A Igreja da Misericórdia de Chaves e seus azulejos

Não sou facilmente impressionável com igrejas e arte sacra. Na verdade, eu e a religião não nos damos muito bem, razão pela qual visitar igrejas não é das coisas que mais costume fazer em viagem. Entro por curiosidade, espreito e raramente me demoro. Exceto quando encontro exemplares como a Igreja da Misericórdia de Chaves.

A tarde ainda ia a meio quando visitei a Igreja Matriz de Chaves. Segui para a adjacente Praça de Camões, bonita e ampla, e reparei numa pequena igreja apertada entre o edifício da Santa Casa da Misericórdia e o Museu da Região Flaviense. Era a Igreja da Misericórdia e, lá de dentro, ouviam-se cânticos.

Preparava-me para entrar quando me avisaram que não podia fotografar. Espreitei e havia duas ou três dezenas de mulheres (pareceram-me só mulheres!) sentadas nos bancos da igreja, a cantar. Estavam a rezar o terço da Misericórdia, haveriam de me explicar posteriormente. Por respeito, saí imediatamente – não queria perturbar o momento. Mas disse a mim mesmo que haveria de voltar.

Na manhã seguinte, madruguei e dirigi-me à Praça de Camões, mas a Igreja da Misericórdia estava fechada a cadeado. Frustração. Um utente da Misericórdia que passeava na praça disse-me que só abriria “às nove, talvez nove e meia”. Acreditei e fui caminhar pelo centro histórico de Chaves, ainda deserto, sem ter sequer olhado para o horário oficial da igreja.

Quando voltei, a igreja continuava fechada. Só aí fui verificar o horário publicado junto à porta de entrada: só abriria às 16:00. Entrei na Santa Casa da Misericórdia e pedi permissão para visitar a igreja. Sempre solícito, Pedro Almeida, um simpaticíssimo funcionário da Santa Casa, tentou localizar telefonicamente a pessoa que tinha a chave da igreja. Sem êxito. Minutos depois, a solução: entraríamos pela entrada lateral, com acesso direto ao altar-mor da igreja a partir do próprio edifício da Santa Casa da Misericórdia.

E assim foi.

Pedro levou-me a visitar a Igreja da Misericórdia. Fechada. Só para mim.

Um privilégio inolvidável.

Uma visita à Igreja da Misericórdia de Chaves

A Igreja da Misericórdia de Chaves é uma igreja pequena, de uma só nave, com uma fachada granítica antecedida por uma escadaria de pedra. No frontão há um nicho onde se vislumbra uma escultura da Senhora do Manto (“abriga sob o seu manto todos os mais necessitados de todas as classes sociais”), um dos símbolos de maior significado para as Misericórdias.

Apesar disso, foi o seu interior que mais me chamou a atenção.

No interior da igreja, as paredes laterais estão revestidas por belíssimos painéis de azulejos do século XVIII, azuis e brancos, evocando passagens bíblicas do novo e velho testamentos – explicou-me Pedro.

Na cabeceira, um brutal retábulo do altar-mor em talha-dourada.

No teto, uma pintura de Jerónimo da Rocha Braga.

Ao fundo, junto à porta principal da igreja, uma enorme escultura do Senhor da Cruz às Costas que, ao que consta, integrava todos os anos as procissões da Semana Santa.

E ali estava eu, sozinho, contemplando. E de novo o olhar fugiu para os painéis de azulejos, à procura de pormenores, uma e outra vez, até que me interroguei se não estaria já a abusar da simpatia da Misericórdia. Foi quando decidi dar por terminada a visita à igreja.

Despedi-me de Pedro e regressei às ruas de Chaves.

Não tenho dúvidas em afirmar que a Igreja da Misericórdia de Chaves é um dos mais belos monumentos da cidade. Mesmo para quem, como eu, não tem por hábito frequentar igrejas. Foi um dos momentos altos da minha viagem a Chaves.