O que há de melhor num quente dia de verão, do que mergulhar numa floresta fresca e cheia de sombras, com cascatas e riachos a refrescar o ar? Na Ilha da Madeira a única dúvida é a escolha, já que o seu interior é um novelo de levadas e trilhos que percorrem a antiquíssima floresta Laurissilva. O Caldeirão Verde é o objetivo final de uma delas, um lago que é um “isco” de beleza, aninhado num penhasco que se levanta a pique do arvoredo.
Caminhada pela levada do Caldeirão Verde
As levadas já se tornaram num cartaz turístico da Madeira, afastando dos visitantes a ideia de que a ilha é uma espécie de reserva geriátrica, boa apenas para quem quer descansar ou gozar da reforma sossegadamente. O seu interior verde e selvagem surge de todo o lado e anuncia-se logo no Funchal, com montes frondosos levantando-se abruptamente lá no alto, mal terminam as casas da cidade.
Os canais de irrigação, ou levadas, que conduzem a água de povoação em povoação, às vezes durante grandes distâncias, têm sempre um trilho de manutenção que os acompanha e que faz as delícias dos que apreciam os passeios a pé. A levada do Caldeirão Verde é, justamente, uma das mais conhecidas. Transporta a água para o regadio da freguesia do Faial e é uma importante via pedestre, atravessando o interior do vale da Ribeira de São Jorge.
Ao mesmo tempo é também uma impressionante obra de arte do século XVIII, com os seus quatro túneis escavados na rocha à força de braços, um deles com mais de 400 metros de comprimento, todos a desembocar numa luz marinha e ofuscante, e em vertiginosas visões do recorte acidentado da ilha.
A caminhada começa de manhã no Parque Florestal das Queimadas, junto a uma Casa de Abrigo que parece uma versão gigante das casas típicas de Santana – ou do chapeleiro da Alice no Pais das Maravilhas -, com os seus telhados de colmo de pendente acentuada. Estamos a cerca de 990 metros de altitude, no concelho de Santana, e entramos rapidamente na floresta, onde algumas hortênsias, iluminadas pelos poucos raios de sol que as árvores deixam passar, parecem ter luz própria.
Aos poucos somos confrontados com um mundo onde as plantas são muito maiores que nós, os líquenes pendem das árvores em barbas gigantescas, os fetos têm folhas do tamanho de um braço; por outro lado, os morangos silvestres são minúsculos mas muito saborosos, e a uva-do-monte também não é má.
A Floresta Laurissilva é o que de mais próximo há na Europa do conceito de selva, com as suas árvores e arbustos entrançados num abraço verde, formando túneis sombrios e refrescantes, ideais para um dia quente de verão. O percurso é plano e fácil, dando tempo para apreciar o verdadeiro mostruário de espécies vegetais pertencentes a este tipo de floresta rara e antiquíssima, protegida pela UNESCO, que data de há vinte milhões de anos e chegou a cobrir a bacia do Mediterrâneo e o norte de África.
Aqui destacam-se o til (Ocotea foetens), o loureiro (Laurus novocanariensis), o folhado (Clethra arborea), o sanguinho (Rhamnus glandulosa), o perado (Ilex perado), a leituga (Sonchus fruticosus), o aderno (Heberdenia excelsa), a corriola (Convolvulus massonii), o sabugueiro (Sambucus lanceolata), o piorno (Teline madeirensis), o isoplexis (Isoplexis sceptrum) e o alegra-campo (Semele androgyna). Para além destas espécies, também podem ser observadas com grande frequência as urzes e a uveira.
O chão é húmido e escorregadio, por vezes coberto de folhas. Fiquem no entanto descansados os que têm fobias: na Madeira não há cobras de nenhuma espécie; apenas umas modestas lagartixas cinzentas (mas orgulhosamente endémicas) fazem o seu trabalho, e em alguns locais até vêm comer à mão dos turistas.
De resto, as espécies animais mais visíveis são o tentilhão, os endémicos bisbis e pombo trocaz, a lavadeira e a manta – e por vezes um fugidio peixe que se escapa pelo canal da levada.
Ainda no início do percurso, avistamos um pequeno aglomerado populacional ao longe, aninhado num socalco; é a Achada do Marques, local contemplado com o estatuto de Paisagem Protegida por manter os tradicionais “poios” agrícolas e também antigos palheiros de pedra, que lembram os de Santana mas que aqui são amarelos. E da presença humana permanente pouco mais se vê, e é sempre ao longe.
Enquanto caminhamos dentro de uma paisagem de um verde intenso, avista-se ao fundo a linha plana e azul forte do mar, encimada pelo azul quase branco do céu. E o trilho são seis quilómetros e meio de pura beleza selvagem, por uma floresta que não rejeita nem assusta, apesar do gigantismo de algumas plantas; a paisagem é acolhedora, com as suas paredes de rocha coberta de musgos, a água que pinga e escorre de todo o lado, as pontezinhas sobre regatos pedregosos e o meio-círculo da Caldeirinha, lugar misterioso e húmido que antecede o Caldeirão.
No final apetece dizer que este é o percurso mais bonito do interior da ilha, o que poderia ser uma injustiça. Mas o belíssimo Caldeirão Verde acaba por ser apenas o isco no final da linha, uma forma de dar a caminhada por concluída, atraindo os caminhantes para as margens do pequeno lago que se aninha no fundo de um penhasco.
A queda de água que o enche é alimentada pelo leito principal da ribeira que lhe dá o nome, que atravessa escarpas e montanhas, duplicando de tamanho durante épocas mais chuvosas. A água despenha-se da parede lisa de uma altura de cerca de oitenta metros, escavando a pequena piscina redonda de um verde profundo.
Para a alcançar, sobe-se um pouco ao longo do leito do ribeiro, por um trilho que atravessa um matagal de fetos que nos chegam ao pescoço. O lugar é, sem dúvida, um belo convite ao descanso e ao piquenique, e o ruído fresco da água sobrepõe-se às vozes e convida ao silêncio.
Alguns turistas vão chegando, em grupos pálidos e sorridentes, e escolhem as rochas das proximidades para se sentarem em apreciação. Resta-nos voltar lentamente, apreciando agora o caminho por uma outra perspetiva, sob a luz forte da tarde.
Guia de viagens à Madeira
Este é um guia prático para passeios pedestres na Ilha da Madeira – nomeadamente a levada do Caldeirão Verde -, com informações sobre a melhor época para caminhar e como chegar ao Funchal.
Quando ir
Para usufruir em pleno de uma caminhada na Madeira, aconselha-se a evitar o inverno e reservar a atividade para os meses com menos chuva e frio. A levada do Caldeirão Verde é especialmente agradável no verão, porque o caminho é quase sempre à sombra e termina no famoso “caldeirão”, que fica num local igualmente fresco.
Como chegar
A TAP tem ligações aéreas para a Madeira a partir de Lisboa e do Porto, e faz com frequência promoções às quais vale a pena estar atento. As low cost easyJet e Transavia têm também voos baratos entre o Funchal e o continente.
A estrada para o início da levada passa por Santana e termina no parque de estacionamento junto ao Parque Florestal das Queimadas, para onde não há transporte público regular. O trilho é fácil e plano. Tem cerca de treze quilómetros (seis e meio em cada sentido), e geralmente aponta-se para uma duração de cinco horas e meia para completar o percurso.
Onde ficar
A Madeira não tem propriamente falta de hotéis e turismos rurais. Fiquei instalada na Quinta da Capela, no Porto da Cruz, uma das casas da Associação Madeira Rural, que só posso recomendar vivamente. Fica no sítio do Folhadal, e tem uma vista extraordinária sobre a povoação, o mar e a montanha.
Para outras opções hoteleiras, consulte uma criteriosa lista de hotéis no Funchal, escolhida com base nas opiniões de hóspedes que neles pernoitaram recentemente.
Onde comer
Chegar da levada e ter um festim de iguarias biológicas à espera é possível sem se afastar de Santana; basta fazer a reserva prévia num dos segredos mais bem escondidos da Madeira: o restaurante Cantinho da Serra, na estrada do Pico das Pedras, à saída da povoação na direção do Parque das Queimadas. A entrada não está bem assinalada, mas toda a gente sabe onde fica. É melhor reservar presencialmente, ou através do telefone nº 291 573 727.
Informações úteis
Nunca é demais desaconselhar passeios por trilhos de montanha em solitário, e na Madeira não faltam agências que disponibilizam programas de caminhadas em diversos pontos da ilha. Entre as mais recomendadas está a Madeira Adventure Kingdom, que organiza toda a logística, incluindo serviço de transferes entre o alojamento e a levada, para além de ter guias conhecedores da região e da Laurissilva.
É essencial ter calçado fresco mas que não escorregue, para fazer a caminhada em segurança. Uma lanterna também é necessária para atravessar os túneis, mas as boas agências costumam ter algumas extra, para emprestar aos caminhantes esquecidos. De resto, o caminho está muito bem assinalado e há resguardos metálicos nos locais necessários.
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.