
A dois passos da costa catalã de Tarragona, Espanha, três mosteiros formam um circuito ideal para os apreciadores de arte e de história. Num dia de fugida à praia, uma viagem aos Mosteiros de Cister é uma visita cultural fácil de fazer com veículo próprio.
Saindo de Tarragona em direcção a Lleida, a estrada sobe e desce por colinas verdes quase sempre cultivadas. Da terra vermelha saem, sobretudo, vinhas e pinheiros. Aqui e ali, cabaninhas de pedra onde se guardam as alfaias agrícolas, uma ocasional granja, pequenos bosques. Tudo é bucólico, sem sobressaltos e as povoações estão bem distanciadas umas das outras.

Foi nesta área aparentemente fértil que se instalou a Ordem de Cister durante o século XII. A Ordem nasceu em França, em finais do mesmo século, e os seus ideais de regresso à vida austera e simples, baseados na divisa “Ora et Labora” (Reza e Trabalha), exigia terrenos e áreas de cultivo que garantissem a ocupação dos monges e a sua subsistência.
O primeiro destes mosteiros foi o de Santes Creus, pioneiro de Cister na Catalunha, fundado ainda em 1150; o de Santa Maria de Poblet, situado junto às montanhas de Prades, é um dos mais importantes e mais bem conservados de entre todos os mosteiros da Ordem; o de Vallbona de les Monges tem a particularidade de abrigar uma comunidade de monjas.
Mesmo para quem não se interessa por história, a beleza destes três lugares, só por si, justifica uma visita. Apesar dos edifícios não terem a sumptuosidade habitual em outras ordens na época, a expansão de Cister ocorreu durante os últimos tempos do estilo românico e o início do gótico, o que leva certos críticos a referirem a existência de um estilo particular, o “estilo cisterciense”, para designar esta elegante fusão de elementos arquitectónicos e decorativos.
Sem esquecer que os “monges brancos”, como eram conhecidos por causa da cor das suas vestes, procuravam para se instalar locais isolados e com grandes áreas de terra em redor que permitissem, caso necessário, a expansão dos terrenos agrícolas e do próprio mosteiro; ainda hoje a localização do mosteiro de Poblet, por exemplo, se situa junto a um bosque luxuriante protegido sob a designação de Parque Natural.
Em Portugal, o mais emblemático e conhecido mosteiro fundado pela Ordem de Cister, em 1153, é o Mosteiro de Alcobaça. Apesar de o primeiro mosteiro português ter sido o de Tarouca, aquando da entrada da Ordem em 1144, o de Alcobaça, bem mais rico, transformou-se no centro intelectual e artístico da Ordem no país.
Santes Creus, museu medieval
A lógica das estradas leva-nos primeiro num passeio entre colinas verdes até Santes Creus. O grupo de edifícios vê-se ao longe, enquadrado entre vales viçosos e rodeado de vinhas, amendoeiras e oliveiras. Da construção, de aspecto sóbrio e sólido, destacam-se apenas três torres; o resto do mosteiro tem o aspecto de uma verdadeira fortaleza. À chegada, a funcionária recomenda-nos o espectáculo de Luz e Som que vai começar dentro de minutos e que tem lugar regularmente em várias línguas, fazendo uma pequena introdução histórica à Ordem de Cister.
Muitíssimo interessante e bem feito, leva-nos até à Idade Média, recriando um ambiente escuro e romântico digno de “O Nome da Rosa” de Umberto Eco. Imagens, ruídos, um amanhecer que se vai abrindo na parede, cortinas que correm, objectos que saem das trevas e que para lá voltam e, por fim, o mistério de uma porta que se abre convidando-nos a entrar para uma sala onde nos é apresentada uma bela colecção de obras de caligrafia, arte em que os monges eram peritos. Depois a visita fica por nossa conta.
Com o tempo quente, a frescura do velho claustro arborizado prende-nos por ali, antes de procurarmos a pérola do mosteiro: o seu Grande Claustro, cujas colunas terminam todas em capitéis diferentes, obra gótica do máximo interesse. Há bichos estranhos, morcegos e dragões, monges com cabeça de porco, cenas da Bíblia e os próprios artistas escultores em acção, de martelo e escopro em punho. Ao longo de algumas paredes perfilam-se túmulos de nobres catalães e na Sala do Capítulo, encastrados no chão, os túmulos dos abades.
O dormitório é agora uma bela sala de concertos, onde se realiza ciclos de música clássica e sagrada, assim como cursos de canto gregoriano. A igreja data de finais do século XII e constitui uma das partes mais antigas do complexo, de onde desponta uma bela torre-lanterna. Junto às suas paredes ficam as ruínas de outras partes do mosteiro, que lhe reforçam a faceta mais selvagem e romântica, umas sem telhado, outras com paredes e escadas que terminam no ar, para uso exclusivo de fantasmas.
Santes Creus foi o primeiro dos mosteiros de Cister na Catalunha e agora, desabitado desde há cerca de sessenta anos, é uma espécie de museu que nos conta a história da Ordem num cenário excepcionalmente restaurado e bonito.
Santa Maria de Vallbona, o mosteiro das mulheres
A paisagem não se altera muito entre este mosteiro, o mais tardio da trilogia, e os outros dois. A sua situação num vale fértil, de abundante vegetação mediterrânica, é comum a todos, e a maior diferença reside no facto de a aldeia de Vallbona de les Monges ter crescido à volta dele, num casario compacto de onde despontam as habituais torres. Ruelas estreitas e empedradas, fachadas simples e nuas, um belo portal de pedra que dá acesso à igreja.
A razão desta integração da Ordem na aldeia foi um decreto emanado do concílio de Trento, que proibia os conventos e mosteiros femininos isolados. As religiosas fizeram então os camponeses chegar-se a si, instalando-se muitos deles em dependências cedidas pelas monjas, e a aldeia foi crescendo rente aos seus muros.
Desde 1157 que este ramo feminino de Cister mantém a sua actividade religiosa, uma duração de mais de oito séculos durante a qual sempre foi o mais importante na Catalunha. Apesar de ser mais grandioso que o normal para um mosteiro Cister feminino, fica bastante atrás dos seus confrades de Santes Creus e Poblet.
A igreja é a parte mais importante e um belo exemplo da transição entre o românico e o gótico, datando dos séculos XIII e XIV. Também aqui as abadessas e os nobres – neste caso a rainha Violante da Hungria e sua filha – têm belos túmulos ou pedras tumulares esculpidas.
O edifício dispões das divisões comuns aos outros da Ordem, destacando-se a sua biblioteca, que abriga valiosos manuscritos, e um pequeno museu com bordados, peças de joalharia e outras obras realizadas na abadia.
Chegaram a ser mais de cento e cinquenta, as religiosas que aqui viviam, entre as quais as filhas das principais famílias nobres que asseguravam a riqueza do mosteiro; hoje resta uma comunidade de cerca de trinta, o suficiente para manter a actividade espiritual da abadia e organizar todos os anos uma época de concertos de música clássica no interior da igreja.
Santa Maria de Poblet – terras de Cister
A apenas cerca de trinta quilómetros de Vallbona, Santa Maria de Poblet foi o último mosteiro que visitámos neste circuito medieval. Mandado construir em 1151 por Raymond Bérenger, como agradecimento após a reconquista da Catalunha aos mouros, foi sempre favorecido pelos reis de Aragão, que aqui ou em Santes Creus repousavam nas suas viagens entre Saragoça e Barcelona, acabando por o escolher para panteão nacional. Em 1835, depois de convulsões sociais e de uma série de leis contra as ordens religiosas, o mosteiro acabou por ser abandonado e pilhado. Só um século mais tarde se retomou a sua reconstrução, e apenas em 1940 os monges voltaram a instalar-se aqui.
A mancha verde dos bosques fica muito próxima e, tal como em Santes Creus, o cultivo da vinha faz-se junto às suas paredes. Só já não se vê nas imediações o choupal que lhe deu o nome; Poblet vem do latim populetum, choupo, mas os ciprestes parecem ter tomado o seu lugar.
Mais uma vez, a arquitectura do edifício faz-nos hesitar entre a fortaleza e o castelo, de tal modo é imponente, muralhada e pontuada por torres defensivas. Atravessa-se três fiadas de muralhas para chegar ao mosteiro propriamente dito, e pelo caminho não passam despercebidas as graciosas capelas de Sant Jordi e de Santa Catarina, esta última na grande praça que antecede a Porta Real, enquadrada por duas grandes torres. Todas estas construções se foram sucedendo ao longo dos séculos, de XI a XVIII, conforme as necessidades do mosteiro.
Após algum tempo de espera, um guia – um monge, com toda a certeza – veio mostrar-nos os interiores, que só se visitam em grupo, e foi-nos explicando as funções da cada sala. Há muitas em redor do claustro, e nas que continuam a ser utilizadas só nos é permitida uma espreitadela, para não prejudicar o normal funcionamento do mosteiro.
Passamos pelo refeitório, pela biblioteca, pela Sala do Capítulo onde estão belíssimos túmulos, pelo salão onde os monges se aqueciam junto a uma grande lareira e por uma cozinha, de onde sai um cheirinho rescendente.
Uma porta fechada dá acesso à clausura. Tudo grande e austero, sem que avistássemos algum dos trinta e dois monges que habitam o complexo. Quanto à igreja, os túmulos dos reis e rainhas – entre as quais Leonor de Portugal – e o altar-mor de alabastro são obras de arte requintadas que não se podem perder.
Para uma visão final do claustro, de onde se levantam ciprestes gigantescos e um precioso fontanário, a visita termina num passeio sobre uma passagem superior, que começa junto à bela torre-lanterna da igreja.
É nesta atmosfera de paz e austeridade que os monges de Cister continuam a guardar os ideais da Ordem. Poblet continua a ser um grande centro espiritual de Espanha, mas qualquer um dos três mosteiros constitui um magnífico exemplo da arquitectura medieval europeia.
Guia prático
Quando ir
Todo o ano. Informar-se sobre os horários dos mosteiros com antecedência, uma vez que estes mudam de Inverno.
Como visitar os Mosteiros de Cister
Com veículo próprio, o melhor é fazer base em Tarragona, onde há mais facilidades dos que em qualquer das aldeias junto dos mosteiros. Por aí encontra-se o ocasional café e pouco mais. Sair de Tarragona em direcção à auto-estrada de Barcelona e Lleida (Lérida), seguindo depois pela N240 até aparecerem indicações para os mosteiros. São cerca de 50 quilómetros até Poblet, daí uns trinta até Vallbona. Santes Creus é o mais próximo de Tarragona.
Uma hipótese agradável é sair de manhã de Tarragona, visitar Santes Creus de manhã (umas duas horas de visita), fazer um piquenique pelo caminho, visitar Vallbona e Poblet (uma hora para o primeiro e hora e meia de visita para o segundo), e regressar à base ao fim do dia.
Todos os mosteiros possuem dias e horários de abertura, e a entrada é paga. Em Santes-Creus, a entrada é gratuita às quartas-feiras.
Onde ficar
Em Tarragona, tanto pode optar pelo campismo – o Camping Tarraco fica mesmo ao pé da praia – como por hotéis de 4 estrelas, como o Ciutat de Tarragona, na Plaza Imperial Tarraco, 5. Bem central, na Rambla Nova 20, é o três estrelas Hotel Lauria.
Restaurantes
Impossível não falar no restaurante que fica no próprio Forte de la Reina, e que tem o mesmo nome, situado na Platja del Miracle. A gastronomia catalã e os vinhos locais podem ainda ser testados, por exemplo, no Restaurante Merlot, em Cavallers 6.
Seguro de viagem
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