A Ilha do Pico alberga a homónima e mais alta montanha de Portugal – motivo por si só suficiente para uma viagem aos Açores -, mas os seus encantos são bem maiores que o topo do Pico. A começar pelas vinhas abraçadas por muros de pedra vulcânica, a observação de baleias e golfinhos ao largo da ilha, um ou outro moinho elegante, lugares como as Lajes do Pico, as festas populares e, acima de tudo, as suas gentes, do vigia ao trancador, do pescador ao baleeiro. Hoje, o whale watching é uma das principais actividades turísticas do Pico. Estará o turismo de massas a chegar?
Baleias e baleeiros
Antes de partirmos tinham avisado: “Vais ao Pico? É muito bonito, mas se apanhas nevoeiro, estás tramada. Não vês nada”. Por isso, foi um alívio quando o avião que deixara a Terceira quarenta minutos antes aterrou no aeroporto da segunda maior ilha dos Açores com o sol a brilhar num céu relativamente claro. Ao primeiro contacto, os olhos captam o óbvio: o azul do mar, o verde limpo dos campos, as vacas pachorrentas, o negro das pedras vulcânicas e, de vez em quando, se as nuvens deixam, a montanha, erguendo-se 2.351 metros acima do mar.
É assim que os locais chamam ao Pico: a montanha. E isto, se calhar, já bastava. Mas o Pico, não se fica por aqui. Perceber o resto – as histórias ainda vivas da caça à baleia, a gastronomia apetitosa e os costumes que mantêm famílias inteiras reunidas à volta do desmanche do porco -, exige saber andar. Pedir boleia. Parar para respirar. Falar com os picoenses. Tudo coisas que valem a pena.
Para chegar às Lajes do Pico, a partir do aeroporto, é preciso atravessar meia ilha. Estrada fora, não se percebe se é o negro da pedra que faz realçar o verde ou se é o verde que torna o negro mais vivo. Mas os dois encerram em si muito do que torna o lugar inesquecível.
Os diferentes tons esverdeados são dos pastos frescos, da vegetação selvagem ou dos misteriosos campos que parecem depósitos de milhares de bolas de futebol cobertas por erva (os locais chamam a estas formações “bofas” e explicam que é o pisar constante das vacas que as cria). E o negro é da pedra que o vulcão oferece e que os habitantes usam em todo o lado, incluindo os pequenos muros que separam e mantêm quente o mosaico de laje de onde espreitam as vinhas que fazem parte do património protegido da ilha.
A montanha, essa, surge ao sabor da vontade das nuvens. Num só dia pode estar completamente descoberta, ter o topo escondido por uma massa branca e fofa que mais parece chantilly ou ocultar a base, deixando à espreita o cone estreito no cimo. Na base do Pico, a 1.200 metros de altitude, que o resto é feito a pé, o vento gela, enquanto em baixo, nas Lajes, as pessoas passeiam de manga curta, aproveitando um invulgar calor invernal.
O que nunca desaparece (a menos que esteja perdido entre as nuvens que descem até à terra) é o mar imenso, e a esperança infantil de que uma baleia vai aparecer ali ao pé. Só para nós. “Às vezes aproximam-se e vêem-se a olho descoberto”, explica Jorge Silveira, motorista da autarquia que, esta tarde, faz as vezes de guia. Mas não hoje. Quem tem o olho treinado consegue distingui-las bem ao longe e ninguém tem o olho mais treinado que os vigias actuais – herdeiros daqueles que chamavam para a caça em alto mar os camponeses baleeiros.
Naquela manhã, Sidónio, filho de João Vigia que tem honras de fotografia no Museu de Baleeiros, ligou ao francês Serge Viallelle, pioneiro na arte de whale watching no Pico, e perguntou-lhe: “Tens clientes? As baleias estão cá”.
Mesmo no Inverno, quando as embarcações turísticas não saem todos os dias, os vigias não abandonam o seu posto. Nem eles nem os saudosos do tempo de ir à baleia. Na Vigia da Queimada, depois de apanharmos boleia de uma carrinha que ajudou a ultrapassar a longa subida da vila até ali, dois homens observam o mar.
Um deles é Rogério Brum, baleeiro de 62 anos, que abandonou a ilha e a actividade pelo dinheiro mais certo da PSP. “Tornei-me baleeiro no dia em que fiz 14 anos. Apanhámos dois cachalotes grandes. De tal maneira que os dentes, distribuídos pela tripulação, deram mais dinheiro que a soldada do ano todo”. Os vigias recebiam salário, porque “sem eles não havia chop-chop”, explica Serge, fazendo o gesto de comer. Mas os sete homens que seguiam no bote, mar adentro, para enfrentar com curtos arpões e lanças o maior animal do mundo, só recebiam o produto do ano inteiro em Dezembro. E isto, se os óleos da baleia fossem vendidos, senão teriam que esperar.
Em cada canto das Lajes do Pico se encontra quem fale das baleias. Na primeira pessoa, como Francisco Joaquim Machado (o Barbeiro), que aos 89 anos é o mais velho baleeiro vivo, ou António Domingos Ávila (o Ritinha), o último trancador [arpoador] da ilha. E através das memórias de mulheres como Maria do Carmo que, reparando na nossa curiosidade no cemitério, perante a única campa com a inscrição “Morto no Mar”, não resiste a contar: “Foi no mar e pela baleia. Era trancador e ficou com o pé preso na linha do arpão. Os companheiros ainda cortaram a linha, mas a baleia desceu muito fundo e ele morreu”. No mesmo dia, a baleia foi de novo trancada e, desta vez, morta. O corpo do trancador ainda lá estava, preso ao animal que tentara matar.
Antes que nos apercebamos, o Pico já nos prendeu com a sua paisagem selvagem, as casas brancas da vila das Lajes, os vestígios de vidas agarradas às baleias, as memórias de homens velhos e olhos límpidos. E não sabemos em qual destas preciosidades nos queremos fixar. Mas, pelo menos, sabemos que queremos voltar. E, nesse dia, aposto que vamos ver as baleias.
Gente do Pico
Maria Armanda
Estrada acima, com os campos esmeralda, salpicados de amarelo, de um lado, e a imensidão do mar do outro, decidimos fazer um desvio para observar a capela do Lugar das Terras (no Pico, os nomes dos lugares são, assim, simples e bonitos; a Terra do Pão é outro dos predilectos).
Mal começamos nova subida, somos surpreendidos pela azáfama de um grupo de pessoas, meio escondidas no pátio de uma grande casa branca que, descobrimos depois, é um centro social construído pela população local. Duas mulheres fazem misteriosos embrulhos em papel pardo, com letras que, do cimo do muro, não conseguimos perceber. “Isso é pão?”. Já não saímos dali.
Convidados a descer os degraus, descobrimos homens e mulheres reunidos em torno de uma grande mesa onde carne de porco é separada, cortada, limpa e, por fim, embalada. Maria Armanda apresenta-se. Ela é a dona dos três porcos que, no dia anterior (sábado) tinham sido mortos. “Um é para a minha filha, os outros dois são para mim”.
Por causa da matança, o fim de semana foi de festa. A família apareceu toda e, na sexta, as mulheres fizeram o pão alvo, de milho e creme, para agradar ao gosto de cada um. No sábado, mataram-se os porcos e fizeram-se as morcelas.
No domingo, dia em que os encontramos, os familiares dividem a carne, escrevem em cada pacote a melhor serventia de cada pedaço que vai ser guardado no congelador, e preparam um almoço de torresmos e arroz doce, que se há-de prolongar até à noite. Há longas colheres de pau, panelas gigantes, e muito boa disposição. Infelizmente, não pudemos aceitar o convite para jantar nessa noite a sopa feita com osso do porco e couve. Mas que pena que isso nos deixa até hoje.
Serge Viallelle
Diz que chegou ao Pico “de iate”. Não saiu mais. Foi há vinte anos e nessa altura a ilha era muito diferente. “Não havia telefones, só na polícia. E aqui em frente, o chão ainda tinha ossos de baleia”. O francês Serge Viallelle encantou-se pelo local e não foi capaz de partir. Em conjunto com João Vigia, foi o primeiro a apostar no turismo voltado para a observação dos cetáceos que, apesar de já não serem alvo de caça, continuavam a aparecer ao largo do Pico todos os anos. Comprou uma casa mesmo em frente à baía e alargou a actividade de observação de golfinhos e baleias à hotelaria, com a aquisição de uma residencial logo ali ao lado. Hoje, o pioneiro do turismo ligado aos cetáceos no Pico diz que está “numa fase de culpabilidade”. Porquê? “O turismo de massas ainda não chegou cá mas vai chegar. Não sei o que vai ser disto nessa altura”.
O Barbeiro
O melhor é pôr logo o nome pelo qual é conhecido, em vez do seu nome real, menos familiar até entre os vizinhos: Francisco Joaquim Machado. É um velho seco, de olhos azuis vibrantes, e que lamenta não termos mais tempo para falarmos com calma sobre a vida de baleeiro. A única que conheceu durante grande parte dos seus 89 anos.
A primeira vez que foi à caça da baleia tinha 17. “Era um rapazote, mas onde se ganhava alguma coisa era no mar. Umas migalhas, mas era o melhor que havia.” Depois de um interregno para ir à tropa, voltou ao mar. “A partir daí a minha vida foi a vida da baleia”, sintetiza o último oficial baleeiro do Pico. Recorda como apanhou muitas baleias mas, desde que a última foi caçada, em Novembro de 1987, já depois da proibição ter sido instaurada, nunca mais teve curiosidade em ir vê-las. “Agora vão vê-las para fazer coitadinha. Eu não quero fazer coitadinha. Queria era apanhá-las”. Histórias tem muitas, mas sem tempo para lembrá-las todas, recorda o dia em que, depois de arpoarem uma baleia, o cetáceo resistiu, durante todo o dia e toda a noite. “Não era normal, mas às vezes acontecia. Ninguém quer morrer, nem os bichos, e matar as baleias era muito difícil. Passámos a noite no mar e só no dia seguinte é que conseguimos matá-la”.
O Barbeiro (alcunha que lhe ficou da profissão que exercia às quintas e sábados) ainda é do tempo em que as baleias não significavam mais que subsistência e, por isso, confessa que nunca acreditou que a actividade algum dia fosse proibida. “Queríamos era chegar o mais perto delas possível e arpoá-las. Daí é que tirávamos algum dinheiro”. Sobra alguma amargura e uma frase tantas vezes repetidas por muitos picoenses: “Nós não fazíamos mal. Os japoneses e os noruegueses é que caçam muito, e continuam a fazê-lo”.
O Ritinha
António Domingos Ávila, 61 anos, foi o último trancador do Pico. É ele que aparece a arpoar uma baleia na série de ficção “Mau Tempo no Canal”. Por causa disso, há quem se meta com ele na ilha, dizendo que essa foi a única vez que se aproximou de uma baleia. Mas não é verdade. A primeira vez que foi à caça à baleia foi em 1962, mas seriam precisos quatro anos para apanhar o maior cachalote da sua carreira. “Foi em 1966, no dia em que fui à inspecção. Teria mais de 16 metros, mas nem sei ao certo, porque naquela altura não se faziam medições”.
Ainda era o tempo em que não se pensava em proteger a espécie, pelo menos nos mares dos Açores, e muitas das baleias arrastadas para a costa acabavam por revelar-se fêmeas com crias pequenas ou grávidas. “Tenho saudades daquele tempo, mas depois do que aprendi, hoje não trancaria uma fêmea. Naquele tempo, não se pensava nisso”. Da vida no mar, recorda os embates com os animais que não queriam morrer e se contorciam, agarrados à vida.
O professor Moniz, antigo professor primário e “o maior conhecedor sobre baleias na ilha”, conforme o apresentam alguns conterrâneos, descreve esta batalha com os olhos presos no passado: “A baleia impressionava. Apesar do seu tamanho era muito ágil nos movimentos, movimentava-se como uma formiga. O que enaltece ainda mais os nossos baleeiros que a conseguiam vencer”.
Por duas vezes uma baleia virou o bote de sete tripulantes em que seguia o Ritinha. Mas em ambas ele e os companheiros conseguiram escapar. Da última vez estiveram muito tempo no mar, agarrados ao bote, enquanto a lancha salvadora não chegava para os ajudar. Eram estes barcos mais potentes que puxavam os botes até alto mar e ajudavam depois a carregar o animal capturado até terra. Junto à baía das Lajes do Pico, duas lanchas (A Cigana e a Rosa Maria) continuam lá, paradas, para quem as quiser ver.
Guia prático
Este é um guia prático para viagens à Ilha do Pico, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades nos Açores.
Quando ir
Todo o ano, sendo que o inverno é muito frio, o verão muito quente – e do percurso não consta qualquer tipo de abrigo.
Como chegar ao Pico
A TAP e a SATA voam de Lisboa para os Açores, mas não há voos directos para a Ilha do Pico a partir do Porto. Se voar para a vizinha Ilha do Faial, uma pequena viagem de barco é suficiente para chegar à Ilha do Pico (se as condições do mar permitirem a viagem).
Onde ficar
Veja o artigo sobre onde ficar na ilha do Pico para as melhores opções de alojamento, ou pesquise usando o link abaixo.
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Restaurantes no Pico
Hotel Aldeia da Fonte: O restaurante do hotel, com uma esplanada no meio de um jardim verdejante, tem como especialidade o bife. Mas se optar pelo peixe também não se irá arrepender. Experimente-os cozinhados na telha mas, se for este o caso, encomende com antecedência porque a confecção é demorada.
Restaurante Marisqueira de Manuel Maciel: Conforme o nome indica, o dono deste espaço na freguesia de S. João, é o senhor Manuel, que tem num dos seus orgulhos o caldo de peixe. Não se pode deixar o Pico sem experimentar esta especialidade, resultante da água da cozedura de vários peixes, acompanhada pelos mesmos, batata cozida e sopas de pão temperadas com canela.
Restaurante O Lavrador: Com uma larga vista sobre a baía das Lajes do Pico, tem uma variedade de pratos de peixe e carne, entre as quais a especialidade local de linguiça com inhame.
Ver baleias (whale watching)
Podem ver-se baleias e outros cetáceos durante todo o ano no Pico. Mas as saídas diárias costumam estar programadas apenas entre Abril e Outubro. Por isso, se quiser observar golfinhos ou baleias fora desta época prepare-se para solicitar a visita, pelo menos, com um dia de antecedência. E tenha em atenção mais uma coisa: o barco que sai terá que ser pago por inteiro. O que quer dizer que, mesmo que vá sozinho, arca com o total da despesa que ronda os 200€.
O Espaço Talassa, primeira empresa de whale watching do Pico, inclui nos seus programas uma visita à Vigia da Queimada e uma exposição com slides, projectada antes da viagem marítima com cerca de três horas. Os preços variam entre os 37€ e os 43€ (grupos) e os 43€ e 54€ (individual), consoante a época do ano. O telefone é 292672010.
Seguro de viagem
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