O Parque Nacional Los Glaciares, nos confins da Patagónia argentina, protege 600.000 hectares de florestas subantárcticas, espécies animais em vias de extinção, centenas de glaciares e alguns dos mais belos cumes andinos. Penetrar nesta zona do planeta é mergulhar no mundo frio e selvagem do território Austral e aceder à beleza primitiva da Terra.
Acesso a Los Glaciares
As cinco horas que separam a cidade de Río Gallegos de Calafate, ponto de acesso ao Parque, são uma sucessão de arbustos espinhosos e tufos amarelos de estepe, em colinas suaves que alternam com planícies imensas.
A estrada, interminavelmente recta, passa junto à entrada de várias quintas latifundiárias e invisíveis, muitas delas com nome de mulher: “Estancia Maria Elisa – 10 km”, anuncia uma placa; das montanhas nem sombra e imaginar glaciares imensos numa paisagem desértica como esta requer, sem dúvida, muito mais do que um pouco de imaginação.
De uma colina mais alta avista-se, por fim, o lago Argentino e adivinha-se no horizonte uma sombra cinzenta de montanhas, prontamente escondidas por uma prega do terreno. Um grupo de árvores marca a aproximação de território habitado e, finalmente, avistam-se as primeiras casas na borda do lago.
Paragem forçada em Calafate
Calafate é uma das povoações mais turísticas da Argentina. As suas ruas são um contínuo de restaurantes, casas de recuerdos, hotéis e agências de viagem. Se nos afastarmos do centro, encontramos mais pensões, campismos, o Albergue da Juventude e o terminal de autocarros.
Os habitantes estão todos de acordo: as camionetas para as duas áreas do Parque só saem de manhã, para que os visitantes sejam obrigados a passar pelo menos uma noite em Calafate; as agências de viagem praticam todas os mesmos preços para a área Perito Moreno e para a área Chaltén.
Milhares de forasteiros chegam todos os anos para ver aquilo que, juntamente com as cataratas de Iguazú, é considerado o maior atractivo natural do país e uma das maravilhas da América do Sul: o Glaciar Perito Moreno.
Chaltén acolhe os viajantes menos sedentários e serve de ponto de partida para uma das Mecas do alpinismo e do trekking: o maciço de Fitzroy, que abrange o monte do mesmo nome e o não menos famoso Cerro Torre.
Chaltén e o Monte Fitzroy
Quando está bom tempo, o melhor é correr para Chaltén, a zona mais “difícil”, com temperaturas médias da ordem dos 10° C de Verão e 0° C de Inverno, para não falar da pluviosidade ou das teimosas nuvens que se prendem nos picos, ocultando a beleza verdadeiramente espantosa da cordilheira. Alpinistas empenhados em fazer a ascensão chegam a esperar muitas semanas por uma aberta que lhes permita avançar sem riscos.
Os primeiros habitantes da zona, os índios Tehuelche, chamaram Chaltén (azulado) ao Monte Fitzroy e foi este o nome escolhido para a povoação – se é que se lhe pode chamar assim – que nasceu numa área completamente à mercê dos ventos gelados que zurzem o vale do rio de Las Vueltas. Meia dúzia de casas com telhados de zinco de ar desabitado e ruas de terra fazem lembrar uma aldeia do farwest, mas já existem os serviços indispensáveis para os que se aventuram a pé nas florestas e montes da zona: um quartel-general dos Guardaparques que, periodicamente, percorrem a cavalo os trilhos mais frequentados, telefone, duas ambulâncias, duas ou três lojas/restaurantes com comida fresca e enlatada e um campismo com abrigo de montanha.
Ao princípio, as montanhas parecem um cenário a preto e branco, antigo e deslavado pelo tempo, por trás do amarelo da estepe e do azul-escuro do Lago Viedma. Mas quanto mais nos aproximamos mais se tornam evidentes as silhuetas pontiagudas desta parte dos Andes: do Cerro Torre ao Fitzroy as montanhas são um autêntico agulheiro, onde a neve não consegue colar-se às paredes demasiado íngremes das torres e o granito negro contrasta com o branco incandescente que se acumula, numa espessura de metros, sempre que há uma saliência na rocha.
No sopé, bosques de guindos (árvore da família das bétulas), ñires e lengas dispõem os ramos em telhadinhos sobrepostos, óptimos para proteger da chuva miúda que mantém verde a paisagem.
Há clareiras deliciosas de erva certinha, aparada por cavalos que aguardam em liberdade que os donos os venham buscar e a 5 kms da povoação, a cascata Chorrillo del Salto forma um pequeno lago rodeado de pedras brancas e dramáticos troncos prateados, testemunhos da força que a torrente, engrossada pela neve dos glaciares, pode atingir durante o degelo.
Apesar da área imensa do Parque, bastam umas três horas de marcha para atingir os primeiros glaciares e as respectivas lagoas e, na direcção do Torre ou na do Chaltén, a paisagem é de cortar o fôlego: arbustos em vários tons de verde escondem bagas vermelhas; árvores anãs dobradas pelo vento balançam fios verdes de musgo; troncos e raízes de brilho prateado jazem, encerados por sucessivos Invernos rigorosos. Por todo o lado corre água, em ribeiros baixos, atormentados por seixos redondos, que deslizam das neves e lagos andinos.
Depois de uma primeira subida, conseguimos ver quase todas as voltas do Rio de Las Vueltas, um emaranhado de águas esbranquiçadas que percorre o vale e se perde na neve das montanhas. Arbustos espinhosos parecem querer arrancar-nos a roupa e sucedem-se os bosques sombrios de espécies desconhecidas para quem vem do hemisfério Norte. A tapar o horizonte avista-se, quando as árvores e as colinas o permitem, os dentes aguçados da cordilheira, cada vez mais próximos.
Ambos os cumes – Torre e Fitzroy – são visíveis de forma infrequente devido às inclemências do tempo, mas as nuvens que por vezes vogam na sua frente e deixam entrever, depois de horas de suspense, um cocuruto azulado e umas manchas de neve, dão-lhes a tridimensionalidade que não têm quando avistados de Chaltén.
A Lagoa Torre, no sopé da agulha com o mesmo nome, é alimentada por dois grandes glaciares que se vão desfazendo em pequenos icebergues esverdeados.
Na base do Fitzroy, a Lagoa de Los Tres toma um tom de azul indescritível quando lhe bate o sol e os condores negros não se fazem rogados, volteando junto aos picos cinzentos. O próprio monte parece ter a forma de um pássaro, de cabeça baixa e asas quase abertas, velando sobre a série de lagoas que vão ficando para trás: a Capri, a Madre y Hija, a verde Sucia…
Lá em baixo, depois da última – e muito íngreme – subida, ficaram também os troncos que serviam de ponte sobre o rio Blanco e o Salto; ficaram os refúgios dos andinistas, feitos de troncos e plásticos estrategicamente abrigados debaixo de árvores e ficou a maior parte dos caminhantes, assustada pela grande moreia de glaciar que é preciso trepar para conseguir ver outra vez o “azulado” Chaltén.
A descida até à civilização faz-se em três horas e mal o sol começa a esconder-se apetece a lareira do abrigo e as modestas refeições quentes da noite.
O Glaciar Perito Moreno
A área Perito Moreno é a mais acessível e, por isso mesmo, a mais frequentada do Parque: mais de uma dezena de autocarros percorre diariamente os 80 kms que separam Calafate do Brazo Rico, levando centenas de visitantes até junto do enorme glaciar – e é só descer uns degraus até aos varandins de madeira que servem de miradouro sobre o Canal de Los Témpanos.
Mas nem por isso se aligeira a profunda impressão que causa chegar perto de uma massa de neve com 4 kms de frente e 60 metros de altura. Para mais, o Perito possui um espectáculo de “luz e som” permanente, com autênticos tiros de canhão que antecedem o despenhar de enormes blocos de gelo e aquele mau tempo irritante que cobre, descobre e muda a cor do gelo de branco opaco para azul irreal.
Com uma área de 195 kms quadrados, este glaciar é apenas o mais conhecido dos cerca de trezentos que se desprendem dos 14.000 kms quadrados de Gelo Continental Patagónio, dividido entre a Argentina e o Chile.
O que o torna tão especial é ser dos raros, a nível do planeta, que continua a avançar: em 1900, a Península de Magalhães, onde chegam os autocarros de Calafate, encontrava-se a cerca de um quilómetro da parede de gelo; em 1914 estava a cem metros; em 1917, pela primeira vez e daí em diante todos os quatro anos, o glaciar encosta à Península e forma um dique que acaba por rebentar com estrondo, quando as águas do Brazo Rico conseguem atingir pressão suficiente para atingir de novo o lago Argentino.
Ultimamente, o fenómeno de aquecimento global a que estamos sujeitos acabou com a regularidade do fenómeno, mas as lendárias tempestades de neve andinas parecem continuar a produzir neve suficiente para que a acumulação de gelo não se interrompa.
Seguindo os carreiros protegidos que acompanham quase toda a frente do glaciar, descobrem-se formas e detalhes verdadeiramente impressionantes: o gelo molda-se em figuras, formando animais, túneis, arcos góticos de catedral e picos aguçados que recriam a cordilheira de onde desce. De certos ângulos parece um castelo de fadas, de ameias pontiagudas e assente sobre a água. O azul gélido contrasta com o negro queimado das montanhas e só na margem de cá, na Península de Magalhães, é possível ver alguma vegetação. Os pedaços que se vão soltando com estrondo atiram salpicos gelados para terra e dividem-se em centenas de ilhotas, como um atol congelado.
Parque Natural Los Glaciares – Património UNESCO
Foi preciso esperar até ao séc. XIX para que os europeus descobrissem esta maravilha da natureza, Património da UNESCO desde 1981; isto apesar da expedição de Magalhães ter deixado na Patagónia os primeiros colonos em 1520 e missionários penetrarem na zona no séc. XVIII.
O explorador Francisco Perito Moreno, cujo nome ficou associado a este glaciar, foi um dos pioneiros da ideia de Parque ou Reserva Natural e a Argentina foi o primeiro país da América do Sul a possuir todo um sistema de zonas protegidas a nível nacional.
Hoje em dia, o turismo, atraído pelas belezas naturais da província patagónica de Santa Cruz, rivaliza no sustento da economia com os sete milhões de ovelhas das estancias sem fim que vemos da estrada.
É que em muito poucos outros lugares da Terra se encontra tal concentração de natureza, acessível e ao mesmo tempo selvagem, como no Parque andino de Los Glaciares.
Guia de viagens à Patagónia Argentina
Este é um guia prático para viagens a Los Glaciares, com informações sobre a melhor época para visitar, como chegar, pontos turísticos, os melhores hotéis e sugestões de atividades na região da Patagónia argentina.
Como chegar a Calafate
Voar para Buenos Aires, de onde saem transportes terrestres para todas as direcções. Na Argentina, os autocarros são excelentes e os preços razoáveis, mesmo para as viagens mais longas como é o caso dos destinos na Patagónia, incluindo Calafate.
Hotéis em Buenos Aires e na Patagónia
Em Buenos Aires não falta escolha, mas o Liberty Hotel é bastante central, na Av. Corrientes. Nos outros locais, à excepção de El Calafate, preferimos sempre um dos parques de campismo, que ficam mais próximos da natureza. Em Calafate, a Hostería Kalken, na Av. Valentín Feilberg, tem um bom pequeno-almoço.
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Restaurantes
A comida na Argentina revela fortemente a herança italiana. Em Buenos Aires, um dos restaurantes mais populares é o Cervantes, na rua Perón. Em Bariloche, o Restaurante Mangiare foi-nos recomendado. Em El Calafate, tente o Restaurante Macías.
Informações úteis
Há vários gabinetes de turismo espalhados pelo país; em Buenos Aires, há pelo menos um na rua Florida que pode fornecer informações actualizadas sobre transportes, dormidas, etc. Em Portugal, a Embaixada da Argentina fica na Av. João Crisóstomo, 8 A r/c, 1000-178 Lisboa. Para obter detalhes específicos sobre os melhores destinos da Patagónia, visite o site oficial do Turismo da Argentina.
Seguro de viagem
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