Incluir ou não uma visita aos macacos das neves em Jigokudani foi uma das decisões mais difíceis de tomar no planeamento da minha viagem ao Japão. Apesar das belas e ternurentas imagens de famílias de macacos a tomarem banho nas águas quentes do Parque Jigokudani, tinha receio de estar a entrar numa espécie de jardim zoológico com animais “selvagens” domesticados, e acabei por decidir não passar em Nagano para ver os macacos.
Ou seja, em função do tempo disponível e ponderados os prós e contras, não iria visitar Nagano.
Acontece que, na véspera de sair de Tóquio em direção a Matsumoto (o destino seguinte no meu roteiro de viagem pelo Japão), ocorreu-me que, se saísse cedo da capital japonesa, talvez fosse possível ir ver os macacos das neves “a caminho” de Matsumoto.
Estava já familiarizado com a excelência dos comboios japoneses, pelo que me pareceu exequível parar em Nagano, ir ver os macacos, regressar a Nagano e seguir viagem para Matsumoto. Era uma forma de tirar as dúvidas sobre Jigokudani, até porque conheço bons amigos que adoraram a experiência.
Socorri-me da HyperDia, a melhor ferramenta para planear viagens de comboio no Japão e, como tinha o Japan Rail Pass, não teria de pagar mais para viajar entre Tóquio e Nagano. Sim, era possível. Às 8:06 da manhã seguinte chegava a Nagano num comboio Shinkansen.
Encontro com os macacos das neves em Jigokudani
Visitei Nagano no início do mês de dezembro. As previsões meteorológicas indicavam queda de neve, ainda que não muito abundante, mas apenas para o dia seguinte. O dia estava teoricamente bom para caminhar, mas menos bom para ver os macacos das neves em Jigokudani. Na verdade, não fazia ideia de quão diferente a experiência poderia ser caso estivesse a nevar; mas era. E foi.
Correndo o risco de destruir a imagem idílica dos macacos das neves brincando nas águas quentes do Parque Jigokudani, cabe-me afirmar desde já que não gostei da experiência. Detestei, aliás.
Tal como eu temia, senti-me no meio de um encontro forçado entre macacos e homens. Uma espécie de zoológico sem jaulas. Ou – e talvez esta imagem seja mais apropriada – como quando eu vi guias turísticos a atrair peixes com pão em Maragogi, uma suposta reserva ecológica brasileira. Em Jigokudani era uma piscina artificial que atraía os macacos das neves. Mas vamos por partes.
Para chegar ao Parque dos Macacos das Neves, tive de percorrer um trilho florestal com pouco mais de 1,5km. O percurso era plano e não apresentava qualquer dificuldade. Não era feio, mas também não deslumbrou; imagino que seja muito mais atrativo quando pintado de branco no lugar do castanho da lama.
Já bem próximo da entrada no parque, avistei as primeiras fumarolas, sinal da atividade geotermal existente na região. Comprei o bilhete e entrei no complexo. Logo atrás do edifício de madeira que funcionava como receção do parque, reparei num ribeiro onde corria água quente. Havia alguns macacos no ribeiro a tomar banho, mas boa parte deles estava numa pequena piscina de pedra, construída pelo homem. Nas suas margens, talvez duas dezenas de turistas artilhados – como eu – com máquinas fotográficas ou telemóveis para registarem o momento.
Era como se a piscina fosse um isco para atrair os macacos de forma a que os turistas pudessem estar perto e fotografar. E estavam. Estávamos. Não gostei da sensação.
Alguns macacos banharam-se por alguns minutos. Outros trataram da higiene das suas crias. Outros ainda lutaram, como se estivessem a acertar contas antigas. Tudo normal, não fora o facto da piscina ser artificial e nós – turistas – estarmos ali, com os macacos a cirandar tranquilamente por entre as nossas pernas. Sim, os macacos das neves estão tão habituados à presença humana que não lhes causa qualquer desconforto.
Pela minha parte, fartei-me muito rapidamente. Senti uma certa repulsa por estar ali. E só não me arrependo porque assim sei como é. Uma antiga namorada disse-me, um dia, que era melhor arrepender-me de uma coisa que faça do que de uma que não faça. É isso.
Para ser justo, acredito que, com neve, este meu desconforto ficaria de alguma forma diluído entre o gelo derretido. O ambiente estaria mais propício a uma boa experiência. As fotos ficariam melhores. E eu talvez esquecesse por momentos que a piscina é falsa.
É provável, não sei dizer.
Seja como for, não creio que “selvagem” seja a melhor definição para as famílias de macacos das neves que habitam o Parque Jigokudani.
Guia prático
Como chegar ao Parque dos Macacos das Neves (Jigokudani)
A partir de Nagano, a forma mais prática de chegar a Jigokudani é apanhar um autocarro em frente à estação de comboios. Saia do edifício pela saída East, vire à esquerda e desça as escadas, e procure as paragens 23 e 24. A viagem demora cerca de 45 minutos, sendo a primeira partida às 9:05.
Assim que o autocarro parar, junto a um pequeno museu, tem de percorrer a estrada do museu e seguir as indicações para o parque. Os últimos 1.600 metros são por um trilho florestal. A entrada custa 800¥ por pessoa.
Se não estiver alojado em Nagano e precisar de deixar a bagagem antes de visitar Jigokudani, a estação de comboios tem cacifos apropriados para mochilas; custam 600 ou 800¥ (este dá para 3 ou 4 mochilas). Note que os cacifos só aceitam moedas de 100¥.
Hospedagem em Nagano
Eu optei por não dormir em Nagano mas, se quiser aproveitar para, além dos macacos das neves de Jigokudani, visitar o famoso templo Zenko-ji, é recomendável que pernoite uma noite em Nagano. Nesse caso, uma boa aposta é o Worldtreck Dinner & Guesthouse Pise (que eu tinha reservado quando pensara na possibilidade de parar em Nagano por mais tempo); caso contrário, pesquise por favor no link abaixo.
Comer soba em Nagano
Nagano é gastronomicamente conhecida pela sua soba, uma espécie de noodles feitos de farinha de trigo sarraceno (sementes de um fruto) que se comem preferencialmente frios. Antes de prosseguir viagem, sugiro que aproveite a passagem por Nagano para fazer uma refeição de soba.
Eu pedi indicações no posto de informações da estação de comboios sobre restaurantes bons e baratos e recomendaram-me dois localizados dentro da própria estação, no terceiro piso do centro comercial Midori. Não estou certo que tenha ido a um dos recomendados; mas acabei num restaurante fantástico (o que fica ao fundo do pequeno food court) a comer soba. O lunch menu custava apenas 1.000¥. A experiência foi altamente recomendável (se passar por lá, dê os meus cumprimentos ao argentino Jorge).
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
Bom artigo Filipe!!
Realmente já tinha lido o artigo da Carla Mota e fiquei com curiosidade de visitar. Agora li o teu e estou na dúvida se vou se não vou. Até abril tenho de decidir-me, mas foi bom ler outra perspectiva.
(Sendo que vou na Primavera, o mais provável é mesmo não ir!)
bjs
Não faças o que eu digo. Se tiveres tempo, nada melhor que passar em Nagano, visitar Jigokudani e formar a tua própria opinião… 🙂
Para mim, um viajante/cronista/blogger de referência é aquele que também conta as experiências menos boas e aquelas que não gostou, devidamente justificadas.
No meu caso optei por não ir ver os macaquinhos, com receio de que passasse exatamente pelo que tu passaste. No entanto, o complicado é mesmo tomarmos decisões de colocar algo de parte, porque também eu sigo a máxima: “era melhor arrepender-me de uma coisa que faça do que de uma que não faça”.
Filipe, foste com expectativas irrealistas. As piscinas dos macacos em Jigokudani nunca foram naturais, pelo menos de acordo com o que eu li. Os macacos começaram a imitar o comportamento dos humanos nos finais do séc. XIX, início do séc. XX ao descerem das montanhas para se aquecerem nas piscinas de agua quente nos onsens daquela zona de Yudanaka (ha fotos antigas de pessoas a tomarem banho com macacos ao lado). A partir daí esse comportamento foi algo que foi passando de geração em geração de macacos, e hoje em dia existe uma piscina em Jigokudani exclusivamente para os macacos. A única coisa que é um pouco menos natural, se quiseres, é o facto deles serem alimentados por tratadores, mas o resto do comportamento dos macacos é perfeitamente natural, de acordo com os hábitos que foram criando durante algumas gerações.
Pois. É uma questão de expectativas. Eu já ia preparado para uma situação menos “selvagem”. Afinal é o Japão, com os seus milhões de turistas internos, armados das suas câmaras, a almejarem as suas fotografias “kawaii”. Eu gostei. Talvez porque estava a nevar ou porque o enquadramento dessa visita na minha viagem assim o proporcionou. No dia anterior tinha ficado em Shibu Onsen (vale bem a pena) que fica um bocadinho mais abaixo e o dono do ryokan levou-me até ao parque na manhã seguinte. Do parque apanhei o autocarro para Shiga Kogen que fica um pouca mais acima na montanha, Aí estive a esquiar um par de dias. As pistas quase vazias, uma maravilha. Obrigado por partilhares, também, as tuas experiências menos boas.
Obrigada pelas excelentes dicas, Filipe.
Gostava de perguntar, se é possível viajar com uma criança de um ano?
Claro que sim, os japoneses são muito afáveis.
Visitei os macacos das neves em Jigokudani e foi o que mais gostei na minha viagem de 15 dias pelo Japão. No inicio da visita (cerca das 10h30 da manhã) eram muitos os turistas para pouco espaço que o local tem. No entanto decidi esperar e por volta do meio dia já não estava lá ninguém. Sem dúvida que foi aqui que mais macacos decidiram banhar-se, talvez devido à pouca presença humana. Foi sem duvida o local mais calmo e sem enchentes que tive no Japão. E quanto à questão da piscina ser artificial não me fez confusão nenhuma, pois os macacos andam à solta na natureza, sem vedações ou outro tipo de “prisão”. O que detestei foi o comportamento humano: os turistas viram 2 ou 3 macacos a banharem-se, tiraram uma fotos e foram-se embora. O chamado turismo “pastilha elástica”, em que “tira-se umas fotos e ’tá visto, siga para o próximo local”, sem que realmente se aprecie o local onde se está.
Eu acho mesmo que locais realmente selvagens não deveriam permitir a entrada de visitantes salvo biólogos preparados e fotógrafos e cinegrafistas habilitados. Mas as pessoas acham que seus desejos pessoais superam o respeito à integridade de mundo selvagem. Achei até bom seu desapontamento.