Acabo de regressar de nova viagem à antiga Pérsia e uma vez mais constatei que o Irão está a mudar. Na verdade, sempre que volto ao Irão encontro algo diferente.
Recentemente, os emblemáticos murais da antiga Embaixada dos Estados Unidos da América em Teerão, conhecida como den of espionage, foram repintados. Primeiro de amarelo, agora com flores e frases em farsi seguramente menos provocatórias que os originais graffitis anti-americanos.
Na indumentária, as leggings vão-se ajustando às elegantes figuras femininas, os cabelos vão aparecendo cada vez mais proeminentes costas abaixo, as mangas dos manteaus sobem aos poucos, as cores tornam-se mais alegres e os saltos altos são já normais, e até uma ou outra saia se vai avistando. A transformação sente-se nas ruas de Teerão mas, mesmo à distância, basta apreciar a conta instagram da pooshema para ver a mudança a acontecer (a conta foi entretanto eliminada).
No turismo, mais museus vão abrindo à sexta-feira e há cada vez mais turistas nas ruas. Autocarros com europeus de idade avançada – muitos alemães, italianos, franceses e espanhóis – vão fazendo fila à porta de atrações como o Museu das Joias em Teerão ou nos palácios e mesquitas de Esfahan, e os chineses vão aparecendo como improváveis formigas irrequietas nos pátios de hotel. Mais: já há operadores turísticos norte-americanos a estudar a entrada no Irão.
Sim, o turismo está a chegar em força ao Irão.
Lembro-me de, numa das primeiras edições da viagem Segredos da Pérsia, o pessoal da Embaixada do Irão em Lisboa se mostrar visivelmente satisfeito por emitir um conjunto de 11 vistos de turismo em simultâneo. “Bom, não é?”, soltou o funcionário ao entregar os passaportes. Era sinal de que havia gente a querer visitar o Irão. Éramos poucos, mas isso já era “bom”.
Ainda somos poucos, é certo – não são milhões de turistas -, mas, se dantes não havia vivalma num museu e hoje encontro 40 turistas, isso incomoda-me. Não porque 40 pessoas seja muita gente, mas porque eu tive o privilégio de conhecer os lugares tranquilamente – sem gente, barulho e empurrões – e era assim que gostava de os partilhar com os viajantes que me acompanham. Em alguns casos, isso já não é possível.
Não por acaso, na Nomad há muito que decidimos que as viagens de 2015 seriam fora dos meses mais problemáticos em termos de afluência turística. Os primeiros sinais tinham chegado no final do ano passado e soubemos interpretá-los.
Ainda assim, que Irão me espera nas próximas viagens?
O Irão do futuro
Não faço ideia naquilo em que o meu querido Irão se vai transformar. Não tenho respostas, apenas receios. Estou (moderadamente) apreensivo.
Assumamos por um momento que o Irão fica definitivamente na moda e centenas de milhar (ou milhões) de pessoas decidem visitar o país anualmente. Como vai ser?
O que vai acontecer à lendária hospitalidade persa? Ficarão os iranianos fartos de turistas, à semelhança do que vejo acontecer em Lisboa e no Porto nos dias que correm? Ou continuarão a ser genuinamente hospitaleiros e a convidarem os estrangeiros para uma conversa, um chá no parque ou um repasto em suas casas?
Deixará o Irão de ser o país mais “perigoso” do mundo, com aspas, e começará a haver carteiristas e roubos e assédio comercial aos turistas? (presenciei há semanas um burlão a atuar nas ruas de Teerão, coisa nunca antes vista).
Ao contrário do que se dizia – e ainda se diz -, o Irão sempre foi um país seguro. Para ser justo, é um dos mais seguros destinos de viagem que conheço. Mas os ocidentais, informados pelas verdades absolutas da televisão, não pensavam assim. O Irão fazia parte do “eixo do mal” – lembram-se?
De repente, tudo mudou.
Bastou um telefonema entre os presidentes Obama e Rohani para que a perceção ocidental se alterasse. Trocaram palavras de circunstância e manifestações de boa vontade e, de repente, aos olhos ocidentais, o Irão deixou de ser um refúgio de terroristas, um país inseguro, cenário de guerras e não sei mais o quê… e passou a ser um destino atrativo. Bastou um telefonema presidencial para os medos desaparecerem. Seguiu-se um tweet e o Irão tornou-se um destino turístico apetecível. O mundo é um lugar estranho!
Espero sinceramente que o turismo contribua para desenvolver o Irão sem desvirtuar as qualidades do povo iraniano. Quero continuar a passear nas ruas da mágica Esfahan sendo alguém a quem os iranianos interpelam por simples curiosidade, amiga e desinteressada; não por verem em mim uma nota de dólar.
Da mesma forma, espero que os turistas europeus, do alto da sua pretensa superioridade, interiorizem de uma vez por todas que, no Irão como em qualquer outro lugar do mundo, é preciso respeitar para ser respeitado. Respeitar a cultura, os costumes, as regras de comportamento em público, as regras de vestuário. E isso implica, por exemplo, taparem o rabo e não roubarem as pedras usadas pelos muçulmanos xiitas nas suas orações.
Em dezembro voltarei ao Irão.
Depois em março, em setembro, em novembro…
Sei que o Irão continuará a ser o meu querido Irão. E que mudança pode ser sinónimo de boas notícias para os iranianos. No fundo, mais do que encontrar ou não 40 turistas num museu, é isso que importa verdadeiramente. Que o povo iraniano beneficie, económica e socialmente, com as mudanças. Desde que continuem a ser o povo mais hospitaleiro do planeta! :)
Seguro de viagem
A IATI Seguros tem um excelente seguro de viagem, que cobre COVID-19, não tem limite de idade e permite seguros multiviagem (incluindo viagens de longa duração) para qualquer destino do mundo. Para mim, são atualmente os melhores e mais completos seguros de viagem do mercado. Eu recomendo o IATI Estrela, que é o seguro que costumo fazer nas minhas viagens.
O Irão está a abrir-se ao mundo e isso é óptimo. Ainda que não esteja directamente ligada ao Irão, não achas que a ISIS pode ser uma enorme ameaça ao turismo em toda a zona do Médio Oriente?
É difícil ter opiniões – racionais – sobre fenómenos do género. Acho que é preciso estar atento, mas sem histerismos. Abraço.
Bom dia. Relativamente ao Irão, queria deixar uma sugestão de visita (para quem não pode ir até lá) : há uma exposição em Serralves da iraniana Monir Shahroudy Farmanfarmaian. Se fizerem a visita guiada, irão passear por toda a história do Irão ao mesmo tempo que visitam as obras desta artista. Aconselho vivamente, aprendi imenso! (Nota: não, não trabalho em Serralves)
Muito obrigado pela sugestão, Clara.
Bom dia Filipe. Diz em Dezembro voltar ao Irão. Faz só ou em grupo? Grata. Isabel Amaral
Olá Isabel. Regressarei ao Irão ao serviço da Nomad, com um grupo de 10 viajantes. Abraço
Olá Filipe! Obrigada por este post, com o qual concordo plenamente. Vou visitar o Irão durante três semanas – parto no início de Novembro. É bom ler estas coisas… porque cada vez que digo a alguém que lá vou, ouço coisas como ‘Mas o Irão não é perigoso?’, tal como referiu.
E eu vou contigo em Dezembro pela Nomad! Mesmo com muito mais turistas, I can’t wait!
Sabes o que me falta? Saber como me devo vestir, sendo mulher, como turista no Irão, de modo a respeitar a cultura local. Imagino que deva ter que usar um lenço no cabelo, mas gorros tb servem? E que significa na prática cobrir o rabo? Tenho que levar coisas por cima das calças ou das leggings? Um abraço, Sofia
É lamentável que o Irão continue a aplicar leis que não são compatíveis com os direitos humanos: https://www.publico.pt/2014/11/02/mundo/noticia/jovem-britanicoiraniana-condenada-a-um-ano-de-prisao-por-tentar-assistir-a-jogo-de-volei-1674926.
Só se for para pior, é um pais com uma mentalidade, sempre nas bocas do mundo e pelas piores razões.
olá Filipe !
Sou um habitual viajante, há mais de 50 anos, com cerca de 120 países já visitados e tendo realizado viagens muito pouco comuns; quero em 1º lugar felicitá-lo pelo seu interessante e útil blog; de seguida, gostava de dar a minha modesta opinião sobre o IRÃO: definitivamente um dos mais seguros países do planeta e seguramente o país com gente mais hospitaleira do mundo, sem margem para dúvidas!
Visitámos este país 2 vezes, percorremos o país INTEIRAMENTE, durante quase 3 meses na totalidade, e são absolutamente incontáveis os momentos e ocasiões de simpatia e bondade com que deparámos, repito INCONTÁVEIS! Só as pessoas que se deixam intoxicar pelos MEDIA é que acreditam que há maldade e perigo naquele país; esses é que o deveriam visitar. Não compreendem que a política é uma coisa, a realidade e o povo é outra coisa. Infelizmente, muitas pessoas escrevem mas não fazem a mínima ideia do que estão a escrever, ou se quiser, não fazem a mínima ideia da realidade…
Um abraço e continuação das boas viagens
David Estrela e Marilia Estrela
P.S.: Só hoje tive conhecimento do seu blog, parabéns mais uma vez