líder espiritual que no século XII comandou uma temerária seita de mercenários. Um desses castelos, o de Alamut, fica junto à aldeia de Gazor Khan, onde me instalei. É considerado o mais bem preservado entre os Castelos dos Assassinos, apesar de totalmente rodeado de andaimes que procuram assegurar a estabilidade da estrutura. Empreendi a caminhada até à fortificação em ruínas. Gazor Khan fica lá em baixo, rodeada de montanhas áridas e cumes com neve. No regresso, descia pelo asfalto quando um carro travou a sua marcha para me oferecer boleia até à aldeia. Eram poucas centenas de metros, mas não recusei. Vahid estava ao volante e fazia parte de uma equipa de filmagens. Já os tinha visto nas redondezas. Rodavam um filme independente nas paisagens de Alamut, um road movie que esperam conseguir levar aos grandes festivais europeus. Anahita Ghazvini, guionista, convidou-me a acompanhar as filmagens. Durante dois dias, filmaram-se cenas diversas com actores profissionais e um camponês, muitas delas em andamento. Acção. Corta. Horas a fio durante dois dias. Tempo durante o qual não consegui gastar um único cêntimo. Bebidas, comidas, snacks, até cigarros, tudo me foi pago. Por mais que insistisse, a resposta era sempre a mesma: “És nosso convidado”.

Take two. Esfahan, a pérola arquitetónica do Irão. Para além da organização urbanística e da monumentalidade da sua arquitetura, com especial ênfase na magnífica Praça Imam, a cidade beneficia – e muito – da presença do Rio Zayandeh. Sobre ele foram construídas pontes como a fotogénica Khaju, mandada erigir pelo Shah Abbas e ponto de encontro dos habitantes de Esfahan nos aprazíveis finais de tarde primaveris. É que os de Esfahan desfrutam da cidade. Todos os dias, assim que o calor amaina, centenas de famílias convergem para os espaços verdes arborizados de Esfahan, estendem a toalha no chão e usufruem de fartos piqueniques em família. A cidade ganha animação, humanismo, cor e som. Há qualidade de vida e as pessoas são solícitas. Eu tinha chegado a Esfahan de camioneta e havia muita gente nas ruas. Na central de camionagem, perguntei a dois estudantes pelos autocarros rumo ao centro da cidade. Não só me levaram à paragem na avenida principal e indicaram o autocarro correcto assim que ele chegou, como me passaram para as mãos dois bilhetes pré-comprados, um para a ida, outro para um eventual regresso. “Bem-vindo ao Irão”.

Take three. Ainda em Esfahan. Caminhava pelo bazar quando um vendedor meteu conversa. Queria mostrar-me o artesanato dos nómadas Bakhtiyari, nomeadamente os tradicionais tacheh, tapetes coloridos que combinam vários materiais distintos numa única peça. Todos os tapetes são únicos, feitos de cabeça pelas mulheres de etnia Bakhtiyari na região de Chahar Mahal, nas montanhas Zagros. Depois de conhecer o bazar segui para o distrito boémio de Jolfa, localizado na outra margem do rio. Quando entrei num táxi partilhado, havia um outro passageiro no banco da frente – um iraniano bem parecido com a cabeça coberta como um mulah, que aparentava pouco mais de trinta anos. Chegado ao meu destino, estendi uma nota para pagar a corrida. O motorista abanou a cabeça, dando a entender que não tinha troco e ficámos breves instantes num impasse. Sem mais, o passageiro da frente levou a mão ao bolso, pagou a minha viagem e sorriu. “É meu convidado”.

Take four. Kashan. Uma cidade agradável, famosa pela qualidade das suas carpetes e pelas majestosas habitações da cidade velha. São casas tradicionais do século XIX, construídas com tijolos e lama, cobertas por uma camada de lama e palha. Algumas foram já transformadas em aprazíveis hotéis, como a admirável Eshan House; outras, como a Khan-e Ameriha, continuam o lento processo de restauro. Consta que os seus sete pátios e dois hamams faziam dela a maior casa de toda a Pérsia à data da sua construção. Hoje, é uma das mais emblemáticas atracções de Kashan, com salas majestosas, tectos decorados com vidros espelhados e vitrais magníficos. Um deleite. Certo dia, já familiarizado com o centro histórico de Kashan, arranjei um condutor para me levar a Abyaneh, uma aldeia cor de barro, bonita e relativamente bem cuidada, onde as mulheres alegram as ruas com as suas saias largas e véus longos de cores garridas. Dela dizem ser uma das mais belas aldeias do Irão. O motorista chamava-se Reza. Falámos bastante durante a viagem, esperou por mim enquanto percorri as ruelas de Abyaneh e, no regresso, perguntou se não queria ir jantar a sua casa. Sem hesitar, aceitei. À hora combinada, foi-me buscar ao hotel e fomos para casa, onde estavam a mulher e os seus dois filhos. Jantámos uma bela refeição de lentilhas, galinha e arroz branco num plástico estendido sobre os tapetes vermelhos do chão, brincámos com as crianças e, no final da noite, levou-me de volta ao hotel. Antes do último aperto de mão, Reza reiterou que eu era bem-vindo em sua casa. Queria que deixasse o hotel e me mudasse para lá. “És nosso convidado”, assegurou. Nunca nos tínhamos visto antes.

O projecto Cairo - Teerão foi uma viagem terrestre pelo Médio Oriente, com a duração de três meses. Teve início no Cairo, capital do Egito, e término em Teerão, capital da República Islâmica do Irão. As crónicas foram originalmente publicadas no suplemento Fugas do jornal Público.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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