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Em Pequim, de Regresso à Escola (VM #10)

Por Filipe Morato Gomes

Centro comercial em Pequim, China

Regresso aos bancos da escola na cosmopolita cidade de Pequim, como participante de uma aula de conversação em inglês. Na companhia de Richard, canadiano de 62 anos e mochileiro de longa data. Sou ainda surpreendido pelos velhos bairros de Pequim, bem como pelo capitalismo de Wanfujing, antes de percorrer a pé um trecho da majestosa Grande Muralha da China. Eis-me chegado a um novo país, a China.

Percorro Pequim ao sabor de impulsos momentâneos durante uns dias, até que surge um desafio tentador. Acompanhar Richard Rowe a uma das suas aulas de conversação em língua inglesa. E participar activamente. Concordo.

Porta de acesso à Cidade Proibida, Pequim, China
Porta de acesso à Cidade Proibida, Pequim, China

Conheci Richard fruto de uma troca de mensagens de correio electrónico. “Durante os vinte anos em que viajei de mochila às costas, por todo o mundo, beneficiei de tantas e tão calorosas manifestações de generosidade alheia que decidi retribuir e ajudar os demais viajantes, abrindo as portas da minha casa”. Palavras de Richard, canadiano, actualmente com 62 anos de idade e casado com Rotjana, uma tailandesa ainda a habituar-se à diminuição de privacidade que a decisão do marido acarreta. Instalo-me em sua casa. Quando lá chego, deparo com um outro forasteiro, australiano. Não diria que há lugar para mim. Mas sou recebido de braços abertos. O apartamento é muito pequeno, durmo no chão da sala. E não sobra espaço. É um lar simples e um pouco fora do centro da cidade. Mas fica numa área extremamente sossegada e de certa forma apropriada para base de exploração da capital chinesa.

Richard é professor numa pequena escola privada. Viajou e trabalhou mundo fora numa época sem Internet nem outras formas práticas de comunicar com amigos, familiares e outros viajantes. Escreveu, talvez por isso, dezenas de cartas round robin durante esses anos, narrando as experiências, as emoções, os encontros e desencontros de uma existência sem poiso fixo. “Sabes, Filipe, é tudo o que tenho para deixar aos meus filhos, o relato da minha vida, nada mais…”, conta-me, com ar satisfeito. “Mas não me arrependo nem por um segundo das escolhas que fiz“, conclui.

Richard e Rotjana em Pequim, China
Richard e Rotjana, na sua casa em Pequim

Nota-se pela voz que algo intenso agita a sua memória ao abordar este tema. Fala do maior tesouro com que poderia presentear a sua descendência. Uma vida condensada em duas centenas de folhas de papel. Os seus olhos sorriem. Apressamos o passo em direcção à escola.

Lá chegados, sou apresentado a um primeiro secretário de uma embaixada estrangeira de um PALOP, a uma estudante de origem russa e sua mãe e ainda a chineses de profissões variadas que compõem a turma de uma dúzia de elementos. Ficam felizes por ter um novo interveniente na sala de aula. E não se fazem rogados. Perguntam incessantemente. Sobre mim, sobre Portugal, sobre o que faço na China, sobre a minha viagem. Vou respondendo a cada questão praticando eu próprio o meu inglês. Como na escola de outrora. “E o que já viste de Pequim?” – questionam.

Falo da Grande Muralha da China, da experiência estimulante que é percorrer a pé um pedaço desta enorme barreira serpenteando montanhas até onde a vista alcança. É incrível como mãos humanas foram capazes de construir tamanha obra. Explico como me deixei perder num ou noutro parque da cidade. Pequim tem vários, bonitos e grandes. Conto como recuei no tempo ao percorrer a velha zona de Liulichang, observando as restauradas fachadas de madeira com os seus coloridos motivos. Um espelho da Pequim de há muitos anos.

A Grande Muralha da China, algures entre Jinshanling e Simatai
A Grande Muralha da China, algures entre Jinshanling e Simatai

Refiro ainda como é agradável percorrer os recantos da Cidade Proibida. Bonita, apesar da contínua reabilitação de que é alvo e que impede ver alguns edifícios. Perguntam-me, com evidente orgulho, se gostei de Tiananmen. Respondo que fiquei triste ao pisar o solo daquela praça colossal, enquanto me vem à memória a célebre imagem de um anónimo estudante, imóvel, desafiando a força de um tanque de guerra naqueles não muito longínquos protestos estudantis. Obtenho como reacção, incompreensão: “Triste? Mas é a maior praça do mundo…”. Não insisto.

O tempo passa, a aula termina. O professor agradece a minha presença perante o grupo. Sinto que eu é que deveria agradecer. Durante esta semana em Pequim fui um aluno aplicado. Numa enorme aula prática sobre a vida de um viajante.

Livro Alma de ViajanteEsta é a capa do livro «Alma de Viajante», que contém as crónicas de uma viagem com 14 meses de duração - a maioria das quais publicada no suplemento Fugas do jornal Público. É uma obra de 208 páginas em papel couché, que conta com um design gráfico elegante e atrativo, e uma seleção de belíssimas fotografias tiradas durante a volta ao mundo. O livro está esgotado nas livrarias, mas eu ofereço-o em formato ebook, gratuitamente, a todos os subscritores da newsletter.

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Filipe Morato Gomes

Autor do blog de viagens Alma de Viajante e fundador da ABVP - Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, já deu duas voltas ao mundo - uma das quais em família -, fez centenas de viagens independentes e tem, por tudo isso, muita experiência de viagem acumulada. Gosta de pessoas, vinho tinto e açaí.

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