É a maior e a mais fértil das ilhas Cíclades. Por detrás dos seus montes áridos e secos escondem-se vales verdes por onde – milagre! – correm riachos que só secam no Verão. Ao contrário das outras ilhas gregas, Naxos não precisa dos milhares de turistas que lhe enchem as praias. Mas eles vão chegando e, mais que isso, muitos acabam por ficar.
Rumo a Naxos
Viagem agitada, com um meltémi frio e incontrolável a correr toda a gente dos decks. O ferry balançava nas ondas muito azuis de um Mediterrâneo inquieto. A Khora – o inevitável nome que os gregos dão à cidade mais importante de cada ilha – apareceu como uma fortaleza cubista: um quadriculado de casas brancas empilha-se, em pirâmide, à volta de um velho castelo.
Mais ao longe levanta-se um monte árido, como uma gigantesca onda de terra petrificada. Duas capelas brancas agarram-se à rocha, quase no cimo, e uma colmeia de casas aninha-se na encosta nua. Dezenas de barquitos jazem inertes sobre uma água pálida, indiferentes à fúria do vento. No fim de uma estreita língua de terra, um gigantesco portal de pedra parece simbolizar a entrada no mundo virtual dos deuses do Olimpo.
Esta é a primeira face de Naxos. A segunda, a dos seus habitantes, assalta-nos mal pomos o pé no cais: uma turba mal controlada pelos guardas do porto acena fotografias de hotéis e chama por quem desce do barco, oferecendo quartos “no centro”, com descontos e ofertas múltiplas.
Estamos no fim de Setembro, a época turística está a acabar e requer esforço manter os pequenos negócios de família. Uma velhinha de chapéu de palha e olhos doces prende-me a atenção – e o braço. Num inglês pior que o meu diz que a casa é perto, e arrasta-nos com o sorriso.
Há quartos para todos os gostos: os de cima têm terraço e os de baixo partilham a casa de banho e as querelas familiares. São três mulheres: a mãe, Anna, e duas filhas. De sangue na guelra, discutem tudo bem alto e sorriem-nos de esguelha, piscando o olho. Sentadas ao lado dos hóspedes, descascam as batatas do almoço para uma bacia, dobram os lençóis lavados de fresco e, à hora da chegada do ferry, saem de albúm de fotografias debaixo do braço, para mostrar os quartos aos que chegam de novo.
Procurávamos amigos, ele, grego de Atenas, ela, canadiana. Acabámos por encontrar uma comunidade crescente, que viu nas ilhas gregas a melhor das oportunidades para começar vida nova: meteorologia sem sobressaltos, paisagens relaxantes, uma procura turística favorável ao aparecimento dos pequenos negócios individuais. Aluga-se de tudo, de casas a motoretas, passando por pranchas de windsurf e guarda-sóis. Dezenas de restaurantes oferecem pitéus locais ou pratos de sabores mais longínquos, para matar as saudades de casa.
O Café Picasso optou pela comida mexicana, o Papagalos pelas especialidades vegetarianas; o truque é descobrir qual o nicho vazio, que clientela não falta durante a longa época alta, que vai da Páscoa a Setembro. Há lojas tradicionais com produtos locais, roupas made in India, Internet de aluguer, ginásios para quem não descura a cultura física nem nas férias, enfim, tudo o que se pode encontrar numa capital, e ainda a atmosfera descontraída de uma ilha soalheira.
A sesta, por exemplo, é ponto assente: a não ser nos excitantes meses de Julho e Agosto, quase tudo fecha à uma da tarde, para abrir de novo depois das quatro, até às nove ou dez da noite.
Mas Naxos nunca procurou o turismo. Enquanto outras, pouco habitadas, se foram tornando pequenos paraísos privados e, mais tarde, locais populares entre estrangeiros ou atenienses em férias, o desenvolvimento de Naxos foi sempre gradual e, pela sua auto-suficiência, a ilha nunca caíu nas mãos de grupos ou modas exteriores, que foram determinando clientelas especiais para certas ilhas. Ios, por exemplo, é agora conhecida como refúgio de alcóolicos e toxicodependentes; Santorini é procurada por artistas e personagens da elite internacional; Mykonos disputa com Ibiza o lugar de eleição para homossexuais.
E Naxos? Naxos continua associada ao seu famoso vinho, à batata de semente que vai para o resto da Grécia, às excelentes frutas e legumes (tomates, beringelas, amêndoas, figos, uvas, limão) e ao kytron, a típica aguardente de folhas de limoeiro. Também não faltam os rebanhos de cabras e ovelhas, que produzem o melhor queijo kefalotiri que comi em todo o país. E iogurte, azeitonas e mel.
Decididamente, Naxos foi abençoada por Dionísio – Baco, para os romanos – que aqui criou o armazém de iguarias necessárias aos seus banquetes. Possível, graças à abundância do que falta em todas as outras Cíclades: nascentes de água que correm livremente dos montes, tornando os vales verdes e férteis.
Penetrando no interior da ilha, pelas estradas sinuosas e estreitas que ligam as povoações, entramos num mundo agrícola e antiquado, onde os canados de leite ainda são transportados em cima de burros, e as uvas são pisadas com os pés. O tempo parece não querer passar, e é o que acontece a muita gente, que vai ficando…
Não se pode dizer que o turismo não tenha chegado aqui. Em quase todas as aldeias há o incontornável sinal “rooms to let”, e os donos do kafenío local já se habituaram ao inglês essencial para atender os estrangeiros. Mas há uma diferença abismal entre os clientes do circuito praia-restaurante-bar-discoteca e os que por aqui param, à procura da Grécia pré-turística.
Da khora de Naxos a Apiranthos, aldeias brancas de ruas quase desertas – o trabalho nos campos começa logo de manhã – alinham-se ao longo da estrada, embrulhadas no verde dos loendros, canaviais, ciprestes, campos de batata e cereais.
A população fixa é de cerca de vinte mil habitantes, mas dos campos ocupam-se, sobretudo, os mais velhos, pelo menos durante o Verão, quando os jovens estabelecem negócios sazonais junto às praias ou na cidade. Khalki foi capital antes do comércio ganhar importância, obrigando à deslocação da cidade para a costa onde, apesar dos riscos dos ataques de piratas, o porto fornecia o necessário escoamento aos produtos da ilha. Hoje é uma vila pacata, coração da Tragéa e dos seus vales em socalcos de um viço inesperado, onde abundam oliveiras, pinheiros e carvalhos.
As montanhas são secas e agrestes, com as cúpulas típicas das igrejas cristãs ortodoxas a marcarem os pontos mais altos, e o ocasional rebanho a destacar-se nas rochas. De um branco incandescente, ou com as cúpulas redondas pintadas da cor do céu, parecem grandiosas basílicas em miniatura.
Não há aldeia sem duas ou três igrejas, mosteiros ou capelas; mas diga-se, em abono da verdade, que poucas vezes estão abertas e ainda menos vezes têm gente lá dentro – à excepção de um padre apressado que vem tocar os sinos ao fim da tarde e volta para casa logo a seguir. Perto de Moni fica a Panagia Drosiani, que data do século VI, uma das mais antigas igrejas da Grécia, construída como um aglomerado de capelas justapostas. O interior é decorado com frescos belíssimos, embora com evidentes sinais do tempo.
E ali perto fica outro local sagrado, ainda mais imponente: o monte Zás, ou Zeus, com a dupla honra de ser o ponto mais alto das Cíclades (mil metros de altitude), e morada do deus dos deuses durante a sua infância, onde viveu com a águia que lhe serviu de ama…
Só em Naxos é possível esquecermos que estamos numa ilha, não ouvir nem sentir o cheiro do mar. Caminhando pelos vales interiores, por entre campos cultivados e ruínas de moinhos ou torres venezianas, atravessando aldeias brancas de ruas estreitas, onde passam furtivas mulheres de preto, a sensação é a de estar algures no interior sul da Europa, num Alentejo ou numa Andaluzia pouco povoados, onde as igrejas são a única marca humana visível.
A maior ilha do grupo, com quatrocentos e vinte e oito quilómetros quadrados, oferece-nos muitos locais de onde podemos olhar o horizonte sem que os olhos alcancem o mar. Os que não passam sem os azuis do Mediterrâneo, e preferem passeios pelo areal a calcorrear os montes do interior, têm lugares “secretos” para fugir às multidões e aos hippies de profissão, para quem o Woodstock nunca acabou. Lionas e Moutsouna são dois deles, escondidos em calhetas de seixos, afastados da estrada principal.
De um modo geral, toda a costa leste está naturalmente mais isolada, quer por um relevo mais irregular e rochoso, quer pelo excesso de areia que dificulta o acesso – e, também, pelo frequente meltémi que, embora derive do italiano beltempo, é um vento frio e desagradável.
Quase na ponta norte, Apollon é a típica enseada de pescadores convertida ao turismo. Em redor da pequena praia acotovelam-se esplanadas. Casas brancas, cadeiras e portadas azuis prolongam as cores do mar pela terra dentro, contrastando com o violento lilás das bungavílias.
O segredo de tanto sucesso, numa terra tão pequena e distante de tudo, é o kouros ali próximo: uma estátua do deus Apolo, representando o ideal de beleza masculina que, apesar de inacabada e abandonada no chão, atrai camionetas de turistas. Jaz ali desde 600 a.C. e faz parte da longa história dos habitantes da ilha, mistura de trácios, cretenses, jónios, persas e venezianos – enfim, a miscigenação parece ter começado bem antes da chegada do turismo.
A costa oeste confirma a diversidade paisagística e natural de Naxos. Quase completamente desabitada até perto da khora, esconde duas esplêndidas construções do século XVIII: o pirgo de Agia, uma das mais belas torres venezianas da ilha, e o Mosteiro de Faneromenis, tipicamente enclausurado entre muros alvos.
A estrada passa também por duas barragens de água doce e pelas belas aldeias de Engares e Galini, antes de nos levar ao acesso do Mosteiro de Agiou Ioannou, pendurado nos montes por trás do porto, habitado por um grupo de freiras ortodoxas. E como numa ilha é preciso regressar sempre ao ponto de chegada, os ferries ancorados avistam-se de longe, antes de entrarmos de novo na cidade.
As artes em Naxos
A hora da sesta é a melhor para percorrer as ruelas estreitas e sombrias da zona antiga, especialmente concebidas para que o sol nunca bata no fundo. Herança dos venezianos, o kastro (fortaleza) e o casario em redor formam um labirinto de becos, túneis, entradas quase secretas, portas com brasões, e escadarias brancas de onde se levantam igrejinhas da mesma cor – um mundo pedestre, onde os carros não têm lugar, e só os gatos se passeiam durante as horas de calor.
No centro fica a igreja católica e o Museu Arqueológico, que possui uma importante colecção das famosas figurinhas das Cíclades, cujas reproduções aparecem em todas as lojas de souvenirs.
Depois de muitas mudanças de mãos e outras convulsões, já habituais na longa história da humanidade, Naxos fez parte de um Ducado Católico veneziano, juntamente com as ilhas de Paros, Sifnos, Milos, Ios, Santorini e Anáfi.
Entre 1207 e 1566, Marco Sanudo e os seus sucessores governaram daqui este grupo de ilhas, por entre assaltos mais ou menos bem sucedidos de corsários turcos. Espalhados por Naxos sobraram exemplos da arquitectura veneziana, que constituem uma das suas marcas mais características: os famosos pirgi. Trata-se de torres defensivas, integradas em casas acasteladas ou junto à costa, isoladas e em posições estratégicas; dir-se-ia uma espécie de grandes pombais de pedra nua, com as esquinas superiores embelezadas por bicos e frisos geométricos.
Algumas estão ocasionalmente abertas aos visitantes, como a de Grazia, em Khalki; outras foram compradas por estrangeiros, recuperadas, e servem agora de habitação; muitas delas estão romanticamente votadas ao abandono, inseridas numa paisagem agreste com mar ao fundo.
Conhecida pelo seu mármore, a ilha forneceu material para monumentos e templos importantes, nas ilhas e no continente, nomeadamente em Atenas. Os exemplos mais próximos encontram-se no santuário da ilha de Delos: os Leões que guardam o Lago Sagrado e o Colosso de Naxos, de que só restam alguns pedaços.
Ainda junto às pedreiras jazem alguns kouri; incompletos e partidos, só aqui ficaram por se terem quebrado durante os trabalhos, como o de Melanés; ou por serem demasiado grandes para arrastar até à costa e daí levados por mar, presos entre dois barcos, até ao seu destino – o que parece ser o caso do enorme kouros de Apollon.
O escultor Ingbert Brunk faz objectos de arte bem mais pequenos, mas igualmente apreciáveis. Nem precisa de ser mármore; qualquer pedra com dureza e veio interessantes pode ser transformada em peça única, polida e sedutora. E este é apenas um dos artistas que trabalham na antiga Escola das Ursulinas, que acolhe os que desejam ficar por ali, tendo como única riqueza a magnífica vista sobre a cidade e o mar que se tem das janelas e terraços do enorme convento arruinado.
A troco de uma módica quantia e da autorização do padre, é possível dormir num dos pequenos quartos escuros onde ficavam as freiras e as alunas internas, e preparar refeições numa cozinha impressionante e a clamar por obras. Não há mobília, só grandes espaços amplos, iluminados pela luz forte do Mediterrâneo. Matte, uma pintora dinamarquesa, prefere utilizar apenas um destes enormes salões para o seu trabalho: peixes azuis e laranjas garridas de Naxos.
Desde de 1995 que só vai a casa passar o Natal, mas alguns, como a Debbie e o Stratos, chegaram há mais tempo, e têm a sua própria casa. O café que abriram perto do centro ocupa-os pouco mais de metade do ano, mas o “lar” já é aqui. Fazem-se amigos, estabelecem-se hábitos – o melhor restaurante é em Aperanthos, a meia hora de carro, a melhor praia é Agios Prokopios, a quinze minutos -, o sol dura até Novembro…
E porquê aqui, se só nas ilhas Cíclades há uma vintena de ilhas habitadas? Sorrisos, encolher de ombros. “Foi por acaso”… De algum modo, Naxos impôs-se como a alternativa indiscutível. Para todos, faz mais nexo estar aqui, do que nos locais onde sempre viveram.
Sentada junto ao templo de Apolo, com a khora enquadrada no gigantesco portal, vendo chegar os últimos barcos do dia. O pôr-do-sol amaciou a luz, e o vulto da ilha de Iráklia tornou-se mais nítido. O mar morno e transparente acalmou-se. Acenderam-se as luzes dos restaurantes do porto.
Caminhar pela língua de terra, por entre dois braços de mar até à cidade, que começa a agitar-se, é escolher entre solidão e paz, ou um bulício animado.
Em Naxos, todos os dias podemos escolher: montanha ou mar, sossego ou agitação. Ficar, faz todo o sentido.
Guia de viagens a Naxos
Este é um guia prático para viagens à ilha grega de Naxos, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de actividades na ilha.
Quando ir
A ilha é agradável todo o ano, sobretudo no Outono e na Primavera. O clima mediterrânico é suave e o Verão é longo, com as temperaturas mais altas entre Maio e Outubro.
Hotéis em Naxos
Não faltam interessantes opções hoteleiras na generalidade das ilhas Cíclades, e Naxos não é excepção. Sugere-se uma consulta a partir do link abaixo: são cerca de oitenta dos melhores hotéis de Naxos.
Seguro de viagem
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