Sinto-me uma espécie de Padre António Vieira pregando as vantagens de viajar devagar. Frases como “quero ver o máximo possível” porque “tão cedo não faço outra viagem como esta” costumam ser utilizadas para argumentar em favor de viajar depressa, parando pouco tempo em cada lugar, numa sofreguidão de paisagens, autocarros, cidades, aviões e atrações turísticas.
Quantas vezes viu um grupo de turistas chegando num autocarro a um monumento, visitando o monumento em 30 ou 45 minutos, antes de entrar no autocarro rumo à atração seguinte? É isso que quer para as suas viagens? Eu não.
Vem isto a propósito de um email que recebi ontem, perguntando:
Estou a planear uma viagem pela América Central, entre o México e a Venezuela, no máximo de 15 dias. O que é que achas que não devia perder nessa zona?
Ou eu entendi mal, ou essa minha amiga queria ir da Venezuela ao México em duas semanas. Respondi: “15 dias? O meu conselho é não fazeres isso”; e, quando me disse que teria de estar na Venezuela, sugeri que fosse antes à vizinha Colômbia e se concentrasse num único país.
Há tempos, em conversa com um casal que ia dar uma volta ao mundo em 4 meses com a sua filha, tentei fazer-lhes ver que era melhor diminuírem o número de destinos no itinerário planeado porque iam passar muito tempo em aviões e autocarros, saltando de lugar em lugar em vez de desfrutarem da viagem. Sem sucesso. Há alguns dias vi esta mensagem no Facebook, escrita por eles:
Faz precisamente hoje um mês que iniciámos esta enorme aventura à volta do mundo. Um mês em que já fizemos imensas coisas, mas que passou muito depressa. Aqui ficam algumas estatísticas:
– 3 continentes (Europa, África, Ásia)
– 11 voos
– 10 países (Moçambique, África do Sul, Zâmbia, Zimbabué, Botswana, Namíbia, Tailândia, Laos, Myanmar, Vietname)
– 18 hotéis / guesthouses diferentes
Leram bem: 10 países num mês (o que dá uma média de 3 dias por país), 18 hotéis diferentes (o que implica mudar de poiso mais que dia-sim-dia-não), 11 voos! O oposto de viajar devagar.
É lógico que cada um sabe de si – a viagem é um ato pessoal e cada viajante deve aproveitá-la da forma que preferir – mas eu, pessoalmente, não entendo esta voracidade. Saltar de monumento em monumento, de parque natural em parque natural, de capital em capital não me parece sensato. Pela minha parte, mais do que ver lugares, gosto de viver os lugares – conhecer pessoas, sentir a “boa onda” de aldeias e cidades, simplesmente estar. Gosto do conceito slow travel. E isso não se compadece com grandes velocidades.
Viajar devagar: porquê?
Viajar tem de ser um prazer, não uma canseira. Um prazer físico e emocional. Acredito que devemos estar disponíveis, de mente aberta e sentidos despertos, sem olhar demasiado para o relógio.
Embora compreenda os argumentos contrários, são muitas as vantagens de desacelerar o passo e viajar devagar, de forma mais lenta.
- Conhecer a fundo os locais que se visitam e não apenas os bilhetes-postais associados ao turismo de massas. É como chegar ao Porto e num dia e meio subir a Torre dos Clérigos, visitar o Palácio da Bolsa, conhecer a Ribeira e uma cave do Vinho do Porto nas margens do Douro e ir-se embora.
- Ter tempo para deixar o tempo correr sentado numa esplanada de um café, num banco de jardim ou no areal de uma praia. Experimente e vai ver as coisas boas que podem acontecer por se dar a oportunidade de se deixar “estar” num lugar.
- Oportunidade de interagir com os habitantes locais, conversando, aprendendo sobre os seus hábitos e cultura. E fazer novas amizades, ainda que efémeras. As pessoas que conhecemos influenciam decisivamente a experiência e as memórias de uma viagem. E é incrível como as pessoas são boas em todo o mundo!
- Estar disponível para o imprevisto, onde muitas vezes acontecem os melhores momentos de uma viagem. Ou seja, dar-se a oportunidade de aceitar convites para fazer coisas não previstas no plano inicial da viagem, como ir a um casamento, jantar em casa de uma família local ou, simplesmente, visitar algum lugar pouco conhecido que o anfitrião nos queira mostrar.
- Usar todos os sentidos para conhecer uma cidade – sentindo os seus cheiros, ouvindo os sons das ruas, provando a gastronomia local das tasquinhas recomendadas pelos habitantes – por oposição a ver a cidade através da lente de uma máquina fotográfica.
- Em suma, “viver” e não apenas “ver”.
- Além de tudo, viajar devagar é mais barato. O elevado custo dos transportes dilui-se no orçamento diário, com o tempo conhecem-se restaurantes bons e baratos, ficando vários dias no mesmo hotel é possível conseguir descontos, e muitos passes urbanos (que incluem transportes ou atrações turísticas como museus e monumentos) passam a valer a pena.
Veja o artigo 15 Dicas para viajar mais barato.
O curioso é que a maioria das pessoas concorda com os argumentos para viajar devagar mas, na hora de planear a sua viagem, rapidamente ignora as vantagens do slow travel.
Só porque “temos de aproveitar ao máximo”, preferem visitar 5 capitais europeias numa semana em vez de escolher uma ou duas cidades e conhecê-las a fundo. Só porque “nunca vou voltar” à Nova Zelândia, querem ver a ilha Norte, a ilha Sul e ainda fazer um cruzeiro nos fiordes em apenas 10 dias. Ou ir da Venezuela ao México em 15 dias. Ou passar em 10 países num único mês.
Viajar assim não é para mim. Pela simples razão de que o viajante retira muito mais da viagem, conhece muito mais gente e assimila melhor as culturas e tradições dos locais que visita se andar devagar. É isso que tento explicar vezes sem conta a quem me procura.
Na verdade, viajar devagar é o conselho que mais frequentemente dou quando me pedem sugestões sobre itinerários de viagens.
Poucas vezes tenho sucesso a influenciar outros viajantes a desacelerarem o passo, mas continuarei a “pregar” esta forma de viajar mais lenta e próxima das pessoas. Pelo menos até ao dia em que os meus amigos e conhecidos deixarem de visitar 10 países em apenas 30 dias.
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